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Relembrando Tancredo Neves

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Agnelo Alves
Jornalista  

Pensei, repensei e voltei a pensar em escrever sobre o que vi, ouvi e, de certa maneira, participei, na maioria das vezes, no início, porque não havia outra maneira de sair, me desvencilhar. Situação criada por Tancredo Neves em pessoa, abria a porta da sala em que estava e ele procurava por Aluízio Alves.

E não raro as pessoas me confundiam com Aluízio. Ele perguntava onde estava Aluízio e alguém a quem ele perguntava apontava para a sala onde eu estava, “ali, naquela porta”. Vejam só o embaraço meu. Tancredo não, claro. Mas Tancredo era Tancredo. Ele logo na primeira vez perguntou: “Oi, como vai, onde posso encontrar o Aluízio?”

Caramba, ele guardou o meu nome e a minha pessoa! Acho que pensei alto porque Tancredo não contou cinco segundos e logo em tom natural falou: “As moças aí fora estão confundindo você com Aluízio Alves. Faça por merecer”… “Pois não presidente, Aluízio acaba de sair por aquela porta.” E apontei.

Fui testemunha de que somente quem tinha a sua confiança poderia estar presente e saber calar. Daí a minha dúvida: escrever ou não escrever? Mas, diante do que li no Jornal “O Globo” do dia 21, resolvi escrever alguns episódios que presenciei e talvez poucos, muito poucos brasileiros tomaram conhecimento. O doutor Ulisses foi peça fundamental e decisiva também quando se recusou a tomar posse, apontando para Sarney e afirmando: “Quem deve assumir de acordo com a Constituição é o vice-presidente eleito, doutor José Sarney.” Não assisti ao episódio, embora estivesse no hospital, junto com outros norte-rio-grandenses, como José Maria Pinheiro e Marcos Santos que vieram no carro comigo. Eles são testemunhas de um episódio logo na nossa chegada ao hospital. O porteiro olhou no carro quem estava, para, então, responder à nossa pergunta: “O presidente já chegou?”

 “Já. Ao senhor, ministro, não posso negar.” Ele me confundira com Aluízio a quem eu pedira que ficasse no banco traseiro. Até aquele instante, eu estava convencido de que fosse um trote, brincadeira de mau gosto, a informação de que Tancredo fora hospitalizado. Por isso, pedi que Aluízio ficasse no banco traseiro e não participasse de nada. Receava que, confirmado o trote, os jornais reportariam como gozação.

Mas, infelizmente, era verdade. O presidente Tancredo estava hospitalizado. Logo ao chegarmos ao andar de cima, guiados por alguém designado para tanto, fomos informados da gravidade do mal ainda não diagnosticado. Aluízio perguntou se o vice-presidente José Sarney já sabia o que estava ocorrendo. Ante a informação de que sim, Aluízio telefonou para Sarney. Estava em um jantar na Embaixada de Portugal e imediatamente viera para o seu apartamento.

“Venha para cá urgente!” Avisou Aluízio que acompanhara a “conspiração” para doutor Ulisses assumir a Presidência da Câmara Federal. O doutor Ulisses ouviu algumas pessoas e tomou a decisão: “Quem assumirá é o vice-presidente José Sarney. A mim caberá dar posse interina.”

Estabeleceu-se uma espécie de “zum-zum-zum” político. O doutor Ulisses se recusou a assumir a Presidência porque seria por poucos dias. Se desconfiasse que seria por cinco anos, teria assumido sem contestação… Pessoalmente, não acredito. O doutor Ulisses lutou contra a Ditadura. Em todo caso…

Chegou o boato de que o general Figueiredo, ainda no Palácio, não passaria a faixa presidencial se fosse José Sarney… Foi quando chegou o general Leônidas já escolhido para ser ministro do Exército. Levantou-se e disse: “Quem assumirá será o vice-presidente eleito com o presidente Tancredo Neves.”

Estou, agora, matutando comigo mesmo.  Consulto o primeiro botão do surrado pijama, começando, evidentemente, pelo paletó. Publico não, publico sim. Decidi sim, decidi não. Vou escrevendo.  No que vai dar, não sei. Também não sei por onde começar e onde vou parar. E agora? Não sei. Melhor perguntar, por exemplo, a Henrique Eduardo que acompanhou tudo de Brasília com Aluízio e comigo. Com a cabeça fervilhando, decidi deixar para amanhã. Parar por aqui. O restante só em pequenas notas nos dias também pela frente. No decorrer da semana tem mais. Já escolhi por onde vou começar. Uma angústia a menos.

uuu
Uma noite-madrugada que parecia não terminar. Os médicos que operaram entravam, voltavam otimistas. Eram chamados novamente. À distância, desconfiei. Aluízio, bem de perto, começou a desconfiar também. Aconselhou Sarney a sair. Qualquer coisa, ele informaria. Sarney começou a descer as escadas. Queria evitar os elevadores.

uuu
O doutor Ulisses chegou-se a Aluízio e pediu para conversar com a imprensa. Vários jornalistas já estavam no Hospital para a cobertura. Aluízio me chamou para ajudá-lo na missão. Um bilhete com duas palavras alertou para que não se mostrasse muito otimista. “A coisa está grave.”

uuu
Aluízio passou para mim. Não entendi de quem era a assinatura. Não decifrei. Rasguei. Mais tarde, ao chegar ao Hotel, Aluízio também me disse: “Também não.” Mas arrisquei: “Ulisses?” Não, ele conhecia a assinatura do doutor Ulisses. Nunca descobrimos.

uuu
Muitos brasileiros morreram pelo Brasil. Tancredo também. Relembro a viagem depois de eleito para consolidar a transição. Já estava com seu estado de saúde agravado. Mas guardou segredo até morrer.

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