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Quatorze anos, cinco desaparecidos e nenhum suspeito

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Alex Costa – Repórter

Quatorze anos após o primeiro desaparecimento volta à tona a história do conhecido “Caso Planalto”, em que cinco crianças sumiram sem deixar pistas que levassem ao esclarecimento do caso. Nesse período, o caso passou por 12 delegados especiais e até hoje as famílias das crianças aguardam responsas da Polícia Civil. Na próxima segunda-feira o caso volta a ter destaque. A partir das 8h da manhã, vários integrantes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Tráfico de Pessoas estarão na capital potiguar para discutir o assunto e reabrir o caso, que já havia sido arquivado desde o ano passado.
O caso do desaparecimento de cinco crianças no Planalto será discutido segunda-feira (3) pela CPI do Tráfico de Pessoas
A reportagem da TRIBUNA DO NORTE foi em busca das mães das cinco crianças desaparecidas. Filhas da dor e irmãs entre si no sofrimento, compartilham a incerteza. A primeira é Francisca da Silva Nascimento, de 44 anos. O dia 9 de novembro de 1998 está gravado na memória. Durante a madrugada, o caçula dos cinco filhos, Moisés Alves da Silva, foi levado do cômodo em que dormia toda a família. “Ninguém ouviu nada. Ele dormia numa rede por cima da nossa cama”, relatou. Às 2h30 da manhã, houve choro dentro do pequeno barraco feito com tapetes e tábuas no bairro Planalto. “Havia uma corte no tapete; não era difícil entrar dentro da nossa casa”, disse Francisca.

Lá fora, ficou o rastro de pneus na areia. Algumas pegadas, o cão de guarda do casebre morto envenenado e só. Nunca mais houve notícia do pequeno Moisés, que hoje estaria com 15 anos de idade. “Me emociona saber que vão voltar a procurar meu filho. Espero que consigam achar alguma evidência. Só sei que quando ele voltar vai ser uma festa”, disse esperançosa.

Dois meses depois chegou a vez de Lindalva Florêncio da Costa, hoje com 54 anos. Sua filha, Joseane Pereira dos Santos, com oito anos de idade na época, sumiu da casa de uma vizinha identificada como Sandra Aparecida. “Ela sempre chamava minha filha para ir para lá. Nunca gostei disso. Iludia ela só porque tinha videocassete de desenhos animados, que lá em casa não tinha”, contou.

Na noite do sumiço, Sandra Aparecida teria ido jantar na casa de Lindalva e deixou a menina só em sua residência, assistindo TV. “Quando ela voltou para casa, chegou aqui em casa me perguntando se Joseane estava aqui. Que só tava a chupeta e o chinelo da menina lá na sala dela”, disse Lindalva à reportagem. A mãe de Joseane acredita que Sandra possa ter envolvimento com o desaparecimento, visto que, segundo ela, a sua vizinha, que hoje mora em Felipe Camarão, tentou apagar os rastros das pegadas do suspeito com uma vassoura. Nada foi provado.

Questionada se percebeu alguém diferente rondando as imediações da sua casa naquela época, Lindalva fez menção apenas a dois homens altos, loiros, e olhos claros, com mochilas nas costas, que pregavam com uma Bíblia. “Eles se aproximavam das crianças e chamavam para brincadeiras. Depois do sumiço da minha filha e do Moisés, eles nunca mais apareceram”, colocou.

Em janeiro de 2000, Maria Suely Tomé Ribeiro tinha 19 anos. Foi quando Yuri Ribeiro Cardoso, de 2 anos e 3 meses foi levado da rede. “Ele dormia comigo. Na época só tinha ele e uma menina. Hoje já tenho mais dois. Mas não substitui, jamais”, disse, chorando. Hoje, com 36 anos, Suely continua esperando seu filho voltar. Catadora de materiais reciclados, a mãe de Yuri vive em um barraco, próximo ao Leningrado. “Já pensei em morrer várias vezes. Só assim, ou com meu filho voltando, meu sofrimento acaba”, afirmou.

Três meses depois Maria Enedina da Silva, de 66 anos, perdeu o neto Gilson Enedino da Silva, que hoje deve ter 16 anos. A senhora não pôde dar declarações à reportagem, por sofrer de transtornos mentais. A última a vivenciar o desespero foi Marceleide Enedino da Silva, que perdeu Marília Gomes da Silva em dezembro de 2001. Porém, em 2010, aos 34 anos, a jovem mãe foi assassinada a facadas ao tentar apartar a briga de um casal vizinho. Mesmo após várias cirurgias, Marceleide não resistiu aos ferimentos e faleceu.

Na próxima segunda-feira, a audiência pública ocorrerá na Assembleia Legislativa e terá a presença das senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB/AM), presidente da Comissão, do senador Paulo Davim (PV/RN), vice-presidente da Comissão, e da senadora Lídice da Mata (PSB/BA), que trabalham juntos na investigação de casos que envolvem o tráfico de pessoas.

Comissão vai pedir ajuda à Interpol

O caso Planalto, a “novela” que marcou época na crônica policial potiguar, ganhou mais um episódio. De acordo com o senador Paulo Davim, vice-presidente da CPI do Tráfico de Pessoas, um pedido para a participação da Polícia Federal para a apuração dos fatos já foi encaminhado ao Ministério da Justiça há cerca de um mês. “É inadmissível depois desse tempo todo não se ter nada e não se chegar a lugar nenhum.  Tenho certeza de que se fossem pessoas influentes a serem vitimados com esse tipo de ocorrência já se teria chegado a um denominador comum”, colocou o parlamentar.

A presença da Interpol (Polícia Internacional) também foi solicitada. Segundo Davim, uma informação relatada pelo então secretário estadual de Segurança e Defesa Social, Aldair da Rocha, mostrou que a informação de que estrangeiros rondavam a  região no período não poderia ser desprezada. “É uma pista importante”, disse. Questionado se a Interpol seria acionada apenas em cima de uma “possibilidade”, Davim alegou que o caso segue em segredo de justiça e que apenas o delegado em posse do processo, Márcio Delgado Varandas, poderia dar detalhes sobre o caso.

“Uma coisa é certa: ninguém desaparece nem evapora. Segunda-feira é uma dia de grande importância para a descoberta de novas provas através dos depoimentos”, encerrou o senador.

A reportagem da TRIBUNA DO NORTE entrou em contato com o delegado Márcio Delgado Varandas na manhã de ontem. Por telefone, ele informou que estava no bairro Planalto convocando algumas das mães a estarem presentes na audiência da próxima semana. Questionado se a reportagem poderia ter acesso e acompanhá-lo nas visitas, Márcio informou que preferia manter a imprensa afastada, pelo menos a princípio e se negou a dar declarações.

“Não há crime insolúvel, há crime pouco investigado”

A declaração do presidente do Conselho Estadual de Direitos Humanos, Marcos Dionísio, recrimina do trabalho da Polícia Civil do RN com relação à busca pelos autores dos raptos ocorridos entre o período de 1998 a 2001. “Não acredito em crime insolúvel, acredito em crime pouco investigado”, disse.

Segundo Marcos Dionísio, o caso Planalto é emblemático e é um assunto que diz respeito à cidadania, já que fere a defesa de crianças, bem como o direito das famílias que perderem seus filhos na calada da noite. “Fico estarrecido ao saber que não se sabe nem mesmo a motivação dos raptos”, colocou.

Para ele, é possível sim descobrir o paradeiro das crianças do Planalto. “Acredito e tenho esperança de que o culpado será encontrado e penalizado. Só ainda não o foi porque não foi devidamente investigado”, reafirmou.

Para o secretário estadual de Segurança e Defesa Social (Sesed), Aldair da Rocha, a esperança de encontrar algum fato novo na audiência reaviva o Caso Planalto. “O delegado geral, Fábio Rogério, me comunicou que havia indícios no inquérito que traziam conclusões. Esperamos que o delegado Marcos Delgado realmente nos traga algo novo na audiência”, colocou. Segundo Rocha, o tempo sempre é inimigo da investigação, mas que nenhum caso nunca está impossibilitado de ser solucionado.

Memória

O processo do caso Planalto, de número 0006764-94.2005.8.20.0001, havia sido arquivado administrativamente no Tribunal de Justiça. Mesmo assim, o Ministério Público e a Polícia Civil continuaram investigando os desaparecimentos das crianças.

Pela ordem, as crianças que foram raptadas são: Moisés Alves da Silva (na época com 2 anos de idade); Joseane Pereira da Silva (8); Yuri Tomé Ribeiro (2); Gilson Enedino da Silva (2); e Marília Gomes da Silva (2).

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