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Prioridade é criar soluções para Região Metropolitana

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Margareth Grilo – Repórter especial

Não são poucos os estudos que  apontam a mobilidade urbana como uma questão crucial no desenvolvimento das grandes cidades brasileiras. Em Natal, não é diferente, principalmente, quando se leva em conta o impacto gerado pelo fluxo oriundo da região metropolitana. Esse é o tema da segunda reportagem da série “Os desafios da nova administração municipal”, que se iniciou no último domingo, 01.  Até sexta-feria, outros três temas serão abordados: Saúde, Educação e funcionalismo público.
Especialistas dizem que o sistema de transporte rodoviário está bastante defasado em relação às necessidades da região metropolitana, que hoje agrega mais de um milhão de habitantes.
Especialistas ouvidos pela TN são unânimes em afirmar que equacionar os gargalos da mobilidade urbana e atender bem, sobretudo, no setor de transporte público, é o maior desafio do próximo gestor. Esses desafios exigem um planejamento integrado para a região metropolitana de Natal, que leve em conta os atuais tipos de transporte e a necessidade de definir uma proposta de política sistêmica, “que contemple o transporte em sua totalidade”.

“Não espero que a próxima gestão resolva tudo, mas que estabeleça um acordo político, econômico e social, que possa viabilizar um programa de investimentos para dez, quinze anos, de forma a mitigar os problemas de tráfego”, afirma o engenheiro civil, doutor em engenharia de transporte, Enilson Medeiros dos Santos. A seu ver, os problemas no transporte público passam pela questão de a cidade contar com um único sistema de massa, o de transporte rodoviário.

“O nosso sistema ferroviário é imberbe. E, mesmo o sistema de transporte rodoviário, tanto em termos de infraestrutura, quanto de operação, está bastante defasado em relação às necessidades de uma capital, como Natal, e de uma região metropolitana, com mais de um milhão de habitantes”, analisa o especialista. Segundo Enilson, o gerenciamento do sistema “é muito frágil, muito baseado em uma inércia que existe desde os anos 80”.

A demora nos deslocamentos, os longos congestionamentos e a falta de acesso ao transporte, são problemas diretamente decorrentes do atual modelo e só se agravaram, nos últimos anos. Para se ter ideia, entre 2000 e 2010, a população de Natal cresceu 12,83%, enquanto o número de viagens diárias de ônibus, por exemplo, aumentou em apenas 2,17%, seis vezes menos.

O tempo médio de deslocamento, em ônibus, de casa-trabalho, considerando o trecho zona norte/campus da UFRN [saindo do terminal Soledade 1] chega, em horários de pico, a demorar duas horas e cinco minutos, segundo constatou a reportagem da TN. O deslocamento zona sul/centro  [saindo da avenida Maria Lacerda] demora até 50 minutos. São problemas que têm raízes na ‘imobilidade’ que se verifica no trânsito, principalmente pelo aumento da frota individual de veículos.

Frota crescente

No Nordeste, o RN tem a quinta maior frota de veículos – são 743.040 – e a sexta maior população (3.198.657) e o maior índice de veículos por habitante. O índice ficou em 0,23, segundo estudo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT). Natal detém quase metade da frota de todo o Estado – 322 mil veículos.

“Enquanto tiver alguém sem carro, e renda crescendo”, afirma Enilson Medeiros, “vai ter mais um carro na rua. Isso não é ruim. Do jeito que casa própria era sonho de tudo mundo, carro também é. O que precisa é dar alternativa às pessoas para não usarem o carro. Se elas tiverem bicicletas albergadas com segurança e um transporte público coletivo de qualidade, elas vão fazer a alteração de comportamento”.

O problema maior, disse Enilson Medeiros, é que em Natal, “embora o discurso mais ou menos técnico seja de que ela não precisa de um sistema de transporte sobre trilhos avançado, digo que esse sistema será necessário dentro de, no máximo, dez anos”. Considerando essa premissa, o engenheiro alerta que “um sistema de trilhos urbanos não se constrói do dia para a noite” e que, por isso, “já deveríamos ter começado a trabalhar o avanço da estrutura ferroviária”.

“Até existe projeto, na área do VLT, mas isso deu um certo entrave e a coisa não anda”, criticou o engenheiro civil. O projeto está parado no Governo do estado, embora o governo federal já tenha liberado recursos da ordem de R$ 135 milhões. Segundo Enilson, “do mesmo modo o sistema de ônibus precisaria operar em muito mais corredores segregados para que pudesse prestar serviço melhor”.

“Um sistema mais preparado, segregado, com melhor pavimento, permite a utilização de ônibus mais modernos, de piso baixo, com dimensões maiores. Isso melhoraria muito a qualidade do serviço”, afirma o especialista. Hoje, o ônibus é o principal meio de transporte coletivo, com uma frota de 712 veículos, que movimenta  perto de 530 mil passageiros por dia.

MP cobra licitação desde 2003

O sistema rodoviário de transporte trafega em Natal com 712 veículos, movimentando 530 mil passageiros, diariamente. Esse fluxo gera para o setor um faturamento mensal da ordem de R$ 17 milhões.  Por ano, a receita das empresas é de R$ 255 milhões – 2,5% do PIB de Natal [R$ 10,3 bilhões, em 2009, segundo IBGE]. Atualmente, as sete empresas que atuam no sistema vivem a expectativa da licitação, cuja discussão ainda está no âmbito da Procuradoria Geral do Município.

Em entrevista na semana passada, o procurador geral Francisco Wilkie, afirmou à TRIBUNA DO NORTE, que tendo em vista alterações sugeridas pela Câmara Municipal de Natal, a PGM estava elaborando um parecer que, segundo ele, seria encaminhado, junto ao ante-projeto, ainda esta semana, para o Poder executivo. “A prefeita pode acatar ou não as recomendações que estamos fazendo, e ela vai reencaminhar o projeto à Câmara Municipal”, informou Wilkie.

Ele não quis entrar em detalhes sobre os aspectos questionados pelos edis, e não se prontificou a liberar cópia do anteprojeto, mesmo diante de pedido oficial do jornal, com base na Lei do Acesso à Informação. O projeto é polêmico por não prevê a integração dos sistemas rodoviário e ferroviários, e um planejamento focado na região metropolitana.

Para o engenheiro de transportes, Enilson Medeiros dos Santos, “havendo a licitação”, o desafio do novo gestor é o de montar uma secretaria de mobilidade capaz de gerir contratos, elemento central desse processo. “Não existe essa experiência em Natal nesse sentido. Um sistema licitado envolve contratos bilaterais, que tanto exigem da empresa, como do gestor público, seriedade, sistematização no trabalho e transparência”.

Ele afirma que é preciso montar uma cultura para gerir contratos, principalmente, porque “o que está se anunciando ai são contratos de muito longo prazo. E o transporte público precisa de flexibilidade”. Enilson diz que “se não fizer as previsões corretas, o sistema vai ficar engessado”. A licitação vem sendo cobrada desde 2003 pelo Ministério Público Estadual.

Belo Horizonte é pioneira em transporte rápido

Belo Horizonte foi buscar longe a experiência para implantar o Transporte Rápido por Ônibus, o BRT (sigla de Bus Rapid Transit). O modelo é similar ao de Bogotá, capital da Colômbia, onde funciona o Transmilenio, sistema modal colombiano. Com 7,5 milhões de habitantes, a cidade tem área de 380 quilômetros quadrados, próxima aos números de BH, que tem 2,4 milhões de moradores. Essa não é a única semelhança: a frota de veículos das duas cidades gira em torno de 1 milhão de carros.

O dado evidencia uma diferença gritante: 80% da população de Bogotá é usuária do transporte coletivo, enquanto na capital mineira essa parcela não chega a 60%. Em Bogotá, o BRT funciona exatamente como um metrô, com estações pré-pagas, ônibus articulados e biarticulados. A entrada e saída dos passageiros é em nível (sem degraus).

O BRT foi pensado para revitalizar o centro urbano de Bogotá, uma cidade que não foi planejada e estava muito degradada, a partir dos anos 1990. Sem atravessar as fronteiras do país é possível encontrar experiências bem sucedidas do corredor rápido de transporte coletivo. O Ligeirinho da capital paranaense (Curitiba) foi o precursor do sistema modal do BRT, implantado nos anos 70.

O projeto leva em conta dois conceitos: o transporte e uso do solo. Os especialistas que defendem o sistema dizem que “quanto mais perto dos corredores de ônibus, maior a capacidade de adensamento da população, dispensando a criação de linhas radiais”. Apesar de modelo, atualmente, o Ligeirinho de Curitiba está com a capacidade saturada, por ter sido pensado para a cidade e não para a região metropolitana.

Proposta é para que sistemas sejam unificados

O grande desafio, na opinião do atual secretário de Mobilidade Urbana da Prefeitura de Natal, Márcio Sá, será tornar o órgão forte junto ao executivo municipal, observando as novas condições com o advento da licitação. “Vai ser um desafio enorme aplicar uma fiscalização rígida para saber se aquilo que foi exigido está sendo contemplado, e acompanhar os índices que definirão a tarifa do transporte”, afirma Márcio Sá.

A licitação, citou Márcio Sá, prevê a junção dos sistemas de ônibus e opcional, e a Semob deve ter a capacidade de atuar nesse sistema, que será único, “como facilitador entre dois segmentos que historicamente são contrários”. Outro desafio é tocar as obras de mobilidade e os projetos que foram feitos pela atual equipe técnica. Segundo ele, estão assegurados para obras de mobilidade mais de R$ 800 milhões junto ao governo federal, que prevêem melhoria para o sistema viário.

O único projeto de corredor exclusivo de ônibus, o da avenida Bernardo Vieira, que reduziu o tempo de viagem em até 20 minutos, foi implantado em Natal, na década de 90. Para o engenheiro Enilson Medeiros o problema é que os gestores nunca deram muita atenção ao movimento dos pedestres e aos serviços de taxi e de transporte escolar. “Este último ainda é muito amador”, critica. Enilson alerta ainda que as vias perpendiculares a Hermes da Fonseca e Salgado Filho precisam de tratamento e que a cidade carece de um plano emergencial de recuperação de pavimento.

Empresários defendem prioridade 

“A nova administração deve prioridade ao transporte coletivo, principalmente, dando as condições necessárias de mobilidade para que o ônibus consiga andar prioritariamente ante a frota de veículos particulares”, afirmou o diretor de Comunicação do Sindicato das Empresas de Transportes do RN – Seturn, Augusto Maranhão. A seu ver, “é preciso dar ao ônibus o seu espaço no contexto urbano. Ao invés de ser um problema, que seja uma solução”.

Para o presidente da Fetronor, Eudo Laranjeiras, o novo gestor precisa dar prioridade ao transporte coletivo, dando a ele condições de mobilidade. “O ônibus tira quinze, vinte carros da rua, mas a pessoa só deixa o carro em casa se tiver ônibus bom. Mas na hora que dê prioridade, que fizer o ônibus rodar, as pessoas vão dar credibilidade a ele”, afirma o empresário. Os empresários reclamam da falta de subsídios ao setor, e afirmam que as empresas têm feito investimentos para renovar a frota que hoje é 60% acessível e tem idade média de sete anos.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rodoviários do Rio Grande do Norte (Sintro-RN), Nastagnan Batista coloca como prioridade a melhoria das condições condições das vias. “Natal hoje se torna uma cidade quase inviável. Uma viagem que seria de duas horas, chega a ser de três”, afirma. Segundo ele, um dos fatores que mais tira o motorista de ônibus do trabalho é o estresse, “em virtude  do caos que é o trânsito e da insegurança”.

Bate-papo

Maria Cristina de Morais, arquiteta, representante da UFRN no Conselho Municipal de Planejamento

Que desafios o gestor terá?
Quando se fala em transporte, tem que pensar como uma questão sistêmica. Como é a circulação dentro de uma cidade. E ai tem que olhar tudo. Tem que olhar o uso e ocupação do solo. Você pega um corredor como a engenheiro Roberto Freire e não tem um planejamento de uso. O poder público vai autorizando empreendimentos e equipamentos de comércio e serviços, sem prever estacionamentos e sem observar o impacto disso no trânsito. Hoje, tem pensar o circular na cidade. O gestor não pensa a questão do transporte na sua totalidade, que vai desde o uso e ocupação do solo, do sistema viário existente e necessário, e quais os tipos de veículos que estão circulando e tendo prioridade dentro de uma política. Por isso trafegar em Natal está cada vez mais difícil.

A senhor acredita que falta regulamentação no setor?

 Não. Pelo contrário. Hoje, a região metropolitana de Natal tem um plano diretor de transporte. Mas ele continua sendo, no contexto do planejamento urbano, uma questão crucial. Não temos problema de falta de legislação. O que a gente pode dizer é que não basta ter só um plano diretor, precisa aplicá-lo. Hoje, a aplicação de nossa legislação deixa a desejar.

Que prioridades a senhora elencaria?

Ele não pode pensar pontualmente, por se pensar assim, ele melhora um ponto, mas  acirra outros problemas. Ele tem que pensar o circular dentro de Natal, de uma forma integrada. Ao pensar em transporte, tem que pensar em como circular, qual a mobilidade urbana que nós temos, pensando o pedestre, a circulação via rodas, o transporte de cargas e serviços, que são necessários, e o transporte coletivo, que deve ser de excelente qualidade e que faça com que a população se estimule para sair de casa para o trabalho de ônibus. Hoje, não se tem um transporte urbano eficiente de boa qualidade que desestimule o uso do veículo individual, que poderia ser usado nos finais de semana, para ir ao supermercado. Outra coisa é a questão da motos. Não se pensa uma política que adeque a malha viária a esse transporte. A mesma coisa é no caso da ciclovia. Natal não tem nenhuma. Outro elemento que ninguém pensa é o pedestre. Ele não precisa só de passarelas, faixas, mas de calçadas, e em Natal não tem um passeio público onde seja possível caminhar sem obstáculos. Os gestores precisam entender que a cidade é um espaço urbano e tem que ser pensado como tal para dar qualidade de vida à população.

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