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Seleção tenta ser mais democrática

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Sara Vasconcelos  – Repórter

Em 1911, no governo de Hermes da Fonseca, um decreto instituía o tão famoso e temido vestibular como a forma de ingresso ao ensino superior. Um século depois e muitas tensões vividas por estudantes Brasil a fora, os caminhos que levam às universidades públicas se multiplicaram. A via única se desdobra em novos processos de seleção que tornam – ou tentam deixar – o acesso às universidades mais fácil. Vestibular, o uso da nota do Enem pelo sistema de seleção unificada (SiSU) e até a destinação de cotas sociais e étnicas – sancionada esta semana pela presidenta Dilma Rousseff – são novos caminhos.

Se por um lado, estudantes, professores e especialistas em educação são unânimes sobre a  importância na expansão no acesso. Por outro, a qualidade do estudante que chega aos bancos da academia causa divergências.

Contudo, pondera os especialistas, o Enem, em poucos anos, deve ser a única via de acesso. Com as mudanças no modelo de avaliação do ensino médio, em 2009, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) deu o primeiro passo na trilha que põe fim ao vestibular tradicional e unifica a seleção para as instituições públicas de ensino superior do país. “Em breve o Enem será a única porta de entrada para as universidades”, prevê a presidente da Comissão Permanente de Vestibulares (Comperve) da UFRN, professora Magda Maria Pinheiro de Melo.

A UFRN, a partir do próximo ano, oferecerá todas as vagas  pelo Enem/SiSU. Este ano, 3.015 das 6.864 vagas são por vestibular tradicional e as demais pelo Sistema de Seleção Unificada. “É uma tendência em todo país. A UFRN era a única federal do Nordeste que mantinha o vestibular próprio”, observa Magda Pinheiro.

De acordo com a presidente da Comperve, a opção da instituição em  adesão total, em vez de substituindo apenas uma das fases do processo – como adotada na Federal de Pernambuco – busca deixar o certame mais uniforme. “Colocar o Enem como primeira fase e questões discursivas na segunda (fase) seria, em uma analogia ao grau de dificuldade, como juntar o pior dos dois mundos para os vestibulandos”, compara.

Para ela, a mudança no formato de acesso não deve implicar em mudança no perfil dos futuros universitários. “Partimos do pressuposto que o conhecimento repassado é para a vida e não para passar numa seleção. Quem se prepara bem consegue bom resultado em qualquer forma de ingresso”, diz.

A mudança é benéfica, de acordo com o pró-reitor de graduação da UFRN, Adelardo Medeiros, uma vez que amplia a participação de estudantes que ficariam de fora do processo de seleção que não teria como pagar taxas de inscrições ou mesmo se deslocar para prestar os exames. “Há maior participação, e pode levar a nota para instituições de todo o país”,disse.

A inserção de alunos “mais críticos” também é mais  evidente pelo novo sistema, já que o conteúdo cobrado no Enem é menos “decoreba e mais contextualização”, analisa Medeiros. E acrescenta: “o modelo atual  já  incentivava, mas os cursinhos ainda usam o sistema de repetição”, avalia Medeiros.

A Universidade Estadual do Rio Grande do Norte (UERN) mantém o processo de seleção vocacionado –  com conteúdo de acordo com a área de conhecimento do curso escolhido – e estuda se irão  adotar o Enem/SiSU. “Hoje usamos 20% da nota do Enem no vestibular, se o candidato solicitar”, explica a pró-reitora de graduação Moemia  Gomes.

Moemia pondera que, caso a política de expansão de acesso as vagas não seja alicerçada em políticas e metodologias adequadas para que o estudante permaneça ocupando os bancos, a ampliação do ensino superior não surtirá efeito. “é preciso maior aproximação entre as Universidades e a educação básica”, diz.

A Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa) é a única no Rio Grande do Norte (UFRN), que oferece todas as vagas pelo Enem/SiSU. Com a greve dos servidores e professores, as matriculas foram suspensas  tanto para os veteranos quanto para os calouros. As aulas do primeiro semestre foram paralisadas faltando um mês para o término do semestre.

UFRN prepara seu último vestibular. A partir de 2013, ingresso será basicamente pelo EnemMudanças nas escolas e no perfil dos universitários

As mudanças tem causado uma reviravolta na preparação de estudantes no Estado, sobretudo após a UFRN colocar metade das vagas pra ingresso pelo Enem/SiSU. Para se adequar a nova metodologia, o Colégio Contemporâneo estuda a mudança da grade, desde a educação infantil ao ensino médio. A mudança é necessário, explica a diretora do Ensino Médio Ellis Noro, devido a extinção do modelo tradicional do vestibular. “O Enem tem um formato diferente, é mais contextualizado e estamos trabalhando mais simulados e estimulando cada vez mais a leitura. O Enem usa a interdisciplinaridade”, afirma.

Apesar da redação ser cobrada no vestibular, no Enem o estudante precisa produzir mais texto e ter uma leitura geral do que acontece ao seu redor. “Ele precisa estar atualizado com a política, economia e fatos sociais, do país e do mundo, para ter um melhor resultado”, explica. A nova metodologia, segundo Ellis, levará para universidade estudantes mais  bem posicionados e crítico.

O professor Lázaro Bezerra, do Lógico Cursos Aliados, também acredita na melhoria da qualidade do ensino, com a mudança. “Antes era mais conteudista, com mais fórmulas. Essa nova tendencia precisa interpretar. Estabelecer relações. Isso torna o aluno mais integrado e consciente com o mundo”, disse. A preparação para o vestibular não foi teve grande impacto, uma vez que a  UFRN já buscava uma prova contextualizada, afirma.

Já o diretor do Overdose Colégio e Curso, Carlos André, acha prejudicial.  Antes, os candidatos estudavam todas as matérias e se dedicavam as discursivas – que decidia o ingresso na Federal. Agora o esquema mudou. Como o Enem são questões objetivas de conteúdo generalizado, avalia o diretor, o peso das disciplinas  alteraram. Os estudantes que prestam vestibular para os cursos da área humanas e biomédica são os mais afetados. No vestibular, eram cobradas mais  Português, História, Geografia e Língua Estrangeira, – “geralmente onde os alunos dessa área tem mais aptidão”, analisa Carlos André. Com o Enem, isso muda e passam ser Matemática, Química, Física e Redação, as disciplinas de maior peso para aprovação. “Os estudantes de tecnológicas é o que sofrem menos”, disse.

“É ruim para o modelo educacional do país, porque o vestibular tradicional avaliava a capacidade de discursar sobre o tema proposto. Quando passa para o Enem, perde em nível, porque avalia menos o conhecimento técnico e deixa preso no desgaste de muitas questões para um curto tempo”, pontua Carlos André.

Na segunda tentativa para o curso de engenharia civil, paulo Mariano, 19 anos, acredita que o Enem vence o candidato pela duração: são 190 questões e redação, em quatros horas e meia de prova. “É uma prova de resistência”, diz. Para Nayra Freitas, 20 anos, que se prepara para ingressar no curso de Medicina somente pelo Enem, na medida que amplia as chances de entrar em outras universidades, o exame também aumenta a concorrência. “No Sul-Sudeste o nível é mais alto”, afirma. Para concorrer, ela dobrou a jornada de estudos de 4 para 8 horas, além do cursinho.

Bate-Papo – Márcia Gurgel, diretora do Centro de Educação da UFRN

Como a senhora avalia e quais as consequências dessa substituição do vestibular pelo Enem?

Acredito que vem melhorar o acesso às universidades, uma vez em que há maior possibilidades de ingresso, em cursos, em instituições em todo país. Ainda é indefinido se com a ampliação no acesso, as universidades terão que aumentar política de permanência.

Quais as mudanças no perfil dos universitários, a parir da adoção do Enem e das cotas raciais e sociais?

Deve haver uma mudança no sentido de dar mais chances de quem tava fora das salas de aula retomar a Universidade, de corrigir alguns déficits. Em cursos mais concorridos, será permitido também ter mais ingresso de estudantes vindos da rede pública e de raça. Mas acredito que na qualidade isso não deve sofrer forte alteração como se questiona por aí. A qualidade do ensino superior depende também da educação de base e esta deve receber também incentivos e investimentos.

Como as mudanças na seleção para o ensino superior refletem no ensino médio?

Amplia a capacidade de ingresso. Mas devemos sair do pressuposto que as escolas devem ensinar para a vida e não apenas para a aprovação em uma seleção. Os ajustes nas grades devem trazer um impacto interessante, mas abrangente.

Ponto de corte para vagas muda a cada dia

A possibilidade de fazer a escolha do curso e da  instituição de ensino, a partir do desempenho no Exame Nacional do Ensino Médio também é considerado fator positivo. Isto porque, durante os cinco dias em que o SiSU – Sistema de Seleção Unificada – fica aberto para inscrição nos cursos é possível verificar se o candidato está abaixo ou acima do ponto de corte.

Com essa informação, o candidato decide se continua nesta opção de curso ou troca por outra. O ponto de corte varia a cada dia, de acordo com os candidatos que estão competindo às vagas. Pode acontecer de em um dia você estar acima, mas em outro estar abaixo do ponto de corte.

As notas de corte são calculadas de acordo com o peso adotado por cada universidade. Por exemplo, a prova de português do Enem pode valer mais para a carreira de Jornalismo e menos para a de Ciência da Computação. Os pesos também são diferentes para os concorrentes pelo sistema de cotas. Esse sistema segundo os especialistas não causa impacto ou fere a isonomia. A oferta ocorre em duas chamadas.

 Com a gama de opções, observa o coordenador de acesso discente do Instituto Federal do Rio Grande do Norte (IFRN), Victor Varela, os alunos são mais voláteis e as vagas nas universidades só são definidas ao fim das chamadas e listas de espera.
 Há ainda a possibilidade de um aluno classificado na primeira edição do ano  aprovado para o curso de segunda opção, se matricular e desistir da vaga, no segundo semestre, quando ver que se classificam em curso de primeira opção,  na chamada do meio do ano. “Ainda há muita desinformação sobre o Enem e o SiSU e isso acaba pesando negativamente. Mas é um processo bem estruturado e eficiente”observa o coordenador de acesso discente da UFRN, Victor Varela.

O IFRN adota as três modalidades de seleção. Além de disponibilizar 50% das vagas para estudantes que concluíram o ensino médio na escola pública, realiza o vestibular e usa a nota do Enem. O processo seletivo interno é feito a partir do desempenho do aluno no Enem, do ano a escolher (atual ou anterior), e usado para os campi da Zona Norte e interior. No campus Natal Central, a oferta de vagas é pelo Sistema de Seleção Unificada, a partir da nota do Enem.

Cotas raciais e sociais foram aprovadas pela Presidenta

Esta semana, a presidenta Dilma Rousseff sancionou a destinação de 50% de todas as vagas das universidades públicas para alunos de escolas públicas e etnias.  A UFRN contudo ainda estuda como será viabilizado a destinação das cotas. “Faremos um estudo a partir dos dados do IBGE. Mas há quatro anos para ser instalado”,observa o pró-reitor de graduação da UFRN Adelardo Medeiros.

Para ele, a aplicação de cotas não deve provocar muitas mudanças. “Temos experiência com o Argumento de Inclusão (sistema em que estudantes de escolas públicas recebem um acréscimo de 10% na nota final) , um sistema diferenciado e vemos que o nível dos alunos não cai. O que deverá ocorrer  é uma mudança no perfil”, afirma.

Ao contrário do que alguns defendem que a política de cotas raciais e sociais, nivelaria “por baixo” a qualidade do estudante que entra ensino superior, o coordenador de acesso discente do IFRN, Victor Varela, as políticas afirmativas vem corrigir falhas históricas. No IFRN, 50% dos estudantes já são beneficiados pela cota social – por renda e rede de ensino. “Não percebemos discrepância na conclusão do curso, pode ocorrer uma maior dificuldade nos primeiros anos, mas logo é sanada”, avalia. E acrescenta: “É um acerto de contas com estas populações e buscam proporcionar melhor acesso”.

Para Lázaro Bezerra, professor do Lógico Cursos Aliados, “o sistema de costas só tem efetividade se for tratado como processo  transitório, no sentido de rediscutitr políticas para a a melhoria da educação, desde o ensino infantil ao superior”, afirma.

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