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Por um lugar nas estantes aos quadrinhos potiguares

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Yuno Silva – repórter

A produção de arte seqüencial no Rio Grande do Norte nunca esteve tão intensa como nos últimos dois anos. De 2010 para cá, cerca de 40 títulos de histórias em quadrinhos foram publicados no Estado e novos talentos de ilustradores, coloristas e roteiristas revelados. Mesmo sem chegar de maneira sistemática às bancas de revistas, com fôlego para disputar leitores em pé de igualdade com outras HQs, esse universo paralelo de heróis, personagens históricos, infantis e ficção, entre outras vertentes, pulsa e surpreende pela quantidade e qualidade.

Historiadora e fã de HQs, Milena Azevedo diz que potiguares só não estão melhores por falta de incentivoAlguns conseguem participar de grandes projetos, como os desenhistas Williandi e Marcio Coelho, integrantes do Grupehq, que participaram da edição comemorativa 50 Anos de Maurício de Souza (a publicação MSP+50), fazendo reeleituras próprias de Cebolinha e Índio Papa Capim.

Apesar da falta de espaço nas prateleiras, ausência de apoio público e do desinteresse por parte da iniciativa privada, os quadrinistas potiguares existem e estão cada vez firmes e fortes. As brechas são poucas, e a primeira edição da Feira de Livros e Quadrinhos de Natal – FLiQ, que acontece entre 17 e 21 de outubro na Praça Cívica do Campus da UFRN, é a oportunidade ideal para fazer contatos imediatos. Além do prazer da leitura e de conhecer de perto nomes como o ilustrador paulista Spacca, a programação da FLiQ também inclui oficinas de desenho e roteiro, palestras, debates e concursos.

Convidada pela organização do evento para contribuir na construção da programação da FLiQ, a historiadora Milena Azevedo, 34, aficionada, estudiosa do assunto e roteirista de HQs, vê na Feira a chance definitiva para fortalecer o processo de desmistificação dos conceitos e pré-conceitos que ainda povoam a mente de quem acredita, equivocadamente, que quadrinhos é coisa de criança. “Temos grandes talentos espalhados por todo o RN, gente que está colaborando e trabalhando à distância para estúdios internacionais, artistas que são mais conhecidos lá fora que aqui no RN”, resume Milena. “Teremos um lado bem pop, como o concurso de cosplay (pessoas que incorporam personagens de quadrinhos) e lançamentos de títulos com a presença de autores, como um lado mais reflexivo, teórico, capaz de mostrar que quadrinho não é só coisa de criança, e que as pessoas que gostam não são alienadas como muitos pensam”, aposta.

Vale registrar que Milena Azevedo comandou a comic shop Garagem Hermética Quadrinhos (GHQ), única do gênero na cidade, entre 2005 a 2008. “Minha intenção era tornar o lugar um ponto de encontro entre pessoas que produzem, estudam e consomem quadrinhos, mas ficou inviável manter o negócio concorrendo com grandes editoras que vendem com desconto pela internet”, justificou.

FALTA DE INCENTIVO

Dona de um vasto acervo de quadrinhos, que inclui publicações luxuosas, séries especiais e títulos importados, sem falar nos muitos exemplares devidamente personalizados por autógrafos, Milena acredita que o quadrinho potiguar só não está em um estágio mais avançado por falta de incentivo. “Veja só se não é para ficar desmotivado: até agora ninguém recebeu os prêmios do edital Moacy Cirne promovido pela Fundação José Augusto em 2009”, lamenta. “Este ano, no mês de novembro, estaremos em peso na FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos de Belo Horizonte), a maior do Brasil e uma das maiores da América Latina, com um estande exclusivo para mostrar nossa produção e realizar lançamentos. Estaremos representando o RN, procuramos apoio das Fundações (José Augusto e Capitania das Artes), mas não conseguimos nada. A Prefeitura ainda chegou a oferecer uma bandeira da cidade para levarmos, e só! Ignoram solenemente quando ouvem a palavra quadrinhos”.

Moacy Cirne, professor aposentado, escritor e autor do primeiro livro brasileiro sobre quadrinhos (“A explosão criativa dos quadrinhos”, de 1970), vê como uma necessidade natural essa desmitificação dos quadrinhos. “Mais cedo ou mais tarde, esse processo seria desencadeado. As HQs têm uma linguagem que dialoga com várias áreas, e a produção brasileira não deixa a desejar para nenhum mercado. Mas, como a coisa é muito dinâmica, a tal globalização contribui para o quadrinho perder um pouco a personalidade, a característica de determinado lugar”, disse Moacy.

FLiQ abre espaço para debates entre locais e nacionais

O jornalista e, claro, leitor de quadrinhos Alex de Souza, está entre os convidados que participam da programação da FLiQ. Na sexta-feira (21), às 20h, no Circo da Luz, ele conversa com o Casseta Reinaldo Figueiredo, que bem antes de ser humorista de televisão, é cartunista e ilustrador. “A proposta do debate é justamente ressaltar esse outro lado do Reinaldo, que ele voltou a desenvolver com o intervalo televisivo. Vamos abordar os tempos de Casseta Popular e Planeta Diário, publicações que deram origem ao programa, o processo de criação e o desafio de sintetizar em apenas um quadro uma ideia, uma crítica”, adiantou.

Funcionário público da UFPB, o potiguar Alex de Souza está fazendo mestrado onde o objeto de estudo gira em torno da presença do jornalista nas HQs e da novela gráfica inglesa Transmetropolitan – lembre-se que o Superman e o Homem Aranha são da área de comunicaçção, “sem falar nos personagens coadjuvantes”, disse.

A programação ainda inclui oficinas de roteiro, desenho e animação, exibições audiovisuais, concurso de cosplay, lançamento de títulos, debates e palestras. Além dos potiguares Luiz Elson, Wendell Cavalcanti, Wanderline Freitas e Lula Borges, nomes conhecidos no universo das HQs também marcam presença na FLiQ: José Aguiar, ilustrador, roteirista e editor paranaense que vem à Natal lançar a novela gráfica “Vigor Mortis Comics”; a cartunista e desenhista paulista Spacca, autor de ‘graphic novel e livros em HQ com personagens históricos; o artista plástico paraense João Henrique Lopes (que falará sobre mangá) e o cearense Geraldo Borges, desenhista da DC Comics responsável pelos traços do Lanterna Verde e Mulher Maravilha; e o autor paulista Rafael Coutinho.

“Hoje, as pessoas leem webcomics”

Questionada sobre a mudança no perfil dos leitores, ela diz que o que faz a diferença é o hábito e a forma como se lê HQs nesses tempos de internet. “Hoje as pessoas estão lendo as web-comics (quadrinhos publicados exclusivamente na internet) e o que chamamos de ‘scans’, revistas lançadas no exterior que são escaneadas, traduzidas e disponibilizadas gratuitamente em sites especializados quanse que simultaneamente – muitas nem chegam a a ser são publicadas no Brasil”, informa. “A venda nas bancas reflete essa mudança de hábito, ao mesmo tempo que percebemos um aumento significativo no consumo de publicações especiais, importadas, títulos especiais. Material que antes não tínhamos acesso”, lembrou.

Mangás conquistam espaço

Outro fator decisivo que mudou a configuração editorial das HQs foi a popularização dos mangás (quadrinhos estilo japonês). “Os japoneses conseguiram fazer o que os norte-americanos e europeus não fizeram, que foi segmentar o público. Hoje encontramos mangás com linguagem voltada para crianças; mangás para adolescentes, que abordam temas relacionados a essa faixa etária. Há mangá para meninos, para meninas, mangás adultos (com temática complexa), de ficção científica, eróticos. Ou seja, um leque diversificado que abocanhou boa parte do mercado em pouquíssimo tempo”, analisa.

“Vale ressaltar que o leitor de mangá ainda  tem acesso aos Animês (desenho animado japonês) e o envolvimento é tão grande que acabam produzindo as próprias histórias”, finaliza Milena.

Para Moacy Cirne, “o pessoal fala em mangá, mangá… mas mangá é quadrinho”, ressalta. De acordo com ele, “a internet deu sim uma chacoalhada no mercado, mas independente do veículo o que precisamos levar em consideração é o potencial que as HQs têm de levar à reflexão sem deixar de lado a diversão. Aqueles que renegam os quadrinhos desconhecem a riqueza desse universo”, verifica.

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