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Para que serve a Filosofia?

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Jaime Biella – UFRN

Desde que Platão dividiu a realidade em dois mundos: o mundo das aparências e o mundo das essências, a Filosofia se caracterizou como uma atividade voltada para as questões metafísicas, ou seja, tudo aquilo que está além da realidade palpável e concreta.

O projeto intelectual do Ocidente (inaugurado por Platão) se manteve soberano por séculos e séculos. Trata-se de um tipo de investigação que os filósofos têm desenvolvido que visa encontrar um fundamento inquestionável para todas as áreas da cultura. Nesse sentido, a Filosofia é apresentada como a legitimadora da cultura e os filósofos assumiram a função de legisladores externos da cultura.

A partir da modernidade, os filósofos se concentraram em identificar qual seria o fundamento que garante o conhecimento válido, ou seja, as preocupações metafísicas passaram a se concentrar nos temas da epistemologia (área da Filosofia que estuda o conhecimento humano). Sua busca principal passou a ser pela Verdade.

#SAIBAMAIS#Podemos identificar, todavia, dois movimentos da Modernidade que vieram a abalar o modelo metafísico de Filosofia. Estamos nos referindo à crescente autonomia das ciências em relação à Filosofia (o surgimento da racionalidade científica) e ao desenvolvimento do movimento Romântico (valoração da liberdade de criação). Juntos, abalaram o modelo metafísico de Filosofia. À medida que a cultura ocidental foi se secularizando, os filósofos foram perdendo a função de legisladores da cultura que haviam herdados dos sacerdotes da Antiguidade.

Assumindo que a Filosofia não deve mais buscar os fundamentos da realidade, podemos perguntar: para que serve então a Filosofia na sociedade contemporânea? Eu responderia à essa pergunta pontuando duas características de toda atividade filosófica:

1. A Filosofia sempre teve por meta atingir um futuro melhor para todos e este objetivo ainda é válido e necessário. Ocorre que os pensadores contemporâneos concluíram, diferentemente dos metafísicos, que o futuro está totalmente aberto, ou seja, falar de progresso não é dirigir-se para um fim determinado, pois não podemos nem devemos almejar um estado no qual pudéssemos afirmar que descobrimos a Verdade e, finalmente, descansar. Como diz Richard Rorty, “o fim da atividade humana não é o repouso, mas antes uma atividade humana melhor e mais rica”.

2. Platão estava correto ao afirmar que a Filosofia vai além das aparências, mas não creio que o que está além do imediato e visível seja algo extra-humano. Num mundo onde tudo parece ser “tão óbvio”, o filósofo é aquele que busca a não obviedade. O filósofo é um escafandrista. Seu instrumento de mergulho é a conversação livre, racional, reflexiva e imaginativa.

Ao abandonar a arrogância metafísica, a filosofia (com minúscula) se descobre como uma atividade de construção interdisciplinar de um futuro melhor para todos, ainda que não saibamos exatamente como será esse futuro. A indeterminação e a incerteza são princípios que aprendemos a valorizar no último século justamente porque eles abrem a possibilidade de acreditarmos mais na capacidade imaginativa dos seres humanos, com a qual haveremos de fazer emergir uma sociedade menos cruel e mais solidária.

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