sexta-feira, 29 de março, 2024
30.1 C
Natal
sexta-feira, 29 de março, 2024

‘Plano nacional está aquém das necessidades’

- Publicidade -

O texto do Plano Nacional de Educação foi muito tímido perante as necessidades na área de educação e está muito aquém das necessidades e daquilo que a sociedade brasileira precisava ter como base em um Plano Nacional de Educação. A avaliação é do professor  Daniel Cara, em entrevista à IHU On-Line, concedida por telefone.  O PNE (PL 8035/10), aprovado na Câmara dos Deputados no mês passado, estipula as metas educacionais para os próximos dez anos com o objetivo de melhorar os índices educacionais do país.
Professor analisa texto aprovado no Congresso e comemorado por educadores como um ponto de partida para melhoria do ensino
De acordo com Daniel, alguns pontos acrescentados ao Plano pelos parlamentares são “contraditórios com o conjunto do texto”, como a permissão para parcerias público-privadas e a remuneração dos professores por resultados. “O problema é que remunerar os professores por cumprimento de metas relacionadas a testes padronizados acaba sendo uma medida contraproducente à qualidade da educação, a qual tem sido revogada mundo afora. Então, infelizmente, o Plano estimula no Brasil uma prática que já é ultrapassada em países mais desenvolvidos em termos educacionais”, critica.

Coordenador Geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação desde junho de 2006, Daniel Cara assinala que, entre as propostas do PNE, destaca-se a tentativa de universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 a 17 anos e elevar, até 2020, a taxa líquida de matrículas no ensino médio para 85%. Outra preocupação do Plano é em relação à redução das taxas de analfabetismo e analfabetismo funcional de 30 milhões de brasileiros, sendo destes pelo menos dois milhões de jovens.  Confira a entrevista:

Qual era a proposta do Plano Nacional da Educação – PNE original e quais mudanças foram feitas ao longo do processo de tramitação no Congresso? Como ficou o texto aprovado na Câmara dos Deputados no dia 25 de junho?
O texto original do PNE foi muito tímido perante as necessidades na área de educação e as próprias expectativas da área, porque ele deveria ter sido pautado pelas diretrizes aprovadas na Conferência Nacional da Educação, e não foi o que aconteceu. Então, é um plano muito aquém das necessidades e daquilo que a sociedade brasileira precisava ter como base em um Plano Nacional de Educação. O texto que foi sancionado e está publicado, está bem mais próximo das necessidades da área. Para se ter uma ideia de um parâmetro comparativo importante, o texto original do Plano Nacional de Educação, proposto no governo Lula, apontava 7% do PIB para investimento público em educação, considerando parcerias público-privadas. Mas, em 26 de junho de 2012, nós conquistamos, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, a aprovação de 10% do PIB para a educação pública. Então, o texto desconsiderava parcerias público-privadas, mas na versão final publicada, foram determinados investimentos da ordem de 10% do PIB em parcerias público-privadas. Esse é um dos aspectos que não ficou bom no plano, porque nós acreditávamos que o correto seria um investimento público na educação pública. Mesmo assim, o plano é mais ousado e muito mais consistente em termos educacionais do que o plano original enviado pelo presidente Lula, e isso aconteceu essencialmente por conta da participação da sociedade civil.

Que outras propostas discutidas foram ou não acrescentadas ao PNE?
Houve questões que foram acrescentadas ao plano e que são até contraditórias com o conjunto do texto, como, por exemplo, a permissão para parcerias público-privadas e a questão da remuneração dos professores por resultados. Esse aspecto não constava no texto original, nem era parte das demandas da sociedade civil, mas foi adicionado tanto por parlamentares ligados ao governo como por parlamentares ligados à oposição. O problema é que remunerar os professores por cumprimento de metas relacionadas a testes padronizados acaba sendo uma medida contraproducente à qualidade da educação, a qual tem sido revogada mundo afora. Então, infelizmente, o Plano estimula no Brasil uma prática que já é ultrapassada em países mais desenvolvidos em termos educacionais.

Apesar desses problemas, o sr. menciona que o PNE tem a possibilidade de mudar a realidade da educação pública brasileira, possibilitando escolhas com padrão mínimo de qualidade. O que é o Custo Aluno Qualidade Inicial? Qual a situação das escolas brasileiras em relação ao Custo Aluno Qualidade Inicial?
O Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) é um mecanismo de financiamento da educação, desenvolvido pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, a partir de 2002, na época do governo Fernando Henrique Cardoso. É um mecanismo que contabiliza quanto custa a educação pública de qualidade para o alcance de um padrão mínimo de qualidade, e está pautado na precificação de insumos e na garantia desses insumos para todas as escolas públicas. Então, quais são os insumos? O primeiro grupo está relacionado à valorização dos profissionais da educação. Isso significa remuneração inicial dos professores adequada, uma política de carreira que mantenha os professores motivados, que mantenha a carreira docente com professores que estão de fato envolvidos no processo do magistério, como também a formação continuada desses profissionais. O segundo grupo está relacionado à organização escolar, especialmente à distribuição do número de alunos por turma, porque salas superlotadas são completamente improdutivas em termos educacionais. E, por último, existem os insumos infraestruturais que todas as escolas têm de ter, como laboratórios de informática, bibliotecas, laboratórios de ciências e quadras poliesportivas cobertas.

Há uma crítica positiva no sentido de dizer que mais crianças estão na escola, contudo, permanecem as críticas negativas acerca da qualidade do ensino brasileiro. Como se mede e avalia quantidade e qualidade no ensino?
O ensino fundamental, especialmente os anos finais, que é exatamente a etapa anterior ao ensino médio, tem um forte déficit de qualidade: o ensino oferecido é de baixa qualidade e não permite a apropriação da cultura pelos alunos, e isso deve ser o objetivo fundamental da educação. Isso resulta em uma população que, quando ingressa na universidade, não tem a formação básica necessária para fazer um bom curso e depois se tornar um profissional pleno. Trata-se, portanto, de um prejuízo grande para o próprio desenvolvimento do país. O ensino fundamental, aparentemente, está resolvido em termos de matrículas, mas só aparentemente, porque as populações do Norte e Nordeste do país, as populações do campo, quilombolas, indígenas e as pessoas com deficiência não têm acesso ao ensino fundamental e muito menos ao ensino médio. Então, ainda temos de criar um volume grande de matrículas, especialmente nessas regiões, para dar conta das demandas educacionais. Em termos de qualidade, os dados são sofríveis.

Este ano teremos  eleições no Brasil….

Um dado extremamente estarrecedor é o de que o PNE foi aprovado praticamente por unanimidade por todos os partidos, e tanto nos programas de governo da candidata à presidência da República Dilma Rousseff, como também dos candidatos Aécio Neves e Eduardo Campos — e que a verdade seja dita, Eduardo Campos soube trabalhar melhor essa questão —, o PNE é quase totalmente marginalizado. Então, não existe um compromisso de fato em fazer com que o PNE seja um instrumento basilar da área de educação e da própria gestão pública como um todo, porque o esforço do Plano Nacional da Educação é fazer com que ele seja uma lei central dentro do conjunto da administração pública e não só da área de educação. Até porque, obviamente, o PNE vai envolver um esforço grande da área de planejamento, orçamento e gestão do Ministério da Fazenda, por conta do aumento dos recursos que dirige. Portanto, é extremamente preocupante o fato de os candidatos escantearem o PNE.

Quais são as causas do analfabetismo funcional, e é possível estimar o percentual de analfabetos funcionais no país?
É possível determinar a quantidade de analfabetos funcionais pelas metodologias — que agora são oficiais porque são do IBGE. A ideia de analfabetismo funcional é do Instituto Paulo Montenegro, vinculado à empresa IBOPE. Segundo dados oficiais, existem hoje no Brasil quase 30 milhões de analfabetos funcionais; isso significa que deveríamos reduzir esse volume para 15 milhões, segundo o PNE. O analfabetismo absoluto é uma chaga social brasileira que precisa ser resolvida. A responsabilidade do analfabetismo obviamente não é do cidadão analfabeto, porque ele foi vítima de uma sociedade extremamente trivial; trata-se de uma responsabilidade do Estado brasileiro.

E quanto à educação técnica e a propaganda do Pronatec?

A perspectiva do plano é de enfrentamento à nova visão do Pronatec da presidente Dilma, que tem uma visão do “curso a qualquer custo”. Então, é oferecido qualquer curso para qualquer formação profissional, o qual não garante empregabilidade. O Plano Nacional de Educação pretende criar um milhão de novas matrículas públicas para técnico profissional de nível médio, e isso vai fazer uma grande diferença, porque a boa escola pública brasileira é a escola técnica, que tem de longe a melhor qualidade. Essa é a matrícula que tem de se expandir, e não a matrícula do Pronatec.

O Plano Nacional de Educação tem a intenção de substituir o Pronatec nesse sentido?

Não vai ter esse risco porque o Pronatec traz muito retorno para o governo por conta da facilidade na criação de matrículas, pelo retorno de propaganda e, além disso, traz um retorno que faz parte do jogo político, que é o de financiamento de campanha, como o Prouni e o Fies também trazem. A participação do setor privado na área de educação tende a subir nos próximos anos; o New York Times e o Wall Street Journal apontam que o mercado da educação privada, principalmente de ensino superior no Brasil, vai ser o maior mercado do mundo em educação, porque há também a disposição do governo em transferir recursos.

- Publicidade -
Últimas Notícias
- Publicidade -
Notícias Relacionadas