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ONU defende acesso ao aborto

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Paula Laboissière
AGÊNCIA BRASIL

O alto-comissário de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), Zeid Ra’ad Al Hussein, defendeu ontem que países com surto do vírus Zika autorizem o direito ao aborto em casos de infecção em gestantes, uma vez que o quadro pode estar relacionado ao aumento de bebês diagnosticados com microcefalia. Segundo Hussein, garantir os direitos humanos de mulheres nesse contexto é essencial para que a resposta à emergência em saúde pública relacionada ao Zika seja efetiva. “Isso requer que os governos garantam às mulheres, homens e adolescentes o acesso a informações e serviços de saúde reprodutiva e sexual abrangentes e de qualidade, sem discriminação”, disse, durante coletiva de imprensa em Genebra.
Ativistas preparam ação, a ser entregue ao STF, em que cobram direito de interromper a gravidez quando a doença for diagnosticada
Ainda de acordo com o porta-voz da ONU, os serviços em questão envolvem a contracepção (incluindo a oferta de pílula do dia seguinte), a saúde materna e o aborto seguro e legal. “Claramente, conter a epidemia de Zika é um grande desafio para os governos na América Latina”, disse. “Entretanto, a orientação de alguns governos para que mulheres adiem a gravidez ignora a realidade de que muitas delas simplesmente não podem exercer controle sobre quando e em que circunstâncias ficar grávida.”

#SAIBAMAIS#Por meio de nota, a própria ONU reforçou que, em meio à contínua propagação do vírus Zika pelo mundo, autoridades devem garantir que as respostas em saúde pública estejam em conformidade com suas obrigações no campo de direitos humanos. A entidade destacou ainda que uma relação causal entre os casos de infecção pelo vírus, a microcefalia e casos de Síndrome de Guillain-Barré ainda estão sendo investigados.

No Brasil, um grupo composto por advogados, acadêmicos e ativistas prepara uma ação, a ser entregue ao Supremo Tribunal Federal (STF), que cobra o direito de interromper a gravidez em casos em que a síndrome for diagnosticada nos bebês.

Em entrevista à Agência Brasil, a antropóloga e pesquisadora Debora Diniz, que está à frente do trabalho, explicou que a ação deve ser encaminhada à Suprema Corte em, no máximo, dois meses. O mesmo grupo impetrou ação similar, em 2004, para pedir ao STF o direito ao aborto em casos de bebês com anencefalia. O pedido foi acatado pelos ministros em 2012.

“A atual epidemia do vírus Zika exige do Estado brasileiro a implementação de um conjunto amplo de políticas para a proteção de direitos que não se restringem ao direito à interrupção da gravidez”, disse Debora, ao defender políticas amplas de planejamento reprodutivo, incluindo o acesso à testagem de infecção pelo vírus a todas as gestantes.

Em situações onde há resultado positivo para microcefalia, é preciso que haja, segundo ela, o encaminhamento para um pré-natal de alto risco, caso a mulher queira prosseguir com a gravidez, ou o direito ao aborto legal, caso a mulher prefira interromper a gestação. Para Debora, a autorização para o aborto, nessa situação, precisa ser garantida a partir da confirmação da infecção, como um direito da mulher face a uma grave epidemia não controlada pelo Estado brasileiro.

A professora da Universidade de Brasília (UnB) destacou ainda que políticas voltadas para crianças afetadas por síndromes neurológicas decorrentes da infecção por Zika, como a própria microcefalia, não podem ficar em segundo plano. A ação que está sendo elaborada, segundo ela, também pedirá a implementação de políticas sociais com foco na limitação desses bebês e que garantam assistência integral às mães e famílias.

De acordo com a pesquisadora, o aumento de casos de suspeita de síndrome fetal ligados ao vírus Zika e a recente classificação de emergência global em saúde pública, feita pela Organização Mundial da Saúde (OMS), reforçam a necessidade de articulação imediata de políticas de cuidado e atenção à saúde de mulheres e crianças afetadas pelo problema.

“Para uma mulher hoje no Brasil, saber-se grávida e infectada pelo vírus é uma situação de grande sofrimento e desproteção. Independentemente da consequência efetiva que a infecção possa ter no feto, ser obrigada a enfrentar uma gravidez de riscos graves e não totalmente conhecidos, causados pela negligência estatal em controlar uma epidemia, já é uma violação aos direitos das mulheres.”

CNBB mantém posição contrária à prática do aborto
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) considera que a extrema gravidade da situação vivida por gestantes em todo o país não justifica uma defesa do aborto para casos de microcefalia. Para a entidade, a defesa da interrupção da gestação representa total desrespeito ao dom da vida e às pessoas com algum tipo de limitação. “Lamentamos muito que alguns julguem que a solução para esses casos seja o aborto de bebês com microcefalia”, disse o presidente da entidade, dom Sérgio da Rocha.

O religioso destacou que quadros de microcefalia já existiam antes da epidemia de Zika no Brasil, mas só agora passaram a receber mais atenção por parte das autoridades sanitárias e da comunidade como um todo. “A microcefalia não pode ser reduzida apenas à questão do vírus Zika. Essa ligação nem está ainda tão clara”, enfatizou. Para o representante da Igreja Católica, é preciso reforçar no país a assistência a pessoas acometidas pelo vírus, sobretudo gestantes, e também a bebês diagnosticados com malformações congênitas, como a microcefalia.

Dom Sérgio defendeu a implementação de políticas que apontem para um sistema de saúde pública universal e de qualidade. “Essa deveria ser a nossa resposta. E não a resposta que alguns têm buscado”, disse em referência aos grupos que pedem a interrupção da gravidez em casos de microcefalia.

“Dizer que uma criança que está sendo gestada com microcefalia deve ser abortada é o mesmo que dizer que uma criança com algum tipo de limitação não tem direito à vida”, destacou.

USP vai acompanhar 3 mil grávidas
São Paulo (AE) – Um estudo inédito envolvendo 3 mil grávidas já começou a ser desenvolvido no Brasil para detalhar a relação entre o zika e a microcefalia em bebês. Elas serão submetidas, mensalmente – e até a hora do parto -, a um exame de sangue que detecta anticorpos do vírus tanto na mãe quanto no bebê, dando evidências de que o feto foi infectado durante a gestação. O diferencial da pesquisa, capitaneada pela Faculdade de Medicina da USP de Ribeirão Preto (FMRP), é examinar não só gestantes que já apresentem sinais de infecção por zika vírus – febre, dor nas articulações e músculos, manchas vermelhas na pele e conjuntivite -, mas também as assintomáticas. “Até agora, o que se tem feito é pesquisar somente aquelas que apresentam sintomas de infecção pelo zika e aquelas que geraram bebês com microcefalia”, diz o professor Benedito Antônio Lopes Fonseca, do Laboratório de Virologia, que coordena o estudo junto à médica Suzi Volpato Filho, obstetra do Programa de Assistência à Saúde da Mulher da prefeitura de Ribeirão.

Acompanhando todas as fases da gravidez da mulher, os pesquisadores pretendem descobrir o período de maior risco para a gestante, se a infecção assintomática também pode causar microcefalia e em qual mês do desenvolvimento o feto é acometido pela má-formação. Também será observado se o zika pode estar associado a outros problemas de saúde no bebê.

Toda gestante que iniciar o pré-natal no Sistema Único de Saúde (SUS) em Ribeirão poderá participar, de forma voluntária. Para as que fazem o acompanhamento na rede privada, o cadastro será feito nos postos de saúde da cidade. O prazo é até 30 de junho, período em que há maior incidência de Aedes aegypti, o mosquito transmissor dos vírus da dengue, chikungunya e zika. Os estudiosos estimam que sejam “recrutadas” 500 grávidas por mês. Trinta já estão cadastradas e tiveram as amostras de sangue colhidas.

A grávida que apresentar sintomas de zika será encaminhada ao Ambulatório de Moléstias Infecciosas do Hospital de Clínicas da FMRP e terá o resultado do exame de sangue disponível em até 72 horas. Quando houver confirmação do diagnóstico de microcefalia no bebê, detectado via ultrassonografia, ela receberá atendimento no Ambulatório de Medicina Fetal do Hospital das Clínicas. Fonseca lembra que outras doenças além do zika podem causar microcefalia, como a rubéola e a toxoplasmose. “Por isso, iremos fazer vários testes”, diz.

Os resultados devem estar disponíveis no fim do ano que vem. A prefeitura de Ribeirão oferecerá a infraestrutura de atendimento O custo de aproximadamente R$ 500 mil será financiado, em parte, pela Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Os pesquisadores buscam recursos, também, junto ao Ministério da Saúde e às agências de fomento. Na quinta-feira, o ministro da Educação, Aloizio Mercadante, afirmou que Capes e CNPq devem publicar editais direcionados a estudos sobre diagnóstico e tratamentos sobre zika e microcefalia.

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