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Para potiguar, é melhor ir de gasolina

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Andrielle Mendes – Repórter

“A volta (da competitividade) do etanol é nosso grande cavalo de batalha”, afirmou Graça Foster, presidente da Petrobras, durante audiência, em setembro, no Senado. A executiva, que comentava os prejuízos causados pela importação de gasolina, só não disse quando a competitividade do etanol vai voltar nem de que forma. É o que a funcionária pública Samya Maria Queiroz, 27, se pergunta até hoje. Em um ano, Samya só abasteceu o carro flex com etanol uma vez, “e não foi pelo preço, mas por recomendação da concessionária”. Ela não foi a única a substituir etanol por gasolina nos últimos anos.

Segundo o anuário “Combustíveis, Lubrificantes e Lojas de Conveniência 2012”, elaborado pelo Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), enquanto a venda de gasolina subiu 19% no país e a de GNV recuou 1,3%, a venda de etanol despencou 28,1% em 2011, em relação a 2010. No Rio Grande do Norte não foi diferente. O estado registrou o maior crescimento do Nordeste na venda global de combustíveis no período (de 8,6%), mas as vendas de etanol e de GNV não acompanharam esse movimento: caíram, respectivamente, 29,48% e 10,6%. As de gasolina, por outro lado, subiram 20,9%.  Segundo especialistas, por trás desses números estão os preços.

A disputa pelo consumidor ficou mais acirrada com a quase equiparação dos preços entre etanol e gasolinaDados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostram que o litro de etanol no mercado potiguar passou de R$ 1,868 em dezembro de 2009 para R$ 2,219 em dezembro de 2011 – um incremento de 18,79%. Já a gasolina passou de R$ 2,580 para R$ 2,689 – um aumento de 4,22%, quase cinco vezes menor que o do etanol. Segundo o anuário do Sindicom, abastecer com etanol, cujo valor e rendimento são 30% inferiores à gasolina, não é vantajoso desde setembro de 2009 no RN (o relatório considera apenas os anos 2009, 2010 e 2011). Abastecer com etanol só foi vantajoso em dois dos 36 meses entre 2009 e 2011 no RN – quando o preço do litro do etanol representou menos de 70% do preço do litro da gasolina. A consequência disso é a redução dos investimentos e o enfraquecimento do setor sucroalcooleiro, segundo Arlindo Cavalcanti de Farias, industrial do ramo e presidente do Sindicato da indústria de álcool do RN (Sonal).

O quadro, segundo especialistas como o economista Maurício Canêdo, pesquisador do Centro de Economia e Petróleo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), deverá se manter pelos próximos meses. Maurício não vê nenhuma possibilidade de mudança a curto prazo. A falta de clareza da política de preços da Petrobras impede que investidores apliquem recursos no setor, segundo ele.

Investimento, completa Aluízio Vaz, presidente do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), seria uma das formas de devolver  competitividade ao etanol.

Delfim Neto, economista e ex-ministro da Fazenda, já havia afirmado isso, em entrevista recente ao jornal Gente da Rádio Bandeirantes 840 AM. “Nós estamos destruindo o etanol controlando o preço da gasolina”, disse. Fatores como redução da produção (causada por problemas climáticos), baixa rentabilidade do etanol e retração dos investimentos têm puxado o preço do etanol para cima.

Para a União da Indústria da Cana de Açúcar (UNICA), entidade que representa as usinas no país, se nada for feito a curto prazo, o etanol deixará de ser uma alternativa à gasolina. Segundo a entidade, que apresentou a revisão da safra atual de cana de açúcar, e se manifestou sobre a ‘crise’ do etanol na semana passada, 40 usinas de etanol fecharam desde 1975. Se nada for feito, mais 40 vão fechar nos próximos anos, segundo a entidade. No último ano, a UNICA só contabilizou a abertura de duas usinas no país, em Mato Grosso.

“É preciso descongelar o preço”

Para Maurício Canedo, economista do Centro de Economia e Petróleo do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a saída para retomar a competitividade do etanol seria ‘descongelar’ o preço da gasolina, ‘mantido artificialmente baixo’ pela Petrobras nos últimos nove anos. “A solução é deixar o preço flutuar de acordo com o mercado internacional”.

 João  Maria da Câmara, comerciante: opção pela gasolina para reduzir o peso no faturamento da empresaSegundo Canedo, até hoje não inventaram uma forma melhor de regular a demanda e a oferta que o preço. “Preço alto significa ou excesso de demanda ou falta de oferta. Ele sinaliza que o mercado é bom para investir. Quando o governo começa a querer controlar artificialmente o preço mistura todos estes sinais. O investidor não sabe se o preço está alto e simplesmente não investe. Não sabe se há excesso de demanda ou de oferta e prefere colocar o dinheiro em outro empreendimento”. É por isso que a ação do governo federal, que detém boa parte das ações da Petrobras, acaba, segundo ele, inibindo os investimentos e afetando a produção de etanol no país. “O único agente econômico que aceita investir e correr este risco é a Petrobras, porque, afinal de contas, é ela quem determina o preço da gasolina diretamente e o de etanol indiretamente. Nenhum outro agente econômico aceita investir neste setor”, afirma Canedo.

“Nosso produto é competitivo até atingir 70% do preço da gasolina. É claro que o etanol vai perder competitividade se o governo, através da Petrobras, continuar congelando o preço da gasolina”, completa Arlindo Cavalcanti de Farias, presidente do Sindicato da Indústria de Álcool no RN (Sonal).

Para Arlindo, o governo federal deveria dar um tratamento igualitário a todos os combustíveis. “O governo é míope. Não consegue enxergar o setor sucroalcooleiro como estratégico. Isso desestimula o investidor e anula qualquer possibilidade de investimento. O setor está se transformando num caos. Ninguém consegue produzir desta forma. Tanto que capacidade de moagem de cana no Brasil é de 650 milhões de toneladas e nós só estamos moendo 480 ou 500 milhões no máximo”.

O governo federal, segundo Maurício Canedo, já sinalizou que aumentará o preço da gasolina gradativamente. Embora pareça um problema à primeira vista, a medida, segundo ele, estaria mais para solução. “A Petrobras está perdendo dinheiro e precisa de caixa para voltar a investir”. Foi exatamente isso que Graça Foster disse na audiência no Senado Federal na primeira quinzena de setembro.

Petrobras

Procurada pela equipe de reportagem, a Petrobras  Biocombustível informou que vai investir US$ 1,84 bilhão em produção de etanol nos próximos quatro anos. O montante corresponde a 72% do total para produção de biocombustíveis (US$ 2,5 bilhão). A prioridade do Plano de Negócios e Gestão da Petrobras Biocombustível é aumentar a produção de etanol até 2016, segundo a estatal. Para isso, conta participação em nove usinas no Brasil e em uma na África. “A estratégia combina ampliação das unidades industriais, novas aquisições, expansão e renovação dos canaviais e investimentos em novas tecnologias para aumento da produtividade e qualidade ambiental, como a do etanol de segunda geração, que possibilitam aumento de produção sem ampliar área plantada”. O valor destinado a produção de etanol no Rio Grande do Norte não foi revelado.

Consumidor: olho na ‘bomba’ e no bolso

Samya Maria Queiroz: quando o peso dos combustíveis pressiona o bolso, troca o carro pelo ônibusEnquanto o preço do etanol não volta a ser competitivo, o comerciante e funcionário público João Maria da Câmara, 50 anos, continua abastecendo os três carros flex com gasolina. “Meu filho cursa administração e disse que abastecer com etanol não compensa”. Por mês, João Maria gasta R$ 1,2 mil só para abastecer os carros, que são usados pela família e pelos funcionários da sua gráfica. Os três veículos percorrem diariamente cerca de 150 quilômetros cada. “Fico sempre de olho no preço. Os gastos com combustível representam entre 4 e 5% do faturamento da minha empresa”. Outra consumidora que sempre está de olho no preço é a funcionária pública Samya Maria Queiroz, 27 anos. “Fico sempre de olho. Se chego no posto e vejo que o combustível está caro, volto para casa, deixo o carro, e pego um ônibus. Sou econômica ao extremo”. E não é só isso. A funcionária pública costuma visitar a autorizada com frequência. “Levo o carro para fazer o teste do combustível, e ver  se não está consumindo combustível demais”. Samya, que reserva todos os meses R$ 300 para o combustível, troca o carro pelo ônibus sempre que extrapola a cota. Os gastos com combustível representam quase 10% do seu orçamento mensal. “Se vejo que vou gastar mais de R$ 300, vou de carona ou pego um ônibus”.

Mercado de GNV encolhe, mas espera retomada no Estado

O mercado de Gás Natural Veicular (GNV) segue o curso do etanol e também vem desacelerando no Rio Grande do Norte. Há pelo menos seis anos a cadeia de serviços ligada ao combustível perde força. Segundo levantamento do Instituto de Pesos e Medidas (Ipem), o número de empresas registradas para instalar kits GNV caiu de 32 em 2002 para seis em 2012 no Rio Grande do Norte. “Quem está trocando de carro não está colocando nem etanol, por causa dos preços, nem GNV, por causa das despesas extras”, afirma Genário Torres, presidente da Cooperativa de Taxistas de Natal (Cooptaxi). O número de empresas atuando no setor, segundo Genário, seria ainda menor. Segundo o presidente da cooperativa, dos cerca de 1.010 táxis que circulam na capital, 75% rodam com GNV. O percentual girava em torno de 90% em 2010 – um recuo de 15 pontos percentuais em dois anos. “E a tendência é cair cada vez mais”.

A Potiguar Inspeções, especializada em inspeções de instalação e retiradas dos kits GNV, chegou a fazer 30 inspeções de instalação por dia e praticamente zero de retiradas, segundo informou Sunday de Sousa, engenheiro responsável pelo estabelecimento, em entrevista à TRIBUNA DO NORTE em 2010. Em 2010, a proporção caiu para 15 inspeções de instalação e 10 de retirada por dia. Hoje, são quatro inspeções de instalação e quatro de retirada por semana. “O GNV deprecia muito o carro. O veículo novo perde as garantias de motor e de peças. Sem falar que o custo para colocar o kit pode chegar a R$ 4 mil”, acrescenta Genário. A vantagem, segundo ele, é que enquanto o carro com etanol faz, em média, 6 quilômetros por litro, o com etanol e GNV faz 12. “Ainda assim, a despesa supera a economia”.

O investimento necessário para instalar os kits, os custos com inspeções periódicas e a quase equiparação do preço do metro cúbico ao do litro do álcool nos últimos anos estão entre os fatores que têm tornado a opção por GNV menos competitiva, inibido novas conversões e estimulando a retirada dos kits. 

A Companhia Potiguar de Gás (Potigás), responsável  pela distribuição de gás natural canalizado no RN, vai lançar uma campanha para desmistificar o GNV. “Apesar de continuar sendo o mais competitivo entre todos os combustíveis, o mercado tem uma percepção equivocada do gás natural veicular”, afirma Franciney de Souza, gerente comercial da Potigás. Além de apresentar tecnologias de adaptação para veículos, a Potigás também vai reduzir o  preço dos kits. “Também há discussões do Governo para reduzir o preço do gás natural”, acrescenta.

A tendência, segundo Franciney, é que o preço da gasolina suba nos próximos meses, “conforme declarações da própria Petrobras”, o que segundo ele, aumentará ainda mais a diferença entre o preço do GNV em comparação com a gasolina e o etanol. “Considerando o preço médio atual do GNV (R$ 1,91 por metro cúbico), a gasolina só seria economicamente viável se custasse em média R$ 1,47 o litro. Já para o etanol, o preço médio deveria ser R$1,03 o litro”, compara.

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