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Rigidez e reforma

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Marcelo Alves Dias de Souza
Procurador Regional da República

Como de praxe, postei na rede de e-mails dos Procuradores da República o artigo que publiquei aqui na semana passada – “O problema do nosso modelo misto”. Nessa rede, um colega Procurador, interessado no tema e curioso, fez algumas perguntas interessantíssimas: em era de súmulas vinculantes, uniformizações, etc., como fazer para a jurisprudência evoluir se os recursos sequer têm trâmite porque a decisão atacada está de acordo com o entendimento consolidado no Tribunal ou na Súmula? E se esse não for o melhor entendimento, ele ficará “cristalizado” para sempre?

De fato, ele tocou num ponto importantíssimo: uma das maiores críticas a qualquer modelo de precedentes vinculantes é o possível engessamento do sistema como um todo, o que, sem dúvida, é algo preocupante.

Nos países que adotam a teoria do “stare decisis” (ou seja, de vinculação geral aos precedentes), o fato de as cortes terem de seguir seus próprios precedentes e os precedentes das cortes superiores faz o sistema, em princípio, ser tido por bastante rígido. Sobretudo, porque, como se sabe, apenas em pouquíssimos casos, a partir da persistência das partes, um processo chega, por exemplo, à Suprema Corte do Reino Unido (que substituiu, no topo do aparelho judicial daquele país, a House of Lords) ou à Suprema Corte dos Estados Unidos, o que parece não ser o caso do Brasil, onde “tudo” chega ao Supremo Tribunal Federal. Por óbvio, não é salutar imobilizar a evolução natural da jurisprudência.

Entretanto, é necessário esclarecer melhor as coisas.

Os sistemas que adotam a teoria do “stare decisis” têm também a sua faixa de flexibilidade, que é maior nos Estados Unidos do que na Inglaterra. Entre outras coisas, há, primeiramente, o poder de distinguir, que, usado corretamente, dá aos tribunais liberdade para se afastar de decisões anteriores; ademais, mesmo que seja uma exceção, há a possibilidade do “overruling”, que servirá para, revogado um precedente considerado incorreto, desenvolver o Direito.

O exemplo dos Estados Unidos serve para comprovar que a existência da vinculação aos precedentes dentro de um sistema jurídico não quer significar imutabilidade perpétua. Na verdade, havendo uma decisão anterior de seguimento obrigatório, o que está vedado ao julgador é apartar-se dela arbitrariamente; todavia, é possível afastar-se do precedente mediante o emprego de uma fundamentação suficiente e razoável.

Como explica Andrés Ollero Tassara (em “Igualdad en la aplicación de la ley y precedente judicial”, Centro de Estudios Constitucionales, 1989): “A vinculação ao precedente não impedirá que o órgão judicial mude a interpretação de uma norma e, com isso, dê entrada a um novo processo de normatização jurisprudencial. A sucessão de paradigmas interpretativos na aplicação de idêntico texto legal vem exigida pela história da realidade social e jurídica, constituindo uma exigência da justiça. Para garantir a justiça e – subsidiariamente – preservar a segurança jurídica, o juiz tem de apresentar uma fundamentação objetiva e razoável. Deverá fazê-lo em todos os casos em que mude de critério interpretativo diacronicamente, diferentemente do legislador, cujo relacionamento direto com a soberania popular faz presumir legítima qualquer mudança normativa, devendo justificar tão-somente as mudanças que impliquem um tratamento sincrônico desigual entre os cidadãos”.

No mais, quanto às súmulas – e especialmente quanto à Súmula Vinculante do Supremo Tribunal Federal -, há mecanismos de correção e atualização já previstos. O § 2º do art. 103-A da Constituição Federal (e a Lei 11.417/06, que regulamenta o instituto) estabelece a possibilidade de revisão ou cancelamento de enunciado da Súmula Vinculante, que se torne, por algum motivo, incompatível com o Direito. O próprio Supremo Tribunal Federal, de ofício, por proposta de um ou mais de um de seus ministros, poderá proceder à revisão ou ao cancelamento da súmula.

Ademais, prevendo a legitimidade para a provocação externa, o § 2° do art. 103-A da CF dispõe que, sem prejuízo do que for estabelecido em lei (a Lei 11.417/06), a revisão ou o cancelamento de súmula poderá ser provocado por aqueles que gozam da prerrogativa de propor a ação direta de inconstitucionalidade e que atuam como legítimos representantes da sociedade.

Bom, finalizando, acho que a “regra de ouro” é ter um bom sistema de precedentes vinculantes (que proporcione uniformidade, estabilidade etc.) com mecanismos que permitam correções e atualizações (tipo o previsto para a Súmula Vinculante do STF).

E eu mais uma vez pergunto: quanto a isso, alguma ideia, caro leitor? 

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