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Poesia nos lábios

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Michelle Ferret – Repórter

“Se não escrevo, ela me engole/ Come meu útero. Meu cérebro/Minha alma/ Meu sexo/ Se não escrever, ela entristece”.

De forma avassaladora, a poesia invade Marize Castro. “Se não escrevo a poesia me engole. A maldição maior do poeta, a meu ver, é não escrever, pois ele deixa de ser”, diz a poeta. E deixar de ser não é com ela. Sua escrita cortante, doce e direta se derrama nas 97 páginas da obra “Lábios-espelhos”, seu quarto livro de poemas que será lançado hoje, às 18h30 na livraria Siciliano.

O livro chega 25 anos depois do lançamento de “Marrons, Crepons, Marfins (1984), quando a poeta surpreendeu pela qualidade de seu trabalho, apesar da pouca idade na época.  “Lábios-espelhos” é tão importante quanto o primeiro – em suas devidas proporções – e traz a evolução de uma escritora que aprendeu a observar o mundo de uma maneira peculiar, pelos olhos da poesia. “A poesia é preciosa demais. É diamante raríssimo. Não é coisa de mercado. Definitivamente,  não é para as massas. Ler poesia requer um refinamento da alma. Escrever poesia também. Portanto, quando a alma está embrutecida, ela nos engole. Resta-nos silenciar e retornar”, disse Marize em entrevista ao VIVER.

Poemas fortes como “Silente”, “À espera”, “Colheita” e “Deidade”, quando “Revejo as crianças azuis nas redes do infinito”, chegam em doses certas para os sentidos. Marize se refaz, se desdobra e se revela na obra. “Em Lábios-espelhos há apenas revelação, nenhuma explicação. Dedico-o à memória de duas pessoas muito importantes em minha vida. Dois incentivadores primordiais da minha poesia: Carmelita Castro e Eládio Barbosa. É um livro que fala de despedidas e do meu retorno à vida”, disse.

Quanto ao nome do livro, Marize diz que o próprio título “escolheu-se”.  “Surgiu de dentro de um poema e contemplou todo o livro. A poesia é muito generosa a quem se entrega. Quando escrevo, entrego-me totalmente. O trabalho é árduo, mas criar é um êxtase inigualável”, disse. Recorrente à morte e também à vida, o livro traz outros poemas de construção impressionante. Como cortejo. “A morte chega sob forma de asas/ às cinco e trinta da manhã no pátio desta casa/ resta-me abraçá-la/ o dia luminoso aplaude o cortejo (…)”.

Marize Castro: “Adoro o jornalismo, mas o meu verdadeiro caminho é a poesia”.

Na visão do crítico literário Moacir Amâncio, a poesia de Marize traz a vida nas manifestações claras e escuras, que incluem a morte em seu processo. “Além de respeitadíssimo jornalista, professor, crítico e tradutor, Moacir é um poeta. Vê o mundo com os olhos de poeta. São com esses olhos que eu também vejo o mundo. Isso significa perceber que tudo é a mesma coisa: vida e morte; morte e vida; claridade e escuridão; sagrado e maldito. É isso que me interessa: realizar uma obra na qual eu possa falar de forma superior e de forma primitiva”, contou Marize.
Para falar um pouco mais de seu livro, do processo criativo e das vezes que ouve música para lapidar seus poemas, Marize conversou com a reportagem do VIVER. Confira:

 São 25 anos de Marrons Crepons Marfins, quando tua poesia foi sentida por várias partes do mundo. Nesses 25 anos, sua poesia já é mulher?
Sinto que cada vez mais minha voz se aprimora. Jamais esqueci uma frase de Octavio Paz: o homem é linguagem e é algo mais. O frescor da juventude de Marrons Crepons Marfins é tão único quanto o frescor da maturidade de Lábios-espelhos. Quando fiz as contas e percebi que neste ano de 2009  Marrons completará 25 anos, fui reler o meu amarelado exemplar. São poemas que eu escrevi entre 17 e 20 anos de idade. Fiquei muito orgulhosa da menina que eu fui – tão inteira e entregue quanto a mulher de 46 anos de idade que escreveu Lábios espelhos.

No livro você cita  Zila Mamede e Hilda (Hilst). São suas referências?
Sim, digo que me exilo em Zila e que sou feita da mesma seiva, da mesma pele de Hilda. É a mais pura verdade. Não escrevo como Zila, mas orienta-me o rigor da sua linguagem. O mesmo ocorre com Hilda. Minha poesia não parece em nada com a de Hilda, mas buscamos a mesma coisa: a libertação interior que somente a poesia é capaz de oferecer.

 Você escreve todos os dias? Como é seu processo de escritora? A poesia se derrama em você? Conte um pouco.
Não escrevo todos os dias, mas escrevo sempre. Preciso de silêncio, muito silêncio. Não consigo escrever com barulho. Ouço música quando o poema está finalizado. Depois leio – várias vezes – o poema em voz alta. É neste momento que percebo problemas na estrutura, se falta harmonia, se o ritmo está frágil, entre outras coisas.  Observo que esse processo pode durar meses.
 
Quanto ao crítico literário Moacir Amâncio, ele te coloca no mesmo patamar de autoras como Adélia Prado, Ana César e Orides Fontela. Você se sente nesse patamar?
Pergunta difícil de responder. A opinião é de Moacir, poeta premiadíssimo, professor de Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas da USP. Admiro as três. Sou mais leitora de Ana C. e Orides do que de Adélia. Mas ressalto que a minha poesia é totalmente diferente da poesia que elas entregaram ao mundo. 
 
E escrever, ser editora e jornalista. Como é a divisão dessas atividades tão árduas? E o mercado editorial da cidade? Melhorou?
Adoro o meu trabalho de editora. Sou uma privilegiada, agradeço todos os dias. Não preciso de mercado para sobreviver. Faço meus livros como eu quero e só trabalho com quem tenho afinidade. Sobre o mercado editorial, todos os dias tem lançamento de livro em Natal. Suponho, então, que tenha leitores.
 
O escritor chileno Roberto Bolaño diz “A verdade é que os jovens poetas geralmente acabam sendo velhos jornalistas fracassados”. E você fez outro caminho, além de tudo. Se sente uma guerreira?
Lutei e luto muito para não me perder. Adoro o jornalismo, mas o meu verdadeiro caminho é a poesia.

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