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Potengi : ameaça de todos os lados

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Priscilla Castro – Repórter

Imagine morar em um dos mais belos cenários do mundo e não saber aproveitá-lo. No Rio Grande do Norte, essa é uma realidade cada vez mais presente. Em um lugar onde não se vê políticas de educação e conscientização ambiental, nem o encanto da Francisco das Chagas, pescador, mostra a situação do Potengi e o despejo de esgotopaisagem, nem os prazeres que ela proporciona ficam livres de perigo. Atualmente, o maior e mais importante rio do Estado sofre as consequências de uma poluição que parece não ter fim. As ameaças ao rio Potengi vêm de todos os lados: empresários, indústrias, comércio e da própria população.

O crescimento urbano é um dos fatores preocupantes, pois o aumento sem planejamento das cidades “espreme” o rio, que acaba transbordando na época das cheias. O rio percorre 176 km desde a nascente, no município de Cerro Corá, até desaguar no mar, em Natal. O charme desse encontro, entretanto, não é contemplado porque na maior parte desta trajetória, a voz predominante é o grito do rio por socorro.

O risco está em ações comumente realizadas, como a retirada de areia e argila sem recuperação do dano, destruição das matas ciliares sem reflorestamento, presença dos viveiros ilegais de carcinicultura que destroem os manguezais e até a falta de consciência ambiental com o lixo urbano, principalmente doméstico. Para se ter uma ideia, o último mutirão feito no rio para retirada do lixo coletou 13,5 toneladas em apenas quatro horas. Mas de todos os especialistas entrevistados, a resposta foi a mesma: a falta de um saneamento básico adequado em Natal e Região Metropolitana é o principal problema para esse estuário.

Como qualquer outro estuário (área de encontro do rio com o mar), o rio Potengi também se encontra com outros rios menores durante seu trajeto. No município de Macaíba, o afluente é o rio Jundiaí, predominante no município, e onde a equipe de reportagem da TRIBUNA DO NORTE constatou maior foco de sujeira. Esgotos domésticos, industriais e lixo de praticamente todos os tipos.

Em alguns pontos, a vegetação estava misturada a carcaças de animais mortos jogados, em sua maioria, por matadouros clandestinos. Além disso, a população ribeirinha do rio Jundiaí-Potengi não é pequena. Os focos de lixo domésticos encontrados vinham principalmente deses moradores. Em frente a uma das casas, várias sacolas plásticas com lixo doméstico estavam jogadas no mangue.  Além disso, o hábito de jogar o lixo dos automóveis na rua e também dos pedestres contribui para a poluição. Quando a maré enche e o rio segue seu percurso normal para o mar, todo esse lixo é distribuído pelo estuário.

Nas palavras do pescador Francisco das Chagas, as plantas dos mangues entre São Gonçalo do Amarante, Macaíba e Natal mais parecem “árvores de natal”. Com garrafas, embalagens plásticas e sacolas presas aos galhos das árvores, essa é a impressão que se tem. Pneus velhos, restos de colchão, copo descartável, tênis, latinhas e uma infinidade de resíduos domésticos também ‘enfeitam’ o mangue.

Especialistas temem pela morte do rio

Em termos numéricos, a preocupação em relação ao rio Potengi fica ainda maior. A bióloga e pesquisadora da OnG Navima,  Rosimary Dantas, contou que, em análise realizada este ano nas águas do rio Potengi, foi detectada uma quantidade de  20 mil coliformes fecais para 100 mililitros de amostra, valor muito superior ao limite máximo permitido pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama). A mesma análise foi realizada nas ostras, maior filtradora existente na água, e foram encontrados dois mil coliformes para a mesma quantidade de água coletada.

Diante de todos os problemas característicos ao rio Potengi, o poder público troca acusações e tenta se desviar da responsabilidade que lhe é devida. Quando não falta fiscalização eficiente, falta saneamento básico, ou políticas de educação e conscientização ambiental, ou recolhimento adequado do lixo, ou vontade da população. As ações continuam caminhando a passos lentos, enquanto o rio permanece ameaçado.

O fato é que, apesar de não querer acreditar nessa hipótese, os especialistas já admitem a possibilidade de o estuário do Potengi se transformar em um rio morto antes do que se espera. Afinal, a natureza pode até ter um processo de regeneração surpreendente, mas não vai aguentar ser mal tratada para sempre.

Pescadores

Com uma fauna muito diversificada, o rio Potengi, além de vasta beleza, é fonte de alimentos e incentivo à economia pesqueira. O estuário do Potengi é considerado um dos ecossistemas mais produtivos do mundo pela Word Wildlife Fund (WWF). Portanto, as ações que prejudicam o rio estão diretamente relacionadas à fauna aquática. Com isso, os peixes, caranguejos, ostras, camarões e outras delícias inseparáveis do cardápio potiguar também estão correndo risco.
Francisco das Chagas, pescador, lamenta a atual situação do Potengi e das famílias de pescadores
Quem não se lembra da última grande sequela da poluição do rio Potengi? Em julho de 2007, o Rio Grande do Norte presenciava o maior desastre ambiental da história do Potengi. Na manhã do dia 28, foram encontradas cerca de 40 toneladas de peixe morto. Além dos pescados, morreram aves, cachorros e galinhas.

O processo ainda corre na Justiça e não se sabe ao certo quais as causas da mortandade em massa. De acordo com o coordenador de fiscalização do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente (Idema), Hermínio Brito, a primeira análise laboratorial feita pela UFRN identificou que o principal motivo para a morte dos peixes tenha sido uma descarga orgânica concentrada que retirou o oxigênio de forma muito rápida, matando os peixes por asfixia. O coordenador aponta como quase nula a possibilidade de um desastre como esse se repetir.

  O comentário, entretanto, não explica a morte de aves, cachorros e outros animais que se alimentavam dos peixes. Os pescadores acreditam que tenha sido morte por envenenamento provocado pela substância química proveniente das indústrias. A empresa Veríssimo e Filhos está impedida de atuar desde o acontecimento, por ser a principal suspeita de emitir essa descarga.

Na época, os pescadores ficaram quase um mês sem conseguir nenhum tipo de alimento do rio. Até hoje, quem depende dos pescados para sobreviver ainda sente o efeito dessa mortandade em massa. A catadora Kátia de Brito, que pega ostras no rio Potengi há 15 anos, reclama da diminuição do molusco no mangue. “A poluição está tornando tudo mais escasso. Antes eu tirava 40 quilos por semana, hoje só consigo pegar uns dois por dia”, contou.

Para o pescador Juarez Félix, o envenenamento ainda existe e vem da própria população. De acordo com ele, alguns moradores das comunidades estão pegando os camarões de forma ilegal. “Eles colocam carrapaticida dentro do rio para matar os camarões, porque quando eles morrem, sobem para a superfície e fica mais fácil pegar. Mas eles pegam muito pouco, só para comer mesmo, e deixam o veneno lá matando o resto”, explicou.

Ibama é responsável pela fiscalização do Potengi

O manguezal é Área de Preservação Permanente (APP) de competência federal. Embora a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo (Semurb) tenha poder de liberar licenciamentos para empresas atuarem próximo ao rio Potengi e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) também desenvolva ações sobre o ecossistema, é do Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente do Rio Grande do Note (Idema) o dever de preservar e fiscalizar o rio Potengi.

Além de autorizar a licença às empresas, o órgão tem o dever de vigiar as atividades de cada um desses empreendimentos. “Nós fiscalizamos todas as denúncias, temos um barco que coleta o lixo diariamente entre a Ponte de Igapó e a foz do rio, fazemos passeios com os estudantes para levar conscientização e conhecimento sobre a importância do ecossistema e temos um programa de monitoramento da água a cada 15 dias, o Programa Água Viva”, afirmou o chefe de fiscalização do Idema, Hermínio Brito.

Mas a garantia de que este é o ecossistema mais bem fiscalizado pelo órgão não dá sossego para todos. O que pescadores, biólogos, Ministério Público (MP) e Polícia Federal acreditam é que esse trabalho não é executado como se deve. Em estudo realizado recentemente sobre os empreendimentos potencialmente poluidores nas áreas de entorno do rio Potengi em Natal e Região Metropolitana, o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama) constatou que algumas empresas estão atuando sem o licenciamento ambiental necessário.

Dentre postos de gasolina, lava-jatos, construtoras, cerâmicas, curtumes e outras empresas, o estudo detectou ainda que muitos dos empreendimentos que têm a licença, não cumprem seus condicionantes. Segundo o superintendente Alvamar Queiroz, dos 66 pontos fiscalizados, cerca de 90% está em circunstância de poluição por consequência da ação das empresas.

Foi encontrado um ponto falho também com relação ao depósito do lixo dessas empresas. A maioria das indústrias contrata empresas terceirizadas para tirarem e levarem o lixo até seu destino final. No entanto, a falta de preocupação e fiscalização das próprias indústrias quanto à ação das terceirizadas leva também a poluição no rio.

A pesquisa foi feita pelo Ibama, mas esse é um trabalho que deve ser também executado sistematicamente pelo Idema. “Nós só atuamos supletivamente, quando o órgão estadual não fez o que deveria ter sido feito no momento certo. Mas temos o poder de cobrar as ações do Idema e da Semurb”, explicou Alvamar Queiroz.

 O ex-delegado do meio ambiente, Asdrúbal Araújo, esteve à frente das investigações do desastre de 2007 e acredita que as pesquisas e análises no rio não estão sendo priorizadas. “Ficamos perplexos quando o Professor responsável pela chefia do Departamento de Oceanografia e Limnologia (DOL) da UFRN nos informou que não tinha conhecimento da realização de pesquisas e que muitos pesquisadores evitavam o rio temendo se contaminarem”.

Quanto ao MP, a promotora do Meio Ambiente Gilka da Mata afirmou que o órgão tem tomado as medidas para a despoluição, através de  ações e decisões judiciais, que impuseram obrigações ao Idema, ao Estado e à Caern. “O MP  possui uma verdadeira parceria com os Professores da UFRN e do IFRN (antigo CEFET) não só biólogos, como ecólogos, engenheiros e outros.

Esgoto é despejado sem tratamento

No que se refere a saneamento básico, o rio Potengi é o destino final do esgotamento sanitário feito pela Caern no Rio Grande do Norte. Esse caminho não estaria errado se o esgoto fosse tratado antes de ser despejado nas águas. No entanto, a maior parte é jogada “in natura” dentro do rio, sem passar por qualquer tipo de processamento.

Apenas 33% do esgoto de Natal é atualmente coletado pela Caern. Em Macaíba, essa coleta é praticamente inexistente. Então sem rede de coleta, não há tratamento. E sem tratamento, não há prevenção. “São esgotos domésticos, hospitalares, industriais que As árvores às margens do rio Potengi parecem enfeitadas para o Natal, só que com lixovêm do jeito que estão para o rio e acabam sendo levados para o mar. Nossa costa está sendo bombardeada com ondas gigantes porque não temos mais proteção, já que a poluição do Potengi afeta as temperaturas, as correntes marítimas e a dinâmica do mar”, disse a bióloga Rosimary Dantas.

De acordo com Isaías Costas, o rio Potengi sempre foi e sempre será o corpo receptor desse material porque o Estado não possui área suficiente para promover uma disposição final em nível de infiltração. “Não se faz esgotamento sanitário sem que o processo seja completo: coleta, tratamento, transporte e destinação final adequada ao Meio Ambiente”, explicou.

Dentre os planejamentos da Caern, serão construídas duas novas Estações de Tratamento de Esgoto (ETEs), uma no Baldo e uma em Bom Pastor, e um emissário submarino em Ponta Negra, que prometem diminuir consideravelmente a emissão de poluentes para o rio. “Até o final de 2010, nós vamos fazer a coleta de tratamento do esgoto em 60% do município de Natal, além de construir redes de esgoto para coleta em Parnamirim e Macaíba”, garantiu.

Por enquanto, os problemas continuam. Em um trecho do rio próximo à Macaíba, a água marrom predominante termina onde começa um trecho de água verde clara. Entre as árvores do mangue, uma corrente de resíduos químicos industriais desce até o rio levando a água esverdeada, que parece não se misturar, já que o resultado é um contraste de duas cores muito diferentes, mas que fazem o mesmo apelo: “precisamos de ajuda”.

Na entrevista, Hermínio Brito garantiu com todas as letras que o esgoto é proveniente do Centro de Indústria Avançado (CIA) de Macaíba, que concentra diversas usinas de diferentes tipos, dentre elas, a Coteminas e Coca-cola. “Nós já enviamos uma notificação para a Caern para que eles expliquem a má qualidade dessa água”, disse.

No entanto, Isaías Costa afirmou que a ETE do CIA já funciona a pleno vapor e se eximiu da responsabilidade sobre o esgoto industrial. “A água pode sair vermelha, verde ou azul que vai estar inofensiva porque nós tivemos uma determinação do Ministério Público para construir essa Estação e assim o fizemos. Agora, se alguma indústria está desviando o esgoto clandestinamente, a responsabilidade de averiguar isso não é nossa, é do Idema”, concluiu.

Serviços:
Denúncias ao Idema: 0800 281 1975
Denúncias ao Ibama: 0800 618 080 ou 3232-0100
Denúncias à Delegacia Especializada de Proteção do Meio Ambiente (DEPREMA):  3232-4704

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