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Rico por natureza, pobre em ações

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Isaac Lira – Repórter

Quem pesquisar a história recente do Rio Grande do Norte irá perceber que há dois Vales do Açu. Um é o que foi prometido nos últimos anos, a partir da instalação de uma série de projetos “revolucionários” que dariam vitalidade à economia daquela região. Esse Vale do Açu teria um polo de agricultura irrigada comparável ao do Vale do São Francisco, em Pernambuco, além de ser um importante centro exportador no Nordeste. O outro é o que existe de fato: uma região considerada rica, mas que não desenvolve o seu potencial e com índices de desenvolvimento pequenos em comparação a outras regiões do Estado.

Os projetos revolucionários, os anúncios faraônicos, com os quais os municípios do Vale do Açu conviveram nos últimos anos foram cortina de fumaça. Nenhum deles foi executado na plenitude e hoje estão ou subaproveitados ou simplesmente nunca deixaram de ser sonhos adormecidos nas gavetas da burocracia. Segundo o que vem sendo anunciado desde o início do século, projetos como o Perímetro Irrigado do Baixo Açu,  a Zona de Processamento de Exportação e o Polo Gás-Sal iriam interferir positivamente no cotidiano de Alto do Rodrigues, Assu, Carnaubais, Ipanguaçu, Itajá, Jucurutu, Pendências, Porto do Mangue e São Rafael. Interferiram, em parte. Mas nunca na proporção prometida.

O projeto mais antigo é o Perímetro Irrigado do Baixo Açu, que começou a ser implantado ainda na década de 80, em conjunto com vários outros perímetros no Nordeste. A ideia era transportar água da recém-inaugurada barragem Armando Ribeiro Gonçalves, em 1983, para libertar os agricultores da dependência dos fenômenos naturais de seca e chuva. Além de ser o mais antigo, é o mais bem sucedido. Menos da metade do projeto inicial foi executado. Contudo, o que conseguiu sair do papel funciona, mesmo que com dificuldades

Outro projeto foi o Polo Gás-Sal. Concebido pela Federação das Indústrias do RN e pelo Governo do Estado no ano 2000, o polo iria integrar a produção de gás, sal e minérios e indústrias para fabricação de barrilha, vidro, pvc, termoelétricas, etc, entre Fortaleza, Mossoró e Natal. Algumas das ações foram consolidadas, como a Usina Termoelétrica em Assu (Termoaçu), mas sempre de forma isolada e sem o impacto que o polo pretendia. A ideia era gerar cerca de 2,5 mil empregos. Ironicamente, o site do projeto na internet continua no ar: www.pologassal.rn.gov.br. Com o tempo e as mudanças de governo, a idéia perdeu força e foi abandonada.

Por fim, a Zona de Processamento de Exportação (ZPE), criada em 2010 por decreto presidencial. As ZPEs são condomínios de indústrias, onde os tributos quase não são cobrados. O funcionamento é semelhante ao da Zona Franca de Manaus. Se o projeto tivesse vingado, o Vale do Açu seria um polo de beneficiamento de matérias-primas e exportação. Três anos depois nada foi iniciado e o RN corre o risco de perder o projeto.

O vale que nunca saiu do papel

Segundo dados da gerência do Perímetro Irrigado do Baixo Açu (Diba), cerca de 40% do terreno disponível para o funcionamento dos lotes é utilizado hoje. Metade do programado sequer foi distribuído ou licitado para os produtores rurais do Estado. Inicialmente, o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca planejou destinar seis mil hectares em lotes para a irrigação. Apenas três mil foram distribuídos. O restante aguarda desde 2004 uma licitação, mesmo com todos os canais prontos para serem utilizados.
O projeto do perímetro irrigado do Baixo-Açu ainda rasteja. Hoje, menos de 40% do terreno disponível para o projeto é utilizado. O restante da implementação aguarda, desde 2004, uma licitação
Isso porque o Perímetro do Baixo Açu foi feito em duas etapas. A primeira de três mil hectares, a mais antiga, teve todos os lotes distribuídos, mas 500 hectares são improdutivos. Já a segunda etapa foi toda construída pelo DNOCS e o Governo do Estado nunca realizou a licitação para escolher as empresas destinadas a iniciar a produção. Com isso, e com o passar dos anos, a infraestrutura existente acabou deteriorada de forma irreversível. Atualmente, os canais não passam de um amontoado de pedras e buracos repletos de areia e galhos de plantas.

Para funcionar, o perímetro precisa de um canal principal, por onde a água captada chega, através de bombeamento, até perto dos lotes onde está a lavoura. Além disso, canaletas e bombas levam a água do canal principal até a plantação em si. No caso da segunda etapa, os canais estão danificados, as lonas impermeabilizantes foram roubadas, assim como o sistema de bombeamento, configurando grave prejuízo aos cofres públicos.

No caso da primeira etapa, há cerca de 500 hectares onde nada é produzido. Nos demais, há côco, manga, melão, feno, grama, banana, etc. A improdutividade se deve a utilização da terra para fins de especulação imobiliária, segundo a gerência do Perímetro Irrigado. O setor produtivo do empreendimento sofre, por sua vez, com o custo da energia. “A energia custa caro e além disso o DNOCS não enviou no último ano nenhum recurso para a manutenção”, diz Genival Celestino, um dos gerentes do perímetro.

O Departamento prometeu recentemente R$ 6 milhões para reformular a primeira etapa. “É preciso primeiro reformular o que não está funcionando corretamente para depois iniciar finalmente o trabalho na segunda etapa do projeto”, diz Genival. Serão reservados R$ 2,87 milhões para a recuperação estrutural das estações de bombeamento, do canal d’água principal, dos reservatórios, da cerca de proteção do canal principal e limpeza de toda a sua extensão física.

A soma de R$ 1,03 milhão atenderá a obras de instalação de hidrômetros e a manutenção do sistema adutor principal do projeto irrigado.

Projeto para atrair investidores está atrasado

A Zona de Processamento de Exportação do Sertão foi concebida para atrair indústrias para o Vale do Açu. A geração de empregos e a criação de um mercado permanente para as várias atividades de produção do Vale e dos arredores são os principais benefícios vislumbrados pelos idealizadores do projeto. O Governo Federal acatou o pedido da Prefeitura de Assu em 2010 e a ZPE foi criada. Uma empresa foi escolhida para gerenciar o empreendimento. Mas até agora isso não frutificou.
Apesar do solo rico, os projetos agrícolas ainda são tímidos no Vale
AS ZPEs são áreas de livre comércio com o exterior, destinadas à instalação de empresas voltadas para a produção de bens a serem comercializados no exterior. As empresas que se instalam em ZPEs têm acesso a tratamentos tributário, cambiais e administrativos específicos e o principal requisito é o seu caráter eminentemente exportador, ou seja, as empresas devem auferir e manter receita bruta decorrente de exportação para o exterior de, no mínimo, 80% de sua receita bruta total.

No caso da ZPE do Sertão, as obras de desmatamento, terraplenagem, e cercamento da área – criada em 2010 – deveriam ter sido concluídas até dezembro de 2012, mas até agora nada foi feito no local, segundo afirmou o vice-prefeito da cidade, Eurimar Nóbrega, recém-empossado, e o prefeito reeleito Ivan Júnior. Com o prazo estourado, o Município planeja romper com a empresa administradora da ZPE – nas mãos de um investidor inglês – e encontrar novos administradores.

A prefeitura já comunicou a decisão ao Ministério do Comércio Exterior. O Município se prepara para cancelar o contrato com a empresa administradora ainda em janeiro e elabora um dossiê para apresentar ao Conselho Nacional das ZPEs e assim convencer o governo federal a não anular o decreto de criação da área de livre comércio com o exterior, em Assu. A justificativa para o atraso precisa ser apresentada até março, quando o conselho se reúne.

O gestor responsável pela ZPE do Sertão LTDA, Brian Tipler, afirma que não é verdadeira a notícia de que o RN corre o risco de perder a zona de processamento. Segundo Brian, os investimentos não foram viabilizados ainda porque é preciso primeiro dotar a região de infraestrutura. “Não é só criar a ZPE para os investidores aparecerem, então estamos trabalhando”, aponta. Brian Tipler disse que os terrenos não foram adquiridos porque o poder público não resolveu um problema de invasão por parte de famílias sem terra.

Indústria cerâmica acompanha expansão

O polo de produção de cerâmica é outra área bastante desenvolvida no Vale do Açu. Há mais de 40 indústrias cerâmicas, a maior parte produzindo tijolo e algumas produzindo telha. Assim como a característica marcante de boa parte da produção da localidade, o pólo de cerâmica tem como característica marcante a existência de empresas de grande porte. A maioria delas emprega mais de 50 funcionários e produz mais de 40 mil unidades por dia.

A expansão da indústria da cerâmica vermelha acompanhou o crescimento da indústria imobiliária nos últimos anos. Em 2012, contudo, o setor passou por uma crise. As dificuldades com a crise internacional repercutiram no setor do Vale do Açu. Se antes o mercado prioritário era a própria região, agora cidades da Grande Natal, como Parnamirim e Macaíba, são os principais consumidores dos produtos do Vale, além da Paraíba, que compra uma pequena parte do que é produzido.

Uma outra questão que dificulta a atividade da Indústria Cerâmica é a dificuldade de se obter licenças ambientais. No ano passado, o Idema fez uma série de exigências para as empresas, como a criação de sistema de controle dos resíduos devolvidos ao meio ambiente com a queima da lenha para fabricar os produtos. As cerâmicas que não se  adequaram ainda esperam pela licença. Somente de posse do documento é possível conseguir financiamentos e fornecer material para boa parte dos clientes, que exigem o documento.

A fabricação de blocos de vedação, telhas, lajotas, tijolos e outros produtos proporcionam ao Rio Grande do Norte um faturamento anual de mais de R$ 208 milhões para a indústria ceramista, que possui 186 empresas em funcionamento. O setor lança todo mês no mercado mais de 111 milhões de peças e tem demonstrado sinais de avanço. Na última década, registrou crescimento de 17%, sendo que a produção e as contratações tiveram saldos positivos.

Em relação aos produtos, o levantamento comprova que as telhas estão no topo do ranking de produção, com uma fabricação de 59, 4 milhões de unidades ao mês, o que representa 57% de tudo que é produzido no Rio Grande do Norte por esse segmento. A região Seridó é responsável por 87% de toda a telha gerada em solo potiguar. Já o consumo da principal matéria-prima gira em torno de 239,5 mil toneladas de argila por mês. Os dados são do Sebrae.

Principais projetos iniciados no Vale do Açu

Zona de processamento de exportação
Como foi projetada – Seria um centro de recebimento e processamento de mercadorias para exportação. Uma espécie de condomínio de indústrias com um sistema de tributação diferenciado, onde para quase todos os impostos não há cobrança. O empreendimento iria “transformar a realidade da região”, com o surgimento de várias indústrias, o aproveitamento das várias matérias-primas produzidas no Vale do Açu e a criação de vários empregos.
A Zona de processamento de exportação espécie de condomínio de indústrias com um sistema de tributação diferenciado, mas as terras desapropriadas para sediar o projeto não foram adquiridas pelos administradores, não há licença ambiental e o Estado corre o risco de perder o direito de fazer a ZPE
O que aconteceu – O projeto não andou. Mais de dois anos após a criação oficial da ZPE as terras desapropriadas para sediar o projeto não foram adquiridas pelos administradores, não há licença ambiental e o Estado corre o risco de perder o direito de fazer a ZPE por não ter iniciado as obras. O caso irá a julgamento no próximo domingo pelo Conselho Nacional das ZPEs.

Perímetro Irrigado do Baixo-Açu (DIBA)
Como foi projetado – A ideia era transformar o Vale do Açu em um grande centro da agroindústria no Rio Grande do Norte. A água é levada da Barragem Armando Ribeiro Gonçalves através de um canal até vários lotes de terra distribuídos entre pequenos agricultores e empresas. Os donos dos lotes dividem os custos com energia e de manutenção. O perímetro irrigado liberta o agricultor da dependência da seca, mantendo a produção o ano inteiro.
Perímetro irrigado Baixo-Açu. A ideia era transformar o Vale do Açu em um grande centro da agroindústria no Rio Grande do Norte. Mas Dos seis mil hectares disponibilizados para se fazerem os lotes, apenas três mil foram de fato distribuídos.
O que aconteceu – Dos seis mil hectares disponibilizados para se fazerem os lotes, apenas três mil foram de fato distribuídos. Os outros três mil se perderam nas esquinas da burocracia. Além disso, dentre os lotes ocupados há 500 hectares sem produção alguma, rendendo apenas a título de especulação imobiliária. Um outro problema é a depredação dos canais que iriam abastecer os três mil hectares restantes, da chamada segunda etapa.

Polo Gás-Sal
Como foi projetado – Trata-se da implantação de uma série de indústrias ao longo do trecho Fortaleza/Mossoró/Natal, passando também por Guamaré e Macau. O Vale do Açu seria beneficiado pela proximidade. Geraria 2,5 mil empregos diretos e indiretos e produziria soda cáustica, barrilha, vidro, detergente, etc.
Polo Gas-Sal que geraria 2,5 mil empregos diretos e indiretos e produziria soda cáustica, barrilha, vidro, detergente nunca passou de um sonho
O que aconteceu – Nunca passou de um sonho. Algumas coisas foram realizadas, isoladamente, sem compor um “polo”, como a Usina de Energia Termoaçu. Outras, como a fábrica de barrilha, magnésio e pvc nunca foram implementados.

Bate-papo – » Raimundo Inácio da Silva – professor da Uern

Como o senhor vê a questão da ZPE e as implicações para o Vale do Açu?
É um projeto que pode trazer melhorias. Mas para acontecer é preciso infraestrutura. Hoje a região não conta, caso as indústrias queiram se instalar imediatamente, com gente suficiente para trabalhar, estradas, etc. Então, há esse entrave, essa dificuldade na instalação da ZPE, que não tem como dar certo sem uma certa infraestrutura.
A participação do Vale do Açu no PIB do Estado ainda é muito pequena, apenas 4%. É pouco para uma região considerada rica - Raimundo Inácio da Silva
Quais as potencialidades econômicas da região?
Há a fruticultura, a cerâmica, entre outras coisas. Mesmo assim, a participação do Vale do Açu no PIB do Estado ainda é muito pequena, apenas 4%. É pouco para uma região considerada rica. Algo que é perceptível é que o avanço econômico não foi acompanhada por um avanço social. O IDH ainda é baixo e os municípios ainda têm índices altos de extrema pobreza. É notável que os melhores índices de IDH estão no Seridó.

Por que isso aconteceu?
O modelo no Vale sempre privilegiou o grande negócio. Lá no Seridó, por exemplo, a agricultura familiar é a base. Mas o Vale do Açu é sempre visto como um lugar para o grande negócio, tanto na agricultura, na fruticultura irrigada quanto no setor de petróleo e gás, já que a Petrobras não deixa de ser uma grande empresa pelo fato de ser pública.

Potenciais do Vale do Açu

Fruticultura e agricultura irrigada – É talvez a primeira vocação da região. A terra fértil da localidade tem atraído tanto grandes empresas quanto pequenos agricultores. Há produção de banana, melão, manga, além de feno e grama, entre outros produtos de destaque. A fruticultura irrigada da região é considerada um dos focos de modernização da agricultura no Nordeste, ao lado do Vale do São Francisco e outras localidades. A produção é baseada principalmente em grandes empresas.

Cerâmica – A cerâmica vermelha é uma das principais atividades industriais da região. Cidades como Itajá têm várias indústrias de produção de tijolos, lajotas, telhas e etc. O crescimento desse pólo foi determinado pela expansão imobiliária dos últimos anos. Segundo informações de industriais do Vale, pelo menos 10 novas empresas se instalaram nos últimos anos.

Mineração – O potencial acerca da mineração decorre da proximidade com outras regiões, como Jucurutu, por exemplo. À época da idealização do Pólo Gás-Sal, estava prevista a criação de unidades industriais de beneficiamento de minérios em Alto do Rodrigues, cidade que compõe o Vale do Açu. Esse potencial seria aproveitado principalmente no caso da instalação da ZPE do Sertão.

Petróleo e Gás – A instalação, por parte da Petrobras, de um pólo de exploração de petróleo e gás natural em municípios como Pendências e Alto do Rodrigues deu uma dinâmica diferenciada ao Vale do Açu. Hoje, os royalties da exploração desses bens compõem grande parte da renda do poder público e de particulares.

Polo de processamento e exportação – Caso a ZPE se torne uma realidade, o Vale se tornará um polo de processamento de matérias-primas e exportação. Embora boa parte dos empregos com maior poder aquisitivo não fiquem com pessoas da região, por conta da baixa escolaridade ainda existente, o setor de serviços e fornecimento de matéria-prima seriam beneficiadas.

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