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Saudades de uma amiga

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Sanderson Negreiros  [ escritor ]

Uma amiga, residente no Recife, Zenaide Almeida da Costa, é uma figura inesquecível: simpática, memória vasta como latifúndio, sensibilidade de quem deu de comer à Poesia na mão – espirito belo como as serras de sua infância, as que completam a eternidade das serras de São Miguel, Luís Gomes e Martins.

Eis, mais ou menos, o que ela me contou – uma história que agradaria profundamente a Jorge Luís Borges.

Na década de 30, meu irmão estava em Icó, Ceará, quando foi chamado para assistir à abertura de um sobrado velho, fechado há cerca de uns 70 anos. A família, parece-me que de um Barão, havia se mudado de repente, não se sabe o motivo, e a casa ficara fechada até àquela data. Passados esses anos todos sem que aparecesse alguém para reclamar direitos ou propriedade, os habitantes da cidade resolveram abri-la. No pavimento térreo encontraram uma sala de visitas com marquesões e cadeiras, quadros nas paredes, retratos e santos e um espelho de cristal com moldura dourada, tudo como se a casa estivesse sendo habitada, sem que houvessem arrumado nada para guardar ou deixar em ordem. Ao primeiro toque, tudo se desmanchou! Com a entrada do ar, os quadros caíram das paredes, o espelho também. Os móveis se transformaram em cinza e fragmentos de madeira puída. Ainda no térreo, a sala de jantar, também cheia de móveis: uma mesa, cadeiras, louças, etc., tudo foi desmanchando e quebrando ao toque das mãos dos visitantes, ou simplesmente pelo ar que circulava. Havia uma despensa cheia de sacos de café e uma adega com inúmeras garrafas de vinho. Os sacos se desmancharam e as garrafas caíram das prateleiras, estas, igualmente viradas cinza, sendo que todas estavam vazias, restando apenas uma massa escura dentro de cada uma. Os visitantes tomaram a escada para o pavimento superior e, enquanto iam pisando a escada, de madeira, a madeira se quebrava. Chegaram lá em cima, aproveitando restos de barrotes para firmar os pés, mas o assoalho também afundou. Restaram as vigas de madeira, sobre as quais eles andaram cautelosamente para ver o restante dos moveis: penteadeiras, uma cama, guarda roupas e espelhos, tudo caindo, se quebrando, virando pó. Num dos quartos havia uma rede armada, com varandas enormes, quase arrastando no chão. Esta não necessitou ser tocada. O vento soprou e desmanchou-a toda. Restaram, então, de uma possível nobreza falida, as paredes e o teto de um sobradão, cujas portas guardaram um segredo irrevelado, pois nem a tradição soube explicar o porquê de tudo aquilo.

PS. Auto-concedo-me também férias. Vou viajar para a Austrália. Estarei de volta em fevereiro, caso o caríssimo Carlos Peixoto me der guarida, aqui na Tribuna, onde meu mestre Woden Madruga recebeu-me há 50 anos. Mestre, irmão e futuro imortal, Woden se elegerá na vaga acadêmica do Ticiano Duarte – o saudoso grão-mestre do espaço infinito. (S.N.).

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