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Ronaldo Fraga: “A moda é a leitura do tempo”

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Anna Ruth Dantas – Repórter

Se muitos classificam moda como andar com roupas de grife, outros apontam moda algo fútil. O estilista mineiro Ronaldo Fraga, com 25 anos de atuação no mercado, marca própria de roupas, desmistifica os conceitos e define que a moda está intimamente relacionada a própria cultura. “Moda é o tempo que estamos vivendo”, diz. Para rebater a futilidade que muitos atribuem ele desabafa: “Isso é um desavisado. No Brasil (a moda) é o segundo setor que mais emprega. Hoje a moda do São Paulo Fashion Week só perde em volume de mídia para a final de Copa do Mundo quando o Brasil está jogando. A moda hoje atinge e desperta atenção da classe A a Z de ambos os sexos e você vai dizer que isso é fútil? De forma alguma”.

Para Ronaldo Fraga o momento da moda é de diversidade e autoralidade. Nessa esteira ele desenvolve o trabalho de criar moda no Rio Grande do Norte, uma ação que conta com a promoção do SEBRAE. “No caso do Brasil acho que temos uma grande vantagem que é a possibilidade de gerar emprego e renda e ainda gerar cultura. O Estado do Rio Grande do Norte territorialmente é pequeno, mas tem uma cultura muito determinante”, destaca. O convidado de hoje do 3 por 4 é um mineiro que fala aberto, com tranqüilidade e muita sobriedade. Ronaldo Fraga traz nos comentários e conceitos de moda muita propriedade e dá uma boa demonstração do porquê estar fazendo sucesso nas passarelas.

Com vocês, Ronaldo Fraga:
Com 25 anos de atuação no mercado, Ronaldo define que a moda está intimamente relacionada à própria cultura
Quem dita moda?
Hoje a moda vem de várias frentes. Até os anos 80 e início dos anos 90 que a moda obrigatoriamente saía do “prêt a porter” de Paris e de Milão. Isso mudou. Nos anos 90 descobrimos a moda vindo da rua. Manifestações de rua influenciando as passarelas. E hoje no mundo moderno se eu te responder que a moda vem da rua, vem da televisão, do filme, da celebridade instantânea. O que existe de real é que a forma como pesquisávamos tendência mudou. Terminou semana passada a temporada francesa de moda. Você vai analisar tudo que foi lançado em Paris, Milão, Nova York, você vai olhar e não poderá dizer qual o cumprimento da estação porque na Prada o cumprimento está no joelho, o Marc Jacobs estava mais acima. Então, hoje nós vivemos o mundo ou a moda quando estudamos para o futuro ela será guiada pela esfinge da diversidade. E quando fala em diversidade aí o Brasil está na frente.

Então esse conceito de diversidade da moda traz vantagem para o Brasil?
Isso é ótimo porque é o momento de se investir em autoralidades. Hoje não quer dizer que o estilista X que resolveu se inspirar na cultura sertaneja, por exemplo, no Agreste do Rio Grande do Norte, que ele vai estar fora de moda. De forma alguma. O mundo hoje e o mercado de moda o que está pedindo é justamente a surpresa que vem com as autoralidades.

Qual a relação que você faz entre estar na moda e usar roupa de grife?
Tem uma coisa que eu diria: vamos entender estar na moda e ter estilo. Estar na moda, falam o que estão usando. Para uma grande massa a moda é o que a Vera Fischer apareceu na novela ontem, é o que a atriz da novela das 8 apareceu e será copiado exaustivamente nas próximas duas semanas. Para muitos estar na moda é vestir como estava a vitrine da Collect em Paris. Então é muito difícil isso. Agora ter estilo não. Estilo é marca, é visão de mundo, estilo é a forma como você se comunica no seu grupo e não é só a roupa, mas o que você veste, o que você lê, o que você come, os lugares que você freqüenta, os amigos que você possui. Isso tudo irá desenhar o estilo de uma pessoa.

E a grife?
A grife é aquela história. A cada dia, cada vez mais ela é discutida porque até bem pouco tempo atrás grife era algo que tinha que ser caro. Roupa de grife era roupa cara. Grife é marca, roupa de marca. Eu prefiro achar que você tem marcas que são direcionadas pelo conceito. É determinado grupo que vai comprar aquela roupa pelo que ela expressa, pelo canal de comunicação dela. Agora sempre a marca, ou a roupa de marca, será um dos códigos de qualquer sociedade para traçar o perfil.

Quem tem mais estilo o homem ou a mulher?
É a mesma coisa. O que ocorre é que como o homem viveu historicamente a repressão do estilo de vestir. Veja que no século XVIII, no século XIX, quem experimentava as novidades da moda primeiro era o homem. Quem usou peruca primeiro foi o homem, quem usou o salto alto primeiro foi o homem. Agora o homem no século XX tomou outro perfil até mesmo em função da ascensão feminina. O que já existe uma previsão para esse século é cada vez mais uma conquista da liberdade maior do vestir masculino. Então, até dez anos atrás o homem que chegasse na reunião de executivo com uma camisa cor de rosa ele iria virar assunto e nem reunião teria. Hoje é uma coisa corriqueira. O homem que está com terno com gravata de bolinha há um tempo atrás era muito comentado, hoje não, uma gravata de bolinha é uma coisa super elegante. Esses códigos o tempo inteiro irão se embaralhar. Agora a grande consumidora ainda é a mulher.

Quem assiste os desfiles europeus ver roupas um tanto exageradas.
Para se entender uma produção onde o conceito é levado as últimas conseqüências é preciso ter uma certa cultura de moda e formação para entender aquilo. Tem duas explicações. A passarela é o último momento em que a roupa pertence ao estilista. Daqui a oito minutos ele coloca, além de apresentar o conceito, transportar as pessoas para dentro daquele universo proposto. Comprar a roupa, ver a roupa, a pessoa vai ver na loja, no show room. Agora no caso do Brasil e falo por mim mesmo, tudo que ponho na passarela está na loja para vender. A roupa mais absurda que você possa imaginar aparece alguém querendo comprar. Isso em face da diversidade que é o Brasil e o mercado hoje.

Você faz relação entre a moda e o termo brega?
O conceito de brega é muito relativo. O que é brega para um grupo não é para o outro. Isso tem mais uma relação de código de vestir e código de conduta. Isso que definirá se uma coisa é brega ou não. Para um determinado grupo, uma bota de couro de cobra é altamente brega, para outro é um grande luxo.

O que vem na moda agora?
Vamos viver agora a época das macrotendências, é o que vai direcionar caminhos não só para moda, mas para o mundo do consumo. Prestem atenção a tudo que se refere a água. A água será o grande balizador. A água virou o luxo do nosso tempo e será cada vez mais isso. A tendência agora que vai direcionar moda, arquitetura, produto, enfim tudo de consumo é a água. A moda está sempre ligada com o tempo que a gente está vivendo. Você tem sempre que fazer essa relação. Por isso, que acho que o conceito mais preciso do que é moda é que é o conceito mais preciso do tempo que estamos vivendo.

Muito se fala de moda e alguns a classificam como fútil.
Isso é um desavisado. No Brasil é o segundo setor que mais emprega. Hoje a moda o São Paulo Fashion Week só perde em volume de mídia para a final de Copa do Mundo quando o Brasil está jogando. A moda hoje atinge e desperta atenção da classe A a Z de ambos os sexos e você vai dizer que isso é fútil? De forma alguma.

Como você imagina criar moda a partir de um Estado como o Rio Grande do Norte?
Esse é o segundo projeto (feito com o SEBRAE). A primeira edição foi um sucesso, foi surpreendente. As pessoas perguntavam se teria o segundo projeto do Rio Grande do Norte. Isso surpreendeu porque primeiro é uma demanda do próprio país de entender a moda como cultura, como ocorre essa relação em outros países do mundo. Então quando você vê o que é o produto moda na Inglaterra, na França, na Bélgica, na Itália, é um produto que sempre foi entendido como produto de reafirmação cultural. No caso do Brasil acho que temos uma grande vantagem que é a possibilidade de gerar emprego e renda e ainda gerar cultura. O Estado do Rio Grande do Norte territorialmente é pequeno, mas tem uma cultura muito determinante. E tem outra coisa que chama atenção, que é um dos destinos de turismo do país mais procurado. A primeira vez quando o SEBRAE me convidou para pensar um projeto, projeto esse que adoro, além da minha marca própria, uma coisa que sempre fiz e amo é esse trabalho com núcleos, seja núcleo de artesão, de confecção. Em todos eles (núcleos) não perco de vista que é preciso gerar emprego e renda com reafirmação cultural.

No caso do Rio Grande do Norte onde está o grande potencial para moda?
O Rio Grande do Norte tem uma indústria da moda ainda para florescer, é uma indústria ainda pequena. E acho que tem uma vantagem nisso porque é a chance de fazer correto. Hoje com tantas informações que temos é mais fácil procurar um caminho que agregue mais valor a isso. Desde o início pensei: um destino que atrai o desejo de turismo do Brasil inteiro, como trazer isso para moda? Que a moda também emane isso, que você olhe uma peça produzida no Rio Grande do Norte e sinta o cheiro do mar, que sinta o barulho das ondas, a solaridade desse Estado. Ele (o Rio Grande do Norte) se você pensa em artesanato é muito rico, tem renda, pintura. Se fala em literatura, para começar você já tem Câmara Cascudo, que é um dos maiores folcloristas do país. Acho que o grande desafio é colocar toda essa cultura como instrumento de pesquisa para moda e através da moda propor uma apropriação não só de quem faz moda, mas também de quem consome. No primeiro projeto, nós tínhamos, como esse também, vamos segmentos da área de moda que estão envolvidos, moda praia, moda feminina, moda infantil. Em todos eles precisamos de iconografia do Rio Grande do Norte e foi desenvolvido um produto que não tem nada a ver com traje típico. Tem uma coisa de pensar um conceito, se essa cultura fosse roupa como seria? Seria uma roupa de fibras naturais, vamos lembrar quanto na história desse país o Estado produziu o algodão que já foi um dos melhores do mundo, a própria cartela de cores, não combina uma cartela fechada com essa cultura do Estado.

O que foi determinante para você fazer um nome na moda?
Força de trabalho, persistência, acreditar numa face da moda e apostar nela. Completo 30 desfiles esse ano, 15 anos como marca, soma-se aí mais 10 anos de aprendizado, 25 anos como estilista, digo que desde o início na moda e foi aí que entrei foi esse poder de transformação do olhar, transformação cultural da moda. Não se deixar levar pelo canto de serei dela. O momento de glamour da moda é 0,1% da moda dela. Aquele momento de desfilar com champagne (na passarela) é um décimo de toda realidade da moda.

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