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Saudando o livro e o autor

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Woden Madruga [[email protected]]

Começo da noite de quinta-feira, tempo abafado carecendo de brisa fresca na cidade de antigos corsários, aconteceu na Pinacoteca do Estado (Palácio Potengi) o lançamento do livro Diário de Bordo – O legado de Jacques Drouvot, do escritor Francisco Antonio Fernandes. Encontros, reencontros, fila de autógrafos, bons papos, amigos e companheiros da mocidade, novos confrades. Francisco Antonio além de uma pessoa agradável é um senhor escritor, sedutor contador de histórias. Seus dois romances, este Diário de Bordo, lançado agora, e O Violoncelo, pulicado três anos atrás, comprovam. Está no gosto dos leitores e nas afirmações dos críticos e dos professores de Literatura.  No meio da festa de quinta-feira, o hall da Pinacoteca lotado, o escritor e professor de literatura Tarcísio Gurgel pediu a palavra.  Queria falar sobre o livro e autor. Fez-se silêncio e Tarcísio, com sua dicção de ator teatral premiado foi falando para o encantamento da platéia:

– Começo externando a necessidade de explicar o porquê de eu aqui estar, ocupando o lugar de alguém de maior calibre e mais proximidade com o autor.
– Ocorre que, como em tantas passagens do ‘Diário de Bordo”, fatores aparentemente aleatórios acabaram se tornando determinantes de desdobramentos desta trama, culminando com o convite formulado pessoalmente por Francisco, para que viesse a dizer algumas palavras neste ato.
– Até me tornar alvo desse privilégio, breves capítulos se passaram: um dia leio sobre ‘O Violoncelo’ e seu autor, na coluna de Woden Madruga, na Tribuna do Norte. E, claro, me surpreendo com as informações. Encontro Margarida Seabra na Cooperativa Cultural Universitária e ouço os seus comentários entusiasmados, com acréscimos de novas informações sobre o ficcionista. Algum tempo depois, informado pelo próprio Francisco, fico sabendo que ele e o escritor natalense Alex Nascimento têm origem comum.
– Quem conhece Francisco Cavalcanti sabe que é um notável conversador e, em suas conversas, inevitavelmente deixa transparecer a sua paixão por literatura. Desse modo, não foi difícil – uma vez apresentados, estabelecer-se uma forte empatia entre esse autor natalense que reside em João Pessoa e o mossoroense que fez Natal sua residência.
– Dizer, pois, que logo me entusiasmei com a amizade nascente, as publicações do seu autor e o convite mencionado é pouco. Porque logo me dei conta de que o autor que estreara com ‘O Violoncelo’ era uma pessoa singularíssima. Uso um superlativo que faz pesar em Augusto dos Anjos, mas, nesse caso, produzindo sentido oposto. O poeta, dominado pelo fascínio da linguagem da moda científica; nosso ficcionista – sem renegar a ciência – cumprindo sentido inverso: indo das formulações lógicas da ciência, para o romance. Um engenheiro a lidar com descrições dramáticas, situações de suspense, desfechos imprevistos.
– Conhecendo-o e lendo suas obras, não foi difícil entender que Francisco Antonio Cavalcanti é um ser movido a desafios. E é certamente por ser detentor de uma extrema coragem que tem conseguido superar barreiras, conseguindo provar, inclusive, que sua deficiência visual acabou levando-o a enxergar melhor.
– A minha admiração se reforça pelos comentários a respeito de sua trajetória e produção literária feitos por dois queridos amigos: o cronista e bibliófilo Vicente Serejo, prefaciando-lhe o ‘Diário de Bordo’, e o doutor em literatura, o escritor paraibano Neroaldo Pontes que fez a apresentação do autor no lançamento da obra na Fundação Casa José Américo na linda João Pessoa. São ambos responsáveis por comentários entusiasmados e de profunda acuidade sobre o autor e seu processo de escrita.
– Devo explicar que na minha longa atividade como professor de literatura nunca aderi integralmente à ideia de que, pronta e acabada, a obra adquire autonomia, como querem alguns teóricos, adquirindo uma completa emancipação autoral. É certo que, por definição, o discurso literário é polissêmico, abrindo-se prismaticamente a mil interpretações. Mas nem tanto ao mar nem tanto à terra.
– Nos livros de Francisco Cavalcanti encontro aspectos suficientes – segundo creio – para contrariar os que pensam daquele modo. A eles também se referiram os citados intelectuais quando, comentando o ‘Diário de Bordo” assinalam a predominância da fala do Narrador, conferindo-lhe a onisciência capaz de dar conta dos muitos pontos de vista que se entrecruzam no livro e das muitas estórias entrelaçadas.
–   Sendo conhecedor e grande admirador de uma literatura que vai da aventura ao thriller policial, o autor – sem abrir mão da correspondente ludicidade criativa – exercita sua capacidade de arquitetar situações e urdir possibilidades, como num jogo. Ou como num projeto de engenharia. Neroaldo Pontes, aliás, dirá: “O doutor em engenharia agora se apresenta como o engenheiro da palavra”.
– Tenho, por isso, a firme convicção de que atribuindo ao narrador onisciente a condição de alter ego, Cavalcanti quis assegurar-se de que nada naquela trama escaparia ao seu controle, com os inevitáveis cuidados de quem se encontra diante do desafio de realizar um grande projeto.
– Mas uma possível linearidade é quebrada por um exercício reiterado de metalinguagem, fazendo com que cada elo estabelecido na narrativa resulte em nova formulação linguística, a partir da confissão feita pelo narrador, já no prólogo: “O relato que resulta desses depoimentos incorpora naturais complementações, imprescindíveis  ao necessário liame entre as partes.”
– Encerrando, não é demais reconhecer que não cheguei a ser original. Mas, que seguindo as lições de Serejo e Pontes pude me dar conta de que o processo de criação de Francisco Antonio Cavalcanti, e o que dele resulta, são típicos de quem, dispondo de engenho e arte, pôde utilizá-los na produção de uma obra que, divertindo, exercita a inteligência. ”

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