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Reis e rainhas da sucata

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Adriano de Sousa
Jornalista

Números e palavras dizem o que dizem e mais o que pudermos extrair deles. Sem adulá-los ou torturá-los: apenas vendo-os em perspectiva panorâmica. Tome-se algumas cifras recolhidas aleatoriamente da mídia nos últimos dias. Das editorias de Política temos que o bando da Dama de Espadas desviou R$ 5,5 milhões da Assembleia Legislativa. Um escandalozinho, se cotejado com mensalões & petrolões, mas bastante para recordar-nos que a corrupção e o patrimonialismo são vícios endêmicos no país dos barnabés. E que os mecanismos de fiscalização parecem talhados para impedir ou retardar a detecção dos roubos. O esquema da AL operou por cinco anos (ou mais). Talvez sob o beneplácito de reis e valetes ainda ocultos no baralho encamaçado.

As editorias de Cidades noticiam que será no máximo de R$ 12 mil a multa à empresa que demoliu mais um casarão antigo para levantar do pó da história outro monstrengo comercial. Não há como ignorar que a demolição sem alvará foi intencional, bem ao estilo do capitalismo predatório que manda e desmanda na taba que foi de Potiguaçu e hoje parece ser de ninguém. Melhor pagar logo aquela mixaria que correr o risco de ter o projeto vetado em nome da memória arquitetônica da cidade sem respeito pela própria história ou pela lei.

As editorias de Polícia informam que, das 592 pessoas assassinadas no estado de 1 de janeiro e 13 de agosto, 61,5% tinham no máximo 29 anos de idade. Um quadro de genocídio que ilumina a falência do modelo de sociedade criada no Rio Grande Sem Sorte. As luzes dispensam lustro acadêmico, pois cintilam nas letras cotidianas e contundentes das manchetes. Lê-las é flagrar algumas das relações de causa e efeito que ilustram nossa tragédia social.

Nas editorias de Economia lemos que a taxa de desemprego no RN foi a terceira maior do Brasil (11,6%) no segundo trimestre do ano, menor apenas que as da Bahia e de Alagoas, e maior que a nacional (8,3%). Um reflexo da crise econômica nacional, mundial e universal, certamente. Mas também da impotência (ou da inexistência) de políticas locais de geração de trabalho e renda.

Das editorias de Cultura vem outro vetor do desastre. Pesquisa realizada em 25 municípios potiguares revelou que 63,34% dos 1.203 entrevistados declararam-se não-leitores. Entre os poucos que leem, apenas 6,36% leram mais de sete livros neste ano. Os números vergonhosos não chegam a ser uma novidade. A aversão à leitura é coisa tão nossa quanto o racismo e outras mazelas mantidas sob o tapete da sala de visitas. E um dos poucos traços nacionais que não distinguem gênero, religião, idade, cor, renda ou escolaridade (nesse caso, lê-se mais por obrigação do que por prazer). O pior: se fôssemos um estado de leitores, de onde emprestaríamos livros? A única biblioteca pública de Natal está fechada e sem perspectiva de reabertura. Assim como os três teatros, o Forte dos Reis Magos e outros museus.

O conjunto de dados recolhidos aqui e ali pode ser expandido ao infinito. Transporte, saúde, segurança, educação: nos serviços públicos essenciais, a única constante é a certeza de que vivemos num ensolarado sucatão. Estado inepto e sociedade omissa são parceiros na gestão do ferro-velho. Memória? Detonamos. História? Cuspimos. Cultura? Barbarizamos. Cidadania? Pegamos, matamos e comemos com ginga e tapioca no Canto do Mangue.

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