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Ponte Newton Navarro é endereço de 12 famílias

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Yuno Silva – repórter

“Bom, não é. Mas é melhor que morar na favela ou na rua”. A frase do catador de material reciclado Paulo Ferreira de Lima, 51, justifica sua opção por permanecer no atual endereço: à sombra da Ponte Newton Navarro, margem esquerda do rio Potengi, Redinha. Ele não tem CEP, nem água encanada ou energia elétrica, e acredita que sua vida pode mudar se a Prefeitura de Natal “cumprir a promessa” de construir casas populares para remanejar as doze famílias que ocupam pilares da ponte e barracos improvisados em área de mangue. “Esse é o nosso sonho! Vamos para qualquer lugar, mesmo sendo longe”, garante.
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Dez casais vivem no oco dos pilares, um espaço de aproximadamente seis metros quadrados; e outras duas famílias completas ocupam os barracos no mangue. “Lá tem mais espaço para quem tem família grande”, ressaltou Paulo. Espécie de líder comunitário, ele mora há dois anos e quatro meses em baixo da ponte e é tido como porta-voz das quase 30 pessoas que vivem na área. “A convivência aqui é pacífica, e quando colocam uma panela no fogo todo mundo come. Se um não tem, os outros dividem”, diz.

Todos os moradores estão devidamente cadastrados na Secretaria Municipal de Trabalho e Assistência Social (Semtas), mesmo assim o município tentou remover as pessoas e aplicar multas que variavam entre R$ 700 e R$ 2,4 mil, “de acordo com o local de ocupação”, disse o catador de material reciclado.

Paulo e a esposa Francisca Alves Ferreira, 49, também catadora, cuidam da neta Rafaela, de 4 anos. O casal chegou a morar três meses em um imóvel alugado pela Prefeitura, “mas o proprietário não recebeu nenhum aluguel e pediu a casa de volta. Aí voltei pra cá”. Atualmente ele mora em um “barraquinho ali no mangue”, pois cedeu uma das pilastras “para um casal que estava precisando”. Francisca é a única que conseguiu inscrição em programas de assistência social: está cadastrada no Bolsa Família há dois meses e ainda não começou a receber.

Nascido em Natal e criado em Ceará-Mirim, Paulo de Lima contou que a dúzia de famílias conta com apoio de uma moradora “que deixa a gente usar a torneira” e seus únicos lamentos são a escuridão e os maruins (mosquitos) – “Ali no mangue tem demais, aqui nas pilastras é melhor nesse sentido. Pode ver como esse lugar é animado durante o dia, quando chega a noite é que bate a tristeza”.

Moradores sonham com casa própria

Natural de Maxaranguape, o pescador e auxiliar de panificação José Rodovaldo Gomes da Silva, 31, foi uma das primeiras pessoas a ocupar os pilares da Ponte Newton Navarro há cerca de dois anos e meio. Estudou até a 8ª série do primeiro grau, hoje equivalente ao 9º ano, e há pouco mais de um ano mora com a companheira Magali Helena Pinheiro do Nascimento, 32. Assim como o catador de material reciclado Paulo Ferreira de Lima, ele também está disposto a sair dali para uma casa popular.

Comunicativo, Rodovaldo foi o primeiro a ser abordado pela reportagem da TRIBUNA DO NORTE. “Rapaz, como você veio até aqui falar comigo, vou chegar mais perto também”, disse o auxiliar de panificação ao levantar-se de um velho sofá azul que fica em frente a ‘porta’ de sua pilastra. E emenda: “Pra você ver como o mundo é pequeno, eu sou irmão de dois daqueles seis pescadores que desapareceram em alto mar”, recorda já quebrando o gelo. Ele refere-se ao barco Jeferson I, que partiu do Canto do Mangue em direção ao Atol das Rocas, área onde a pesca é proibida, e está desaparecido desde o dia 11 de agosto.

Durante a conversa, José Rodovaldo demonstrou não estar acomodado com a situação, e afirmou querer melhorar de vida: “Estou tentando, me virando como posso pra garantir a comida de cada dia”. Escoltado pelo cachorro Bandoleiro, “esse nome por que ele se dá com todo mundo”, Silva espera “que esse projeto das casas populares da Prefeitura dê certo. A esperança é a última que morre”, profetiza.

Pesquisa traça perfil do morador de rua de Natal

O curso de Serviço Social da Facex apresentou, na tarde desta quinta-feira, o relatório final da pesquisa “Moradores de rua em Natal: quem são e como vivem?”. O estudo, coordenado pelas professoras Iza Cristina Leal Bezerra e Maria Alaíde de Oliveira, traça um perfil detalhado – por amostragem – das pessoas que vivem pelas ruas da capital potiguar. Os dados foram coletados entre março de 2011 e março deste ano, por estudantes e educadores dos Centros de Referência Especializados de Assistência Social Para População em Situação de Rua (CREAs-Pop), programa do governo federal mantido pelo município.

Segundo estatísticas da própria Semtas, em 2009 foram identificadas cerca de 1,2 mil pessoas em situação de rua. Não há dados atualizados. O relatório da pesquisa tem como objetivo contribuir com o planejamento e execução de projetos e ações da Secretaria.

A professora Iza Leal aponta alguns destaques das informações tabuladas, como o fato 70% das pessoas serem de Natal e 82% do sexo masculino. “Há famílias inteiras morando na rua, principalmente no centro da cidade e na zona Norte. O restante são grupos isolados”. Em comum, de acordo com a professora, está a perda do vínculo familiar, perda do trabalho e dívidas. “O interessante é perceber que muitas pessoas, apesar de estar na rua não se consideram moradores de rua”. Para Iza, uma das explicações para nortear o entendimento dessa visão é o orgulho machista: “Como a grande maioria é homem, eles dizem que estão naquela situação por opção, por vontade própria”.

Outro detalhe importante identificado pelo estudo é o fato de boa parte dos moradores de rua acreditarem que estão bem assim. “Eles acreditam que a rua pode dar tudo que eles precisam”, analisa a professora, que chama atenção para a prática negativa do assistencialismo sem propósitos, como a esmola e/ou a distribuição de sopa. “Dentro do campo do Serviço Social somos contra essas iniciativas, pois servem apenas para amenizar problemas a curto prazo e não resolvem nada. Ao contrário, a médio e longo prazos prejudicam ações estruturantes por causar comodismo”, avalia.

Para potencializar os resultados práticos dos programas desenvolvidos pela Prefeitura, a professora Iza Leal defende a relocação do albergue público – que funciona há pouco mais de dois meses na rua das Virgens, Ribeira: “O albergue deveria ser mais central para facilitar o acesso das pessoas que circulam a pé pela cidade; e precisa estar mais próximo aos CREAs-Pop para conferir maior integração das atividades. Também é preciso criar mais parcerias e vínculos institucionais para oferecer oportunidade de qualificação e formação profissional”, acredita.

Iza ressalta a dificuldade das pessoas em situação de rua em conseguir amparo no sistema público de saúde e cadastro em programas sociais por falta de um endereço fixo. “É preciso reavaliar os procedimentos para incluir essas pessoas nos serviços públicos”.

PAPEL SOCIAL

Priscila Dantas, diretora do Departamento de Proteção Social e Especial da Semtas, setor que executa os projetos de assistência social da Secretaria, disse durante a apresentação do relatório que o papel dos CREAs ainda está em processo de ajuste. Questionada sobre o formato do funcionamento atual dos CREAs e do albergue, que deveriam ser complementares por um dar suporte durante o dia e o outro à noite, ela diz que “funcionam, mas não de maneira ideal”.

“É um desafio nacional, pois os CREAs estão abarcando atribuições que não fazem parte da proposta original, e isso prejudica seu funcionamento”. De acordo com Priscila, o CREAs foi criado para “atender pessoas que tiveram seus direitos violados, que deveriam vir encaminhadas de alguma instância jurídica”.

Personagens

“Cada macaco no seu galho”

‘Vizinho’ de José Rodovaldo, o pescador Jonas Batista Andrade, 30, tratava peixes e cuidava do fogo que iria assar seu jantar. Há dois anos e três meses morando nos pilares da Ponte Newton Navarro, ele compartilha o espaço com doze gatos e a companheira Marília, e acalenta o mesmo desejo de ter uma casa popular – “Se tivesse que mudar para os Estados Unidos eu ia”, reforça.

Nascido e criado na Redinha, contou que foi morar no oco dos pilares quando saiu da casa da mãe: “Estava na hora. Quando a pessoa fica de maior tem que procurar um canto próprio, é aquela história de ‘cada macaco no seu galho’”. Consciente de sua condição, Jonas gostaria que “as autoridades fizessem alguma coisa por nós. Independente de qualquer coisa, somos seres humanos como qualquer um. Tenho fé que vou vencer, depois da tempestade vem a bonança”, reflete do alto de sua sabedoria aprendida nas ruas e pontes da vida.

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