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Saudosismo nas redes

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Yuno Silva – repórter

A busca por referências históricas, a necessidade de reencontrar elementos que forjaram a identidade cultural e a curiosidade sobre um passado recente, esfacelado pela falta imperativa de zelo, vêm causando frisson nas redes sociais. Alimentadas por imagens antigas, de uma Natal charmosa ainda entrecortada por linhas de bondes, pessoas de todas as idades estão praticando os mais novos ‘esportes’ da internet: “curtir” e “compartilhar”. Espalhadas em perfis aleatórios ou aglutinadas em endereços eletrônicos específicos, as fotografias – e as histórias que elas revelam – estão proporcionando verdadeiras viagens no tempo.
Série de fotos da Time-Life, clicadas por Hart Preston, trazem cenas inéditas de militares e civis na Natal de 1941.
Capazes de alterar a forma como a população enxerga a capital do RN e o próprio papel social dentro do atual contexto urbano, essas viagens ganharam nova rota com a publicação de um acervo formado por quase 300 fotografias feitas no início da década de 1940 pelo norte-americano Hart Preston (da revista Time-Life), que registrou a construção de bases militares dos EUA em Natal e no Recife durante o período da Segunda Guerra Mundial. Porém, bem antes das imagens de Preston serem disponibilizadas na internet, um vasto material de fotógrafos visionários como Jaecy e Luiz Grevy já circulavam na rede.

Um dos primeiros a compartilhar imagens antigas de Natal foi o jornalista e pesquisador Sandro Fortunato, responsável pelo acervo da página eletrônica Memória Viva. “A procura pela identidade é um fenômeno mundial, mas no RN essa busca se torna ainda mais desbravadora pela falta sistemática da preservação da memória”, verifica. Para Fortunato, existem ações isoladas com um foco definido, como por exemplo a preservação dos acervos da Fundação Rampa e de Câmara Cascudo. “Há quase 20 anos pesquiso em várias capitais brasileiras e posso afirmar que Natal é disparada a cidade mais desmemoriada. Felizmente vejo uma nova geração interessada em valorizar essa história.”

Segundo o jornalista, “o grande lance é compartilhar. Não adianta querer levar crédito por algo feito por outra pessoa.” Sandro diz isso por perceber que “também existe a neura do mérito de ser a primeira pessoa a digitalizar e disponibilizar conteúdo histórico na internet. Depois que postou, um abraço”.
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Outro que também alimenta a rede com imagens antigas e histórias do Grande Ponto, da Tavares de Lira e do tempo que Natal acabava na altura do bairro do Tirol é o jornalista, pesquisador e produtor cultural Eduardo Alexandre ‘Dunga’ Garcia, 59. Colecionador de fotos históricas, Dunga contabiliza acervo digital com mais de três mil imagens e adianta que, por enquanto, não pensa em organizar um livro. “Neste momento minha preocupação é com a preservação da memória. Sempre tive muito amor pela minha cidade e acredito ser fundamental mostrar essas transformações para que as pessoas possam compreenderem melhor a formação de Natal.”

Autor do livro “Cantões, cocadas: Grande Ponto Djalma Maranhão”, Eduardo Alexandre está envolvido com pesquisas desde 2002, mas garante que seu acervo foi reunido a partir de buscas na internet e em livros. “É preciso paciência e um pouco de conhecimento histórico sobre lugares e pessoas para encontrar algo interessante”, ressaltou.

Dunga passou mais de um ano procurando uma foto da torre da indústria de Juvino Barreto, na Ribeira, e levou outro tanto para encontrar uma imagem panorâmica da praça Augusto Severo e da pontezinha que cruzava o aterro do salgado – construção discreta que existe até hoje. “Tem muita foto ainda por vir”, garante. “Um bom exemplo é este acervo do fotógrafo norte-americano (Hart Preston).”

Jeanne Nesi, superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN-RN), lembrou que a instituição chegou a realizar exposições fotográficas com imagens antigas da cidade. “Um dos projetos do IPHAN-RN é digitalizar as cópias originais que temos aqui, além das que estão no acervo do Instituto Histórico e Geográfico do RN, para organizar uma nova mostra”, adiantou Nesi, que ainda não conhecia as fotos do fotógrafo norte-americano Hart Preston. Uma exposição de imagens antigas poderá ilustrar o início de funcionamento do prédio que está sendo restaurado na Ribeira (futura nova sede administrativa do IPHAN-RN). Em tempo: nos principais museus de Natal não há exposição de fotografias históricas em cartaz.  

Arqueólogo diz que ‘vivenciamos uma erupção saudosista’

O movimento descentralizado que domina as redes sociais, e chama atenção de pessoas interessadas no passado imagético de Natal, é visto como uma “erupção saudosista” pelo arqueólogo gaúcho Walner Barros Spencer, 62. Radicado no RN há décadas, professor universitário aposentado pela Universidade Federal e Doutor em Antropologia, Spencer vê o compartilhamento das imagens antigas como a “busca por uma identidade e por princípios morais e filosóficos perdidos.”

Após a “dessacralização geral promovida pela sociedade moderna, as pessoas estão atrás de referências em meio a essa massificação de conceitos que torna as pessoas muito mais parecidas com papagaios que com corujas”, sentencia Walner. Considerado um dos principais conhecedores da história do Rio Grande do Norte da atualidade, o arqueólogo acredita no encerramento de um ciclo e na existência de uma “uma nuvem de pensamento, acessada por esse grupo de pessoas”, integradas a partir da mesma necessidade, que justificam essa “erupção” – para ele, a palavra nostalgia pode soar de maneira negativa nesse caso. “As pessoas estão atrás de recompor a própria memória e não de ficar lembrando ou lamentando sobre o passado.”

O jornalista e escritor Leonardo Sodré, 57, também reforça a teoria: “essa movimentação traz novos sentimentos aos mais jovens.” Ele mesmo alimenta a grande rede com informações históricas sobre Natal e garante que “seria muito interessante se juntarem todas essas informações já disponíveis em páginas eletrônicas, blogs e perfis em redes sociais. Tenho certeza que daria pra fazer um tremendo livro sobre a história da cidade.”

Assim como o norte-americano Hart Preston, da revista Time-Life, o pernambucano Luiz Grevy da Silva, contemporâneo do fotógrafo Jaecy Emerenciano, também registrou pessoas e lugares de Natal entre 1944 e início dos anos 1980. Falecido há 12 anos, seu acervo foi totalmente perdido por falta de um acondicionamento adequado. “Sobrou só as fotos da família, o resto foi todo perdido: negativos e cópias em papel. Não ficou nada!”, disse Marconi Grevy, filho do fotógrafo.

Já Jaecy, que passou o ofício para o filho Jaecy Emerenciano Jr, ficou famoso por construir e preservar um acervo fotográfico de relevância histórica, onde se é possível conhecer as paisagens ainda intocadas da capital potiguar e entender as transformações urbanas da cidade ao longo do tempo. Boa parte das imagens antigas de Natal disponíveis na internet é de sua autoria, disseminadas, principalmente após o lançamento de um DVD, vendido em bancas de jornal com seu acervo. Mas, e depois de serem compartilhadas e curtidas, qual será o destino das imagens distribuídas na internet? Se for considerado o desejo em comum externado pelos entrevistados, elas servirão como embasamento para um maior respeito ao passado e maior consideração pelo futuro de Natal.

Serviço
Conheça as imagens e um pouco da história natalense nas páginas eletrônicas:
Fotos de Hart Preston (Time-Life) – www.images.google.com/hosted/life/b4e33671e7641aa9.html
www.nataldeontem.blogspot.com
www.facebook.com/NatalComoTeAmo
www.facebook.com/eduardoalexandregarcia
www.memoriaviva.com.br
www.facebook.com/Portal.Memoria.Viva
www.facebook.com/memoriaviva
www.fundacaorampa.com.br

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