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RN tem deficit de equipes, embora existam recursos

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Margareth Grilo
Repórter Especial

Implantada no Rio Grande do Norte, em 1998, a estratégia de Saúde da Família, que surgiu como PSF (Programa de Saúde da Família), ainda está, por assim dizer, na fase da “adolescência”. Permeada de conflitos e fragilidades. E basta visitar alguns municípios do Estado para perceber que ainda falta muito para que o programa assuma “ares e deveres de adulto”. No RN, os avanços existem, mas sobram deficiências e reclamações. Faltam qualificação e eficiência.

Criado no país em 1994 (na época tiveram quatro projetos piloto no RN – Pilões; Macaíba; Ceará-Mirim e Natal)  o programa tem hoje muitos nós críticos, começando pela atração e fixação do médico, sobretudo no interior. “Quanto mais distante da capital, mais difícil é atrair e manter o médico no município”, reconhece a coordenadora da ESF no Estado, Uiacy Alencar, da Secretaria Estadual de Saúde Pública.

Mas esse não é o único problema. Outros nós são: a deficiente formação clínica dos médicos; a baixa autonomia dos enfermeiros; a baixa resolutividade e falta de qualificação das USF, sem falar da decadente estrutura da maioria das Unidades Básicas de Saúde – atualmente mais de 75% dos ESFs funcionam em UBS.

Aliado a isso, tem as dificuldades de acesso aos locais de trabalho e à falta identificação dos profissionais com a estratégia. Todos esses fatores alimentam a elevada rotatividade e instabilidade das equipes; o descompromisso; e fragilizam as regras da estratégia de saúde da família, como, por exemplo, a jornada de trabalho. Durante três dias, a reportagem da TRIBUNA DO NORTE visitou oito municípios. Na maioria, o tempo real de trabalho é diferente do tempo contratado.

Em torno da ESF se formou um mercado predatório, que promove uma espécie de leilão, oferecendo vantagens financeiras e de redução de jornada de trabalho inferior a 40 horas, contrariando a Portaria 648/2006. Essa barganha, aliada à precarização da relação de trabalho, fragiliza ainda mais a relação do médico com a estratégia de saúde da família.

A estratégia de Saúde da Família chega aos 167 municípios do Rio Grande do Norte. Mas a cobertura não é de 100% da população. A ESF cobre, atualmente, 77,44% da população potiguar. Ou seja, dos 3.137.541 habitantes 2.541.949 estão amparados pelas equipes do programa. Mais de 595 mil habitantes não tem cobertura nem mesmo de um agente de saúde.

Isso por uma razão: oito municípios – exatamente, os mais populosos – inclusive a capital – ainda não conseguiram implantar todas as equipes a que têm direito, e que já estão credenciadas. Juntos, os municípios de Apodi, Currais Novos, Caicó, Parnamirim, Mossoró, Macaíba, São Gonçalo do Amarante e Natal ainda poderiam implantar 224 equipes de Saúde da Família, segundo a informações disponíveis no site do Departamento de Atenção Básica, do Ministério da Saúde (DAB).

Elas estão autorizadas pelo Ministério da Saúde, com verbas garantidas, segundo a técnica que comanda o monitoramento do Saúde da Família no Estado, Uiacy Alencar, da Secretaria Estadual de Saúde Pública. No estado, 159 municípios implantaram 100% das ESFs credenciadas pelo MS, conforme levantamento extraído do DAB em 12/05.

Somente para esses oito municípios o montante de recursos que poderiam ser disponibilizados é da ordem de R$ 1,5 milhão, considerando a média de repasse por equipe, efetuado em março/2011 para cada um desses municípios. “O Ministério autorizou. O dinheiro está lá para ser disponibilizado, basta os municípios se organizarem para implantar”, diz Uiacy Alencar, da Sesap. As equipes, disse ela, foram se expandindo nos municípios sem uma condição adequada, sem que as estruturas fossem sendo ampliadas e modernizadas para dar melhor condições de trabalho aos profissionais e de atendimento.

Baixa oferta de médicos é problema

Em todos os oito municípios visitados pela TRIBUNA DO NORTE uma unanimidade: os gestores dizem que o déficit de equipes existe pela baixa oferta de profissionais, sobretudo médicos. E, por essa razão, se tornam “reféns” dos que se dispõem a cruzar os limites da capital. Para se ter idéia da dimensão desse problema, atualmente, cerca de 20% das equipes implantadas no Rio Grande do Norte estão incompletas.

A situação é comum: número de médicos é insuficiente e os que trabalham estão sobrecarregadosAs informações são do Conselho de Secretários Municipais de Saúde (Cosems/RN). “Enquanto perdurar esse quadro de precarização da relação de trabalho, esse verdadeiro leilão de quem oferece mais salário e mais vantagens, e o subfinanciamento, os gargalos vão continuar. Os municípios não tem como colocar mais recursos do que eles já disponibilizam”, alerta a presidente do Cosems, Solane Costa.

No município onde é secretária de Saúde, São José de Mipibu, das 16 equipes, três estão sem médico. Para garantir a permanência dos médicos, na maioria dos municípios impera um acordo entre prefeitura e profissionais para carga reduzida. E, mesmo oferecendo bons salários e vantagens em folgas, muitas vagas chegam a ficar em aberto, por três meses ou até mais.

Atualmente, segundo Uiacy Alencar, da Sesap, cerca de 90% dos contratos são precarizados – alguns até informais, ou seja, “de boca”. Oficialmente, é feito somente o registro do médico no CNES – Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde. “Não são poucos os casos que o profissional faz contrato de 40 horas, e fica apenas dois, três dias por semana”, mencionou. Normalmente, os contratos são de 11 meses, pra não gerar vínculo. 

O pequeno município de Passagem, a 60 km de natal, tem um ESF e o único médico atende das 8h às 11h. Todos os dias, exceto na sexta-feira, o posto fica praticamente não tem atendimento na parte da tarde. Quem chega para alguma orientação ou solicitação é antedido pela técnica de enfermagem ou pela enfermeira.

A secretária municipal de Saúde de Passagem, Lívia Laise Lima Torres disse que a carga horária reduzida não traz prejuízo porque o município não tem área descoberta. “Não tenho nem 3 mil habitantes, então não há demanda reprimida. Se adotarmos o cumprimento dessa jornada não tem um médico que fique. Nós aceitamos as condições que eles impõem para não ficar sem médico”, afirmou.

Segundo ela “dependendo da demanda” ele fica até 13h30. Tem dias que ele chega a atender 70 pessoas. Na saída do médico anterior em 2010, a unidade ficou mais de dois meses sem médico. Ela defende que o governo federal flexibilize a carga horária, para permitir que os municípios façam contratos 20 horas. O município paga R$ 5.000,00 ao médico e mantém uma casa de apoio para os profissionais, ao lado da unidade.

RN tem 303 profissionais com mais de três vínculos

O Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES traz 303 profissionais da Estratégia de Saúde da Família em 140 municípios do Rio Grande do Norte com vínculo em mais de três estabelecimentos de saúde, uma desconformidade com a recém-editada portaria 134/2001. Todos os profissionais identificados em situação irregular estão com advertência e os estabelecimentos aos quais estão cadastrados foram submetidos a análise.

A sanção prevista é a suspensão do repasse de recursos referentes ao custeio da ESF à qual o profissional está vinculado. Já no último dia 25 de abril, o Ministério da Saúde publicou quatro portarias – uma delas relacionada ao Rio Grande do Norte – suspendendo verbas em 345 municípios do país. No RN, 13 municípios tiveram repasses de recursos, da ordem de R$ 172.818, referentes às competências de janeiro, fevereiro e março, suspensos.

Exemplos de duplicidade de cadastro e de incompatibilidade de carga horária não faltam no Rio Grande do Norte. Tomando por base, as informações do CNES existem situações mais graves, onde  cumprir a jornada cadastrada é humanamente impossível. Um exemplo chama atenção. O profissional é especialista em Otorrinolaringologia e tem, nada menos, que 322 horas ativas.

Para cumprir sua extensa  jornada semanal ele precisa sair de Natal, onde exerce clínica médica,  a São Miguel, onde tem contrato de 40 horas como médico de saúde da família. Percorre, na semana uma distância de 444 km, com passagem para trabalho em 11 municípios. O permitido para o médico é uma carga de até 64 horas.

Em Taboleiro Grande, que também teve verbas suspensas (veja gráfico), o profissional tem vínculos em sete cidades do RN e duas do CE, segundo dados do CNES da quinta-feira, 12/05. Ele soma 161 horas de jornada. Ou mesmo, um médico que atua em Macaíba e Parnamirim e consta no CNES com cadastrado em outras 9 cidades do RN. A alegação da maioria dos médicos é de que solicitam o desligamento, quando saem do município, mas não chega a ser feito.

Em Parnamirim, a médica Zélia Araújo de Medeiros Galvão se surpreendeu por saber que seu cadastro continua ativo no ESF do Capim de Bom Jesus. Há quase dois meses ele deixou a unidade. Efetivamente ela trabalha no centro de Saúde do Parque Industrial. “Não sei se foi descuido, mas já pedi pra tirar várias vezes”, diz ela.

Zélia já está cadastrada no município de Parnamirim, há mais de 30 dias. Essa é uma situação mais comum do que se pensa e, por vezes, ocorre de forma deliberada para garantir a verba do ESF. “Como o município três 90 dias para excluir o cadastrado ele segura até o limite, às vezes até conseguir novo médico”, diz Uiacy Alencar, da Sesap. No município, a coordenadora da ESF, Paula Daniela Ribeiro do Nascimento, apresentou documento para comprovar a exclusão da médica. No CNES o cadastrado continua ativo.

MPF investiga carga horária e compatibilidade

O Ministério Público Federal já abriu vários procedimentos para investigar o cumprimento da carga horária de trabalho dos profissionais de saúde e a incompabilidade. A procuradora federal Clarisier Azevedo Cavalcante de Morais citou, pelo menos, a existência de três ações que apuram esse tipo de irregularidade na Estratégia de Saúde da Família.

“É absolutamente impossível cumprir uma jornada de 120 horas. E é absurdo que a população que já sofre com tantos outros problemas no dia-a-dia,. Quando chega na unidade de saúde não tem médico  porque ele não cumpre sua carga horária”, afirmou. Ele comemorou uma decisão recente da Justiça Federal condenando o atual prefeito de Equador, Vanildo Fernandes Bezerra. Ele foi acusado de acumular os cargos de médico do estado, do Saúde da Família e o cargo de secretário municipal de Saúde de Caicó.

A sentença que saiu 28 de fevereiro, suspendeu os direitos políticos  do gestor pelo prazo de quatro anos, além da aplicação de multa. Ficou determinado o pagamento de multa correspondente a 30 meses de remuneração  recebida na condição de médico do estado e da ESF. O médico também está proibido de contratar com o poder público por três anos.

Nos municípios de Assu, Carnaubais e Porto do Mangue, o Promotor de Justiça da 3ª Promotoria de Assu, Rafael Paes Pires Galvão, instaurou três inquéritos civis para apurar o cumprimento das 40 horas semanais e as razões para a existência de horários diferenciados.  No caso de Porto do Mangue, o Promotor de Justiça teve acesso a documento que aponta para o cumprimento de apenas metade da carga horária.

As investigações levam em conta a portaria 648/GM, do Ministério da Saúde, que aprovou a Política Nacional de Atenção Básica, e que estabelece o cumprimento da jornada de 40 horas semanais de todos os profissionais nas equipes de saúde da família, de saúde bucal e agentes comunitários. O presidente do Conselho Regional de Medicina, Jeancarlo Fernandes, disse que está atento a esse problema. Por orientação do Conselho Federal de Medicina,  o Cremern vem apurando denúncias, por se tratar de programa com verba federal. 

“Determinar o cumprimento da carga horária é um ato administrativo do gestor, mas no momento que ferir a ética médica, como o não atendimento a um paciente que vier a ter complicações, o Conselho agirá”, disse ele. Na Ouvidoria da Sesap, segundo o coordenador Beto Madruga, das 183 denúncias, mais de 21% são relativas à ausência do médico na ESF.

“Os problemas vem não para desqualificar o programa e dizer que está falido, mas pra forçar uma mudança”, acredita a presidente do Cosems, Solane Costa. Segundo ela, houve uma evolução muito grande. “Antes do programa muitos municípios sequer tinham profissionais de saúde, principalmente médico, mas atualmente, o programa requer uma resignificação, uma reavaliação profunda”, diz ela. Apesar das dificuldades, corroborou Uiacy Alencar, coordenador da ESF, na Sesap, a estratégia melhorou e muito o perfil epidemiológico do estado. O programa conseguiu melhorar o acesso ao pré-natal; aumentar a cobertura vacinal; reduzir a desnutrição e trabalhar melhor o problema da gravidez na adolescência.  “Houve uma expansão do acesso à atenção primária, agora precisa trabalhar a qualidade desse acesso e o estado vai se esforçar para alcançar essa meta”.

Parnamirim e Macaíba tentam expandir Saúde da Família

Para tentar expandir as unidades de Saúde da Família, Parnamirim e
Macaíba, estão pleitando junto ao governo federal, por meio do PAC II,
recursos para construção de novas estruturas para Unidades Básicas de
Saúde.
Nelas, serão implantadas as ESFs credenciadas, mas não implantadas.
Parnamirim, por exemplo, pode implantar mais 29 unidades de Saúde da
Família.

O secretário adjunto de Saúde, Henrique Costa, salienta que não
é só construir as unidades. A exemplo de outros gestores, ele reclama
do baixo financiamento da ESF, da escassez de recursos próprios dos
municípios e da baixa oferta de médicos. São pontos que  travam a
expansão do programa e até mesmo a complementação das equipes já
implantadas e que estão sem médico. Três equipes estavam sem médico até o
início de maio.

“Existe um subfinanciamento terrível. Hoje, o custeio é bancado pela
prefeitura, inclusive com complemento de salários”, afirma. Segundo ele,
o município desembolsa, por equipe, R$ 10 mil. O repasse federal do ESF
é de R$ 6.400,00 para municípios com IDH maior que 0,6 e R$ 9.600,00 no
caso de IDH menor que 0,6.

Em Parnamirim, das 71 equipes credenciadas, 42 foram implantadas. O
município pleiteia oito USBs no PAC II. Outras três estão em construção,
com recursos do Fundo Nacional de Saúde. De acordo com estimativas do
Cosems uma equipe de Saúde da Família exige investimentos entre R$ 20 e
R$ 25 mil para seu funcionamento. O Governo Federal custeia 1/3 desse
valor. No começo do programa essa parcela chegou a ser de 2/3.

A expansão do programa em Parnamirim estagnou, a partir de 2009. Em
1999, eram 06 equipes; em 2001, 12; em 2004, 22; em 2007, 36; e em 2009,
passou para 42. Há dificuldade inclusive de manter os médicos já
contratados. “Hoje, nós temos 10 médicos que acenam que vão sair do
programa, mediante assédio de cidades vizinhas”, afirmou Henrique Costa.

Na unidade de Estratégia de Saúde da Família de Bela Vista, zona rural
de Macaíba não tem médico na quarta-feira. Nesse dia, a médica dá
plantão em unidade hospitalar, em Parnamirim, onde tem contrato com
vínculo empregatício de 20 horas. Os pacientes reclamam mais presença
dela na unidade.

“Dizem que ela só não vem na quarta, mas minha primeira consulta já foi
remarcada duas vezes porque ela não veio em outros dias”, reclama Joana
D’ark Dossantos, grávida de cinco meses. Na quarta-feira, 27 de abril,
Joana tinha a segunda consulta, mas a médica estava de folga. “Todo mês a
gente quer saber como está o bebê e sem médico fica difícil”, reclama.

Segundo a enfermeira chefe da unidade, Márcia Carvalho, são realizados,
por mês, 330 atendimentos médicos, e ninguém que chega à unidade sai sem
atendimento. A área de cobertura é de 1.400 famílias no bairro Bela
Vista.

Em Macaíba, segundo o secretário de Saúde, Júnior Rego, oito unidades
foram credenciadas há 15 dias. “Estamos no planejamento para implantar
essas equipes, em prédio de novas unidades básicas no padrão que criamos
para nossa rede”, afirmou. Duas USBs já estão em construção, uma foi
concluída e outras cinco foram pleiteadas no PAC II.

O município tem 28 ESFs credenciadas e 20 implantadas, com cobertura de
76% da população. As áreas descobertas são atendidas por uma equipe
volante, própria da prefeitura. “Optamos a trabalhar dessa forma para
evitar clarões de desassistência”, disse.

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