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Papo firme sobre a Jovem Guarda

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Yuno Silva
Repórter

Como quem não quer nada, querendo(!), um novo programa de TV dava o ar da graça na tarde do dia 22 de agosto de 1965. Amanhã, às 16h30, faz exatos 50 anos que Roberto, Erasmo e Wanderléa estrearam na tela da Record e deram início a “festa de arromba” da Jovem Guarda. O trio anfitrião chamou para si a responsabilidade de colocar o tal do ‘iê-iê-iê’ na boca do povo, e ajudou a forjar a primeira geração do rock no Brasil. Sintonizados com o que rolava de novo no planeta música, os garotos que amavam (e muito provavelmente ainda amam) os Beatles e os Rolling Stones plugaram suas guitarras elétricas e perceberam antes do tropicalistas a necessidade de tornar a música nacional compatível com as últimas notícias.
Leno Azevedo, 66, relembra bons momentos da sua carreira nos 50 anos da Jovem Guarda e diz que curte o saudosismo no palco, mas ainda quer mostrar coisas novas
A Jovem Guarda cantava para enxotar a caretice moralista. Eram contra a ditadura Militar, não simpatizavam com a luta armada nem militavam na esquerda – que os acusava de alienados por falta de engajamento social nas letras. Para eles, a grande revolução era ser feliz e poder cantar. Mora!? Eram papo firme e combatiam os quadrados.

“Eu era um sonhador. A Jovem Guarda para mim era uma coisa tão linda. Todo domingo de tarde a gente se encontrava, conversava, contava casos. Um monte de músicos, bandas… Tinha o programa, aquelas meninas lindas, carros maravilhosos parados na porta. Aquela festa parecia que nunca ia ter fim”, declarou Erasmo Carlos ao colunista Renato Kramer, da Folha de São Paulo.

“Me considero da segunda dentição da Jovem Guarda, era, quer dizer, ainda sou o caçula da turma. Foi ali que começou o rock brasileiro, com temas brasileiros, no final dos anos 1950 a maioria da música eram versões. E acho que o marco zero do movimento foi ‘Rua Augusta’ (Ronnie Cord), ‘Minha fama de mau’ (Erasmo) e o próprio ‘O Calhambeque’ do Roberto vieram antes do programa”, disse Leno Azevedo, 66, em entrevista exclusiva a reportagem do VIVER. “Tesão musical. Essa é a primeira coisa que me vem a cabeça quando lembro da Jovem Guarda”.

Vizinho cara de pau
Leno contou que aos 16 anos, morando no Rio de Janeiro pela segunda vez, quase levou bomba em português “quando a professora me pegou escrevendo uma música, ‘Disco Voador’, que meses depois seria gravada pelo Erasmo no disco que tinha ‘Gatinha Manhosa’. Eramos estava estourado, foi minha vingança com a professora!”, diverte-se.

O potiguar era vizinho de sua futura parceira musical, Lílian Knapp, então namorada do Renato Barros (dos Blue Caps). “A gente morava próximo a TV Rio, a casa da Lílian era o point daquela moçada toda, e o Renato acompanhava os artistas que iam participar dos programas na televisão. Quando o Erasmo foi lá em um desses ensaios, peguei o violão na cara de pau e comecei a cantar minha música. Depois disso as coisas foram acontecendo, veio a dupla com a Lílian”.

Antes de estourarem com “Pobre Menina” e “Devolva-me”, Leno e Lílian eram calouros em programas infantis da TV Rio. Depois da fase cantor mirim, Leno retornou a Natal: “Quando voltei para o Rio fui morar no mesmo lugar, a Lílian estava com uns 17 anos e namorando o Renato, que tinha nos visto cantar e sugeriu a formação da dupla. Não tinha nenhum casal na Jovem Guarda, era uma coisa diferente”.

Leno Azevedo reclama que não toca em Natal há três anos, “faltam convites”, mas que shows alusivos aos 50 anos da Jovem Guarda estão acontecendo: “Em junho passado, por exemplo, fiz a Virada Cultural, em São Paulo com participação da Lílian. Ainda nos encontramos para fazer algum evento especial, e gravei duas músicas novas com ela.

Leno garante não se incomodar em cantar músicas antigas, mas que reserva o saudosismo para o palco. “Canto só em shows, então dá tempo de zerar e ter vontade de cantar de novo. Mas quando pinta convite para participar de algum programa de TV, digo que quero mostrar músicas novas além de cantar as antigas”, garante.

Cansado do tumulto no Rio e São Paulo, o cantor e compositor resolveu que era de reencontrar suas origens e voltou de vez em Natal ainda na primeira década do século 21. “Vim pra cá para ficar meio recluso mesmo, mantenho contato com o Jerry Adriani, o Renato Barros, o pessoal dos Golden Boys, mas gostaria de estar falando com meu amigo Raul Seixas, companheiro da minha fase rockeira no pós-Jovem Guarda”.

Pai do músico e produtor musical Diogo Strausz, 25, que produziu a faixa “Muita Sorte” do novo disco da Gal Costa (“Estratosférica”) e recentemente lançou disco solo com participações de nomes como Apollo, Danilo Caymmi, Kassin e  Alice Caymmi, Leno – que assina uma das faixas no disco do filho e empresta a voz – critica a cena atual da música brasileira. “O sertanejo está dominando, está tudo meio difuso. Em termos musicais, vejo o público brasileiro muito menos exigente do que alguns anos atrás. O ouvinte involuiu e é responsável pela baixa qualidade da música atual. Hoje não se consegue mais patrocínio se não tiver engajado com o Governo. Acredito que está faltando um bom rock nacional para levantar o astral”, diz.

GLOSSÁRIO
Gírias da Jovem Guarda

É uma brasa, mora? – Muito bom, entende?
Barra limpa – Está tudo bem
Quadrado – Algo ultrapassado / Sujeito conservador
Pra frente – Algo moderno
Bicho – Forma de tratamento
Chapa – Amigo
Pão – Garoto bonito
Broto – Garota bonita
Carango – Carro bacana
Calhambeque – Carro velho
Papo firme – Alguém muito legal / Conversa séria
Gamar – apaixonar
Pacas – Muito/bastante
O Tal – Pessoa de destaque
Mancar – Desrespeitar compromissos

CURIOSIDADES
– O publicitário mineiro Carlito Maia foi quem batizou o movimento, a partir de uma frase de Lênin dirigida ao proletariado russo: “O futuro do Socialismo repousa nos ombros da jovem guarda”. Carlito (1924-2002) também reivindicava a paternidade dos apelidos Ternurinha (Wanderléa) e Tremendão (Erasmo) e a gíria “é uma brasa, mora?”
– “She Loves You”, dos Beatles, introduziu o ‘yeah, yeah, yeah’ no vocabulário e acabou abrasileirado para ‘iê-iê-iê’
– O programa Jovem Guarda (1965-1969) entrou na grade da TV Record porque, com estádios esvaziados, a Federação Paulista de Futebol proibiu a exibição de jogos
– A princípio, os apresentadores do programa seriam Celly Campello e Roberto Carlos, mas a intérprete de “Banho de Lua” estava decidida a abandonar e abriu espaço para Erasmo e Wanderléa
– Erasmo comprou briga com a Bossa Nova na época: “Se continuar esnobe, vai pifar”, sentenciou. Elis Regina revidou: “Esse tal de iê-iê-iê é uma droga”
– O cantor Sérgio Reis, hoje ícone sertanejo, começou a carreira na Jovem Guarda cantando “Coração de Papel” em 1967
– O potiguar Leno Azevedo, após o fim da parceria com Lílian, fez um álbum psicodélico produzido por Raul Seixas: “Vida e Obra de Johnny McCartney” em 1971. Mas os Militares censuraram várias letras e a gravadora CBS engavetou o projeto, que só seria lançado em 1995.

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