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Sampa em dois movimentos

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Dácio Galvão [ [email protected] ]

Movimento primeiro. Na conversa na casa de Cid conhecemos o novo estúdio. Antessala asseiada ambiente aberto para um bosque de solo ovalado parecido com serrotes sertanejos. Dava para visualizar várias sabiás saltitantes. A vegetação claro não era caatingueira. O bairro é Vila Ida em São Paulo. Uma reprodução artística na parede do criador do “ready made” o francês Marcel Duchamp chama a atenção. As guitarras bem dispostas adequadas como luvas de pelica nas mãos nos suportes aéreos compõe um clima envolvente agradável. A parafernália digital. Falamos das experiências de gravações anteriores das quais participaram o multiartista Walter Silveira oralizando o poema OLHO de Anchieta Fernandes. Tetê Espíndola recitando “Rede“ de Jorge Fernandes. Arrigo Barnabé o poema visual “Não gosto de Sertão Verde” de Câmara Cascudo. O poeta Jomard Muniz de Britto e Pedro Osmar relendo “O Grilo” de Luis Carlos Guimarães e “O Homem” de Miguel Cirilo. Péricles Cavalcanti fazendo “Vestígio” de Homero Homem… Há época dissemos assim: ”…Moagem da poesia ao poema / Furo no estático da página / No tratamento sonoro.  / Na oralização.” Tudo sob o manto gráfico arrojadíssimo do designer Afonso Martins para o CD POEMÚSICA. Falamos de possibilidades de novas investidas. Eis que o telefone me passado. Na linha Augusto de Campos se desculpando pela impossibilidade do nosso encontro. Falou da sua mostra na qual havia participado presencialmente na Argentina e das entrevistas que estava concedendo naquele dia em função dos relançamentos de seus livros entre eles “Pagu vida e obra”. Saindo vi na sala principal um característico quadro de José Roberto Aguilar. Alma lavada. “Mares do mar – que invade as praias singulares de outros futuros mares – “ fragmento do poema “Como se o mar rompesse” de Emily Dickinson tradução de A. de Campos musicalizado no último CD “NEM” de Cid sai me invadindo já no meio do tráfego paulistano.

Movimento segundo. Em Perdizes ao chegar ao edifício vou me identificando e já perguntando se o porteiro é nordestino. Sim. Paraibano. Somos recebidos no escritório (? )-estúdio por Dona Neusa. Na semelhança física lembra muito Nélida Piñon. Gentil vai adiantando: -Vamos subir que ele disse quer lhe receber em casa. Pegamos novamente o elevador e fomos então para o outro andar. Sentado despenteado cheio de energia o papo vai rolando deslizando para as origens da música brasileira. O músico e linguísta Luiz Tatit é parceiro dessa preocupação digamos de uma dada “ontologia da canção brasileira” vai sendo pontuado no bate-papo ininterrupto. Tom Zé em jorro narrativo vai fazendo a travessia em largas braçadas superando ondas de águas do além- mares. Intransigente preocupação: o nascimento da canção brasileira. Traça uma trajetória Pérsia, Mar Mediterrâneo, Andaluzia, cultura celta multitribal e a canção árabe. Canto ladino. Iberismos: “sou filho disso”, diz. Acentua que quando a Inglaterra (“mãe do mundo”) dos Beatles fez o rebuliço que fez uma certa vergonha depois pairou sobre nós apesar do King’s College de Londres se encaminhar para pesquisar a cultura do Brasil partindo  nada mais nada menos da canção brasileira! Pairou simbolizada pela negação dessa origem a que Tom se refere. Sai desenrolando e destilando preconceitos a respeito da oralidade nordestina. Fareja Euclides da Cunha quando o escritor ele se refere aos três séculos de poesia. Enxerga o cientista Miguel Nicollelis como alguém que acolhe e admira a inteligência do povo do Rio Grande do Norte e da Paraíba entra de raspão. Citado no papo é entrevisto positivamente num implícito e polêmico impacto sísmico no meio acadêmico notadamente a universidade brasileira.

Falamos também do lançamento da última produção “Vira lata na via láctea”. Seu mais recente trabalho cujo título vem a ser a faixa homônima do CD. É nessa valsa que Caetano Veloso participa cantando: “a primeira parceria que fizemos e cantamos juntos”. Milton Nascimento tá dentro cantando um texto de Fernando Faro sobre Elis Regina. O eterno tropicalista tá animado nesse próximo aniversário da cidade de Natal. Vem aqui celebrar fazendo show em praça pública. Disse o cronista José Miguel Wisnick na sua coluna no Globo a respeito da investida Tom Zé: “Não é fácil definir, porque não é óbvio e nem esquemático. Mas pode-se dizer que ali está o enigma do pós-humano, ou das mutações tecnológicas, da geração que vai ter que assumir a tragédia de governar, da adoração ao dinheiro…

Na despedida sorrisos e abraçaços fraternos. Inteligência e ironia. Fidalguia de Irará, interior da Bahia. E mais um texto bombardeando minha cabeça. É o da música ESQUERDA, GRANA, DIREITA: “O povo querida, querida / Ainda suspeita / Querida, querida / E nossa covardia, querida, querida / Masturba e deleita querida a / Esquerda grana e direita. Texto falado: quando o trabalhador cresce na sociedade e tem oportunidade de ser protagonista da História ele pratica o método do opressor porque foi o único método que aprendeu; então ele só sabe agir como o opressor. (Arrastão de Paulo Freire)”. Tom Zé performático mais vivo e politizado do que nunca.

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