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Orla expõe marcas da reação da natureza à ocupação desordenada

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Margareth Grilo – Repórter especial

A zona costeira de Natal, com suas seis praias urbanas, divididas entre o litoral Norte e o litoral Sul, se estende por mais de 20 km. E, pelo menos, nas últimas três décadas, especialistas da geologia, da arquitetura urbana e da engenharia se debruçam sobre esse litoral para entender suas peculiaridades, seja do ponto de vista da paisagem, da geomorfologia e do urbanismo. Não é de hoje que se discute a pressão da ocupação urbana sobre a praia e seus efeitos nefastos. E também não é a primeira vez que as estruturas de concreto do calçadão cedem, desmoronam. Quem estuda esse ambiente costeiro alerta há anos: a natureza está dando respostas a ação do homem. Está reagindo e tomando de volta seus espaços. Nas próximas páginas (2 e 3), saiba o que dizem os especialistas e que projetos o Município tem para a revitalização do litoral natalense.
Ponta Negra é hoje a praia urbana de Natal mais afetada pela falta de ações que visem, principalmente, garantir a manutenção da estrutura
Orla de Natal tem projetos que nunca saíram do papel

Nos últimos quatro anos, a orla de Natal foi alvo de vários projetos. Alguns foram implantados parcialmente, outros sequer saíram do papel, como é o caso do projeto elaborado, entre 2008 e 2009, para revitalização do litoral, de Ponta Negra ao Forte, com recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur). O orçamento era robusto, 77 milhões de dólares, mais de R$ 154 milhões a preços de hoje, mas não avançou. Primeiro, por falta de contrapartida da prefeitura para os estudos iniciais. Segundo, por restrições cadastrais da Prefeitura de Natal.

Em 2009, o município precisava lançar um depósito de  contrapartida da ordem de R$ 10 mil, para o estudo de correntes e marés, orçado em R$ 250 mil. Esses recursos eram provenientes do Ministério do Turismo. Apenas quando os estudos estivessem finalizados e indicasse a solução técnica, o projeto seria enviado para a Corporação Andina de Fomento (CAF), uma instituição financeira semelhante ao BID.

Segundo o secretário municipal de Turismo, à época, Francisco Soares, quando a verba estava para ser devolvida, o município conseguiu os recursos da contrapartida e inciou os estudos que, segundo ele, foram concluídos. Mas o Município estava inadimplente junto ao governo federal e inscrito no CAUC – Cadastro Único de Convênios.  “Depois disso, sai da secretaria e não sei o que aconteceu”, disse Soares. A TRIBUNA DO NORTE apurou que existe um aditivo ao contrato ainda em vigor.

Apesar do contato com a Secretaria de Turismo, a TN não conseguiu ouvir o titular da pasta, Murilo Barros Júnior, para que confirmasse o trâmite do projeto. Um segundo projeto que ficou pelo meio do caminho foi elaborado em 2005, em favor da orla de Ponta Negra, fruto de um concurso de projetos da Prefeitura, motivado por ação do Ministério Público Estadual. A autora do projeto, a arquiteta e professora do Departamento de Arquitetura da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Dulce Bentes, disse que a Prefeitura não chegou a executar 30% do que estava previsto.

“O que foi feito foi o calçadão e nem o que foi feito teve manutenção. Está aqui tudo destruído”, afirmou a professora.  Dulce Bentes explicou que, além do reordenamento e reurbanização de toda a orla, com a retirada das barracas da beira-mar, e instalação de quiosques no calçadão, o projeto previa áreas urbanizadas, estruturas de conexão com a Vila de Ponta Negra e no ‘recanto do pescador’; e acesso de conexão com a Via Costeira.

Dulce Bentes disse que houve uma frustração ao longo do tempo pelo fato de o município não ter estabelecido um planejamento a longo prazo para implantação do projeto, por etapas. “Agora vem uma crise e o poder público se volta para a orla novamente e vamos partir em condições muito mais difíceis. Isso nós dá a dimensão da fragilidade de nossa gestão urbana”. Os problemas de desmoronamento na orla materializam e exemplificam, segundo ela, “o quão necessário é levar a sério e de forma sistemática, os projetos”.

“Esses projetos têm recursos federais, e não são executados. Nem o pouco que é feito, é protegido. Não se tem nenhum olhar para os projetos depois que são executados”, criticou Dulce Bentes. A arquiteta salientou que o meio acadêmico tem pensado soluções e dado contribuições. “Temos um acumulado muito significativo e representativo com discussão dos diversos atores. Não falta projeto”, disse ela, “falta capacidade de gestão e de implementação”.

Solução passa pelo controle da ocupação urbana das praias

Pesquisadores das áreas de Geologia e Arquitetura são unânimes em dizer que não dá para pensar em uma solução para a orla de Natal sem um controle sobre a ocupação urbana, sem a apropriação dos espaços vazios pelo poder público e pela retomada de áreas que causam pressão sobre a zona costeira. Na perspectiva urbanística, explicou a professor Ruth Ataíde, “esse cenário geomorfológico, esse revelo está nos dizendo que essa faixa tem que ter um controle até mais rigoroso do que o que a gente estabeleceu na década de 80”.

A pesquisadora disse que isso pede uma discussão para que se pense em iniciar um trabalho de congelar a ocupação. No caso de Ponta Negra, relembra Ruth Ataíde, se conseguiu, na década de 80, fazer uma discussão sobre o controle da ocupação. O foco à época era a proteção da paisagem, principalmente do Morro do Careca. Por consenso, se estabeleceu instrumentos de controle na ocupação na faixa entre a engenheiro Roberto Freire e o mar.

“Nessa ocupação, a legislação estabelece que a altura das edificações”, detalha a professora, “tem que ser até 7,5 metros, e é isso que muitos não entendem. E não entendem a tal ponto que em terrenos mais alongados, que começam, por exemplo, na Roberto Freire e terminam na Erivan França, abaixo, eles encontram brechas e, no meio da área, sobem bem acima dos sete metros e meio”. Ao longo da orla, esse escalonamento é claro.

O que resulta disso, comenta Ruth Ataíde, é que as áreas passam a ter maior adensamento, ou seja, mais gente morando, mais gente ocupando, mais pressão sobre o solo. “Juntando essa pressão com a força da natureza, com ação marinha, se tem o resultados que estamos vendo, essa destruição”.

Diferente de outras orlas do litoral nordestino – como Fortaleza, Boa Viagem, Recife e Maceió, Natal  tem faixa de praia muito estreita. Isso porque, já no século 20, as pessoas desceram das áreas de revelo, onde a ocupação foi espontânea no século 19, e começaram a ocupar as áreas planas da orla. E o plano, lembra Ruth Ataíde, já era praia. O geólogo Vanildo Fonseca lembra que além da pressão da ocupação urbana, com todos os seus efeitos, a água também está trabalhando no lençol subterrâneo e levando a terra.

Para os especialistas falta um planejamento a longo prazo. “Depois desse projeto de revitalização de Ponta Negra”, diz Dulce Bentes, “não houve iniciativas de um planejamento no sentido de exercer o controle da orla, de pensar o futuro”. A falha é que se guarda os projetos e quando chega o recurso, quatro, cinco anos depois, “o contexto é totalmente diferente, as áreas já foram ocupadas e se remedia o possível”.

É preciso frear a ocupação e recuar imóveis

Para as arquitetas Ruth Ataíde e Dulce Bentes o problema da orla de Natal não está na calçada que está erodida e que desmorona a cada dia. “A calçada está no lugar errado e não vai ser só um projeto técnico de reconstrução que vai resolver o problema”, afirmou a professora da UFRN, Ruth Ataíde. As duas defendem uma discussão séria sobre o nível de ocupação da orla de Natal e, especificamente, de Ponta Negra. “Não podemos continuar a ocupar Ponta Negra”, disse Ruth, “do jeito que está acontecendo”. Todos que estão instalados na orla – acrescentam as arquitetas – precisam reconhecer que não podem aumentar a ocupação e que estão sujeitos, inclusive, a um processo de recuo, a médio e longo prazo. A defesa que fazem é de um projeto que inclua a preservação dos espaços vazios e a retomada de áreas, hoje ocupadas, e que impedem uma reestruturação do calçadão, de forma a permitir que se devolva espaço à faixa de mar.

Falta estudo sobre as marés e as correntes

Para o geólogo Vanildo Fonseca uma obra de engenharia para reconstruir o calçadão de Ponta Negra é jogar dinheiro fora. Primeiro, é preciso estudar qual é a dinâmica da onda da maré e das correntes, para saber onde está o principal foco da erosão, e depois propor alguma intervenção que não é obrigada a ter nada a ver com calçadão. O calçadão vai ser uma obra rígida que para ter sustentação e estabilidade precisaria de uma fundação muito profunda para vencer exatamente a variável do escoamento subterrâneo de água, que também escava a areia, num efeito “cachimbo” e faz o calçadão ceder. Na orla de Natal, especialmente, em Ponta Negra, a forma mais adequada, de posse dos estudos, sugere o geólogo, seria tentar barrar a energia da onda, na chama antepraia (região entre marés). A ideia de colocar diques – como em Camapum e Caiçara – é absurda, porque são soluções do início do século passado, completamente ultrapassadas.

Audiência pública vai debater assunto

A Promotoria do Meio Ambiente vai promover audiência pública com objetivo de  informar a situação dos processos judiciais relativos à ordenação e revitalização da praia de Ponta Negra. A audiência será realizada na próxima quinta-feira,  16 de agosto, às 9h, no auditório da sede da Procuradoria-Geral de Justiça, em Candelária. A audiência será oportunidade para expor o resultado das contribuições dos moradores de Natal, durante a campanha Salve Ponta Negra, lançada pela TRIBUNA DO NORTE, em parceria com o Ministério Público Estadual. Leitores do jornal acessaram o portal da TN (até 22 de julho) e enviaram críticas e sugestões para a reestruturação urbana da orla de Ponta Negra.

Os depoimentos foram encaminhados para análise do MP. A proposta é que a audiência pública dê direcionamentos e  encaminhamentos para a construção do escopo de revitalização da praia. Segundo os promotores do Meio Ambiente, na audiência, o Município de Natal será ouvido sobre as diligências que já foram, estão sendo e serão realizadas em decorrência ou não de decisões judiciais.

Segundo a secretária Municipal de Obras e Infraestrutura (Semopi), Tereza Cristina Vieira Pires qualquer intervenção só será iniciada, após a perícia técnica, determinada pelo juiz, e contratada pela Prefeitura, com recursos próprios. O empenho no valor de R$ 118.126,96, segundo o procurador geral adjunto, Geraldo Lopes, já foi assinado na semana passada. Esse valor cobre a perícia para indicar medidas emergenciais e as medidas de contenção.

Projetos

2012 –  Ministério do Turismo
Projeto prevê a instalação de  acessibilidade nos atrativos prioritários das praias de Ponta Negra, Areia Preta e do Forte (R$ 13,6 milhões); sinalização turística da orla (R$ 3,59 milhões) e construção de quatro Centros de Atendimento ao Turista móveis (CATs) para as praias da Redinha, Ponta Negra e imediações do Estádio Arena das Dunas e Cidade Alta (R$ 334 mil).

2009 – Prodetur Natal – R$154 milhões
O projeto, cujo financiamento seria contraído junto a Corporação Andina de Fomento (CAF), instituição financeira semelhante ao BID, com contrapartida de 40% do governo federal, previa estudos de correntes marinhas para entender fluxo de material sólido e definição de solução técnica para proteção, reordenamento e revitalização de toda a orla de Natal. O projeto previa 80 metros de engorda da praia de Ponta Negra, do Morro do Careca até início da Via Costeira; e alargamento do calçadão, que passaria para três para 12 metros. Na orla leste, de Areia Preta ao Forte, seria concluída a engorda e aterro da praia de Areia Preta, estimada em 50 metros. O calçadão seria alongado, em forma de deck, margeando o rio Potengi.  O projeto tem um aditivo de prazo ainda vigente.

2012 -Recursos federais de Emergência -R$ 4 milhões
O valor  pleiteado pela Prefeitura prevê obras de reconstrução e restabelecimento do passeio público de Ponta Negra.  Para a recuperação de 700 metros de trecho danificado (R$ 3.674 milhões); para a recuperação das redes de esgotos (R$ 91 mil); de distribuição de água (R$ 49 mil); de energia elétrica (R$ 220 mil) e  plantio de árvores (R$ 17 mil).

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