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Personagens que são pessoas

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Ivan Maciel de Andrade    
Advogado

Os personagens de romances e contos de Machado de Assis se particularizam por terem uma vida interior dividida entre o que são e o que a sociedade impõe que sejam ou aparentam ser; entre o eu interior e as convenções a que se adaptam em função da necessidade de vencer ou sobreviver; entre o que fizeram e o olhar dos outros que os julgam e os obrigam a mudanças e fingimentos; entre as relações conjugais e o amor adúltero, cercado de ciúmes, sentimentos de culpa, remorsos e desejos de vingança; entre o passado que confere sentido a pensamentos e ações e que por isso mesmo precisa ser rememorado para uma permanente autorreconstrução e o futuro insípido quando não travestido de amargas expectativas. São personagens que praticam sistematicamente a mentira como forma essencial de autopreservação, que vivem escondidos atrás de uma máscara que os protege e disfarça, servindo de base mimética para um bem-sucedido relacionamento interindividual. Os próprios narradores são inconfiáveis ao contarem histórias tendenciosas embora convincentes.

Escreve Pedro Meira Monteiro no magnífico texto que prefacia o livro “Romance com pessoas – A imaginação em Machado de Assis” (Objetiva, 2014), do romancista e ensaísta José Luiz Passos: “(…) os personagens machadianos possuem verdadeira dimensão moral, isto é, uma densidade propriamente humana (…). (…) personagens que até hoje nos parecem reais, dotados de autonomia e graça, isto é, sujeitos que se movem moralmente, que aprendem diante da ação e da mirada dos outros e que podem, portanto, nos surpreender. São personagens que se transformam ao longo da narrativa, tornando-se, a rigor, diferentes do que foram; no limite, tornando-se diferentes de si mesmos. Mas o que os move estará sempre dentro, jamais fora do sujeito”. Pode-se dizer que o livro (meu exemplar foi presenteado pelo romancista, poeta, crítico de arte e cineasta Fernando Monteiro) do pernambucano que ensinou na Universidade de Berkeley e é atual professor da Universidade da Califórnia em Los Angeles, José Luiz Passos, expande, enriquece e renova teses expostas por Augusto Meyer e por Alfredo Bosi, como ressalt(v)a Pedro Meira Monteiro. Mas o trabalho crítico de José Luiz Passos traz contribuições que colocam essa conhecida e apaixonante perspectiva sob ângulos de abordagem que apesar de expostos em capítulos autônomos asseguram homogeneidade e completude à visão do que há de contemporâneo e, portanto, de atemporal na ficção machadiana.

Na leitura do livro percebe-se o acerto da opinião do exponencial Alfredo Bosi, reproduzida na capa: “Romance com pessoas” entremostra “por trás de um formalismo recatado e meio irônico, um argumento afetuoso, que me comove.” Esse “argumento afetuoso” cria um clima de enternecido retorno que se alterna com fascinantes descobertas do universo ficcional e da própria filosofia estética de Machado de Assis. Os leitores machadianos terão razões para se sentir homenageados com essa nova possibilidade de revisitar Machado de Assis através de sítios mal iluminados ou apressadamente percorridos pela argúcia da melhor crítica. E os outros leitores terão excelente chance de iniciação.

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