Renata Moura – Repórter
O mar de águas calmas e as falésias à beira-mar enchem os olhos mas não conseguem esconder a falta de estrutura e a insegurança encravadas em Pipa, o mais internacional dos destinos no Litoral do Rio Grande do Norte. O distrito de 3 mil habitantes, pertencente a Tibau do Sul, encontra no turismo combustível para mover pequenos comércios, bares, restaurantes, pousadas e hotéis, mas sofre com a precariedade de serviços básicos como segurança pública. No mercadinho de seo Edson, na pousada onde um sueco foi assassinado em março deste ano ou na beira da praia, onde o fotógrafo da Tribuna do Norte Emanuel Amaral foi ameaçado e permaneceu na mira de uma foice e de uma barra de ferro durante cerca de cinco minutos, o problema se evidencia e reforça a necessidade de ações do poder público.
Era domingo, 20 de setembro de 2009, e o relógio apontava 14h20, quando um grupo de aproximadamente cinco homens armados de facas, foices, barras de ferro e outros objetos cortantes desceu correndo em direção à praia. Em meio a turistas, moradores e à equipe de reportagem, eles perseguiam um homem que, segundo nativos, participava de um piquenique e havia agredido verbalmente um dos integrantes do bando. A Tribuna do Norte estava em Pipa, a cerca de 88km de Natal, concluindo a apuração da matéria sobre problemas estruturais existentes na praia. A falta de segurança era um deles e foi sentida na pele principalmente pelo fotógrafo da equipe, que, no momento em que tentava fazer o registro da movimentação, foi perseguido e rendido pelos homens. Eles ameaçaram matá-lo, caso os tivesse fotografado.
Com uma foice encostada no pescoço e uma barra de ferro apontada para o olho, Emanuel foi obrigado a comprovar que nao havia imagens comprometendo o bando. “Vi a morte de perto”, comenta. Os momentos de tensão, para ele, duraram cerca de cinco minutos.Toda a ação na praia levou, entretanto, pouco mais de meia hora. Nesse meio tempo, nenhuma viatura ou policial estiveram no local para contornar a situação.
“Aqui é assim, quando você chama, a polícia demora, isso é, quando vem, não é?”, reclamava a dona de um restaurante que preferiu nao se identificar. Até uma ambulância da prefeitura, acionada para socorrer um dos homens, ferido, foi obrigada a dar meia volta. “Eles correram atrás de nós com os pedaços de ferro. Iam quebrar a ambulância ou nos pegar, não sei. Nos mandaram ir embora. Nem conseguimos socorrer o ferido”, disse o motorista.
A segurança na praia é feita por um posto da Polícia Militar e outro da Polícia Civil. No distrito da polícia Civil, cujas obras foram concluídas em 2007, ao lado de uma escola e de um ginásio frequentados por crianças da região, apenas o agente João Maria Nogueira estava de plantão. De acordo com ele, a equipe só está completa, com nove policiais, delegado e escrivão, durante a semana, de segunda a sexta. Em feriados e nos fins de semana, quando a população de Pipa chega a triplicar, geralmente fica só um agente de prontidão. Mas não são só as deficiências de equipe que preocupam. Faltam também carros para dar apoio às diligências. Duas viaturas estão á disposição da delegacia. Uma delas está, entretanto, emprestada à polícia de Tibau do Sul. “Temos muito serviço e pouca gente para dar conta”, diz Nogueira, apontando furtos a pousadas e hotéis como líderes no ranking de ocorrências.
O mercadinho tocado há oito anos por Edson Ferreira da Costa, 36, foi vítima desse tipo de crime no sábado passado. Por volta das 11h da manhã dois homens armados invadiram o estabelecimento e roubaram o apurado, cerca de R$ 250. “A polícia até tentou, mas não conseguiu prende-los”, lamenta o comerciante. Reclamações dos moradores sobre a insegurança não faltam. Segundo eles, trechos sem iluminação nas entranhas do distrito também assustam e favorecem a açao de bandidos. O comercio livre de drogas, principalmente a noite, no centro, é outro que dizem estar cada vez pior.
Os casos de Emanuel e de Edson ocorreram quatro dias antes de iniciado o I Festival Literário de Pipa, evento que deverá atrair entre 2 mil e 3 mil visitantes para a região, segundo estimativas da prefeitura de Tibau do Sul. “Vamos pedir reforço policial. Estamos montando um esquema de segurança”, garantiu o prefeito Edmilson Inácio da Silva, mais conhecido como Nilsinho e há oito meses na administração.
Mais problemas
A insegurança não é o único problema enfrentado por Pipa. Lixo acumulado em esquinas, ruas sem calçamento, cheias de lama e de buracos, além do trânsito de veículos desordenado também têm encabeçado a lista de reclamações dos moradores e de turistas. “Nos feriados o trânsito fica um caos por aqui. Nem a população, nem os turistas, nem os empresários sabem como vai funcionar, onde haverá desvios, interdições. A acessibilidade também é zero. Faltam calçadas e sobram buracos”, pontua a moradora e presidente do Núcleo Ecológico da Pipa, Márcia Nascimento.
Uma solução para parte desses problemas poderia chegar com um anel viário, cujas obras, de responsabilidade do Departamento de Estradas e Rodagens, se arrastam há cerca de cinco anos. O prefeito, Nilsinho, comenta que o projeto foi interrompido várias vezes, mas que a previsão é que seja concluído até dezembro deste ano, ajudando a desafogar o trânsito. Enquanto não sai, sobram poeira em alguns trechos e lama e muitos outros, nas ruas sem pavimentação.
O anel viário está sendo custeado com recursos do Programa de Desenvolvimento do Turismo (Prodetur) – por meio do qual são liberados recursos do governo federal, do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do governo do estado – que também deverão ajudar a desatar o nó do saneamento em Pipa. Segundo informações do governo do Rio Grande do Norte, tanto o distrito quanto Tibau do Sul serão totalmente saneados, através da Companhia de Águas e Esgotos do Rio Grande do Norte (Caern). Algo em torno de R$ 10,7 milhões estão garantidos para implantar o serviço em Tibau do Sul e ampliar o sistema na Praia da Pipa.
Outro problema encontrado no distrito é a falta dágua, principalmente em época de alta estaçao e no reveillon, quando já chegou a ser registrada a presença de aproximadamente 15 mil pessoas. A invasão de barracas na beira da praia é outro nó que a prefeitura vai tentar desatar a partir da próxima semana. “Vamos notificar os barraqueiros para que saiam pacificamente. Caso contrário teremos que adotar outras medidas para retirá-los”, diz o prefeito. “Alguns barraqueiros começaram com uma caixa de isopor e hoje tem mais de 20 cadeiras, mesas e guarda-sóis (conforto que pode custar R$ 10 ou mais ao usuário) espalhados pela praia”, observa o morador e vice-presidente do Núcleo Ecológico da Pipa, Geovan Barbosa. Ele e a presidente do Núcleo, Márcia Nascimento, lamentam ainda o fato de o “Chapadão”, tido como um dos pontos mais bonitos da praia, “estar se transformando em um cenário de concreto”, cheio de empreendimentos imobliários. “São essas e outras coisas que estão manchando a imagem desse paraíso”, ressalta Márcia.
A praia da Pipa é considerada uma das mais bonitas do Rio Grande do Norte. De uma vila cuja economia girava em torno da pesca e da agricultura, passou a pólo turístico frequentado por pessoas de todas as partes do mundo. O crescimento desordenado tem sido há tempos apontado como preocupante. “Pipa precisa decidir o que vai ser: se vai continuar um lugar com pequenos comércios e pousadas ou se vai se transformar num grande centro do capitalismo, com mega empreendimentos. Só depois que estiver com essa identidade definida é que poderá pensar em ter planejamento. Não se pode planejar sem saber para onde vai, entende?”, diz o inglês David Hassett, dono de uma área de preservação, de 90 hectares, que transformou em Santuário Ecológico.