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Sem medo do Papangu

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Yuno Silva – repórter

O Carnaval está chegando e logo logo as ruas serão invadidas por uma figura mascarada e misteriosa. Amado e temido, o papangu é um personagem característico do Carnaval nordestino, uma tradição secular que ainda rende muito debate sobre sua origem. Até mesmo a palavra ‘papangu’ se desdobra em vários significados: para uns o termo identifica uma pessoa desajeitada, que se veste mal; para outros uma pessoa indesejável; desprovida de beleza; também dizem que são pessoas abobalhadas, lerdas. Traduções que dependem, inclusive, da localização geográfica: no Rio Grande do Norte pode significar uma coisa e em Pernambuco outra.

Com ilustrações de Cláudia Cascarelli, livro faz uma viagem pelo Carnaval nordestino, destacando a figura dos mascaradosO certo é que, durante o Carnaval, a palavra converge para se referir àquelas pessoas que saem pelas ruas com fantasias que cobrem todo o corpo – e é sobre esse personagem curioso que a jornalista e escritora potiguar Goimar Dantas lança o livro “Quem Tem Medo de Papangu?”, no próximo dia 26 de fevereiro, pela Editora Cortez. A obra de 32 páginas traz ilustrações de Cláudia Cascarelli, é toda narrada em versos e é voltada para o público infanto-juvenil. “Na verdade, o tema é um gancho para falarmos de família, tradições, memórias e cultura para essa nova geração”, esclarece a jornalista.

Radicada em São Paulo e co-autora da biografia “Cortez, a saga de um sonhador”, que remonta a trajetória do norte-riograndense natural de Currais Novos e fundador de uma das principais editoras literárias do Brasil, Goimar Dantas buscou nas memórias da infância a inspiração para falar sobre a figura do papangu: “Quando tinha uns 10 anos, estava em Japi (RN) passando um Carnaval na casa da família e avistei aquela figura mascarada. Perguntei para minha avó do que se tratava e ela surpresa respondeu: você não conhece o papangu? E aquele ali é seu avô, me disse apontando para uns dos brincantes. Fiquei confusa, meu avô tinha aquele ar sisudo com os netos, sempre muito sério, e agora estava ali, brincando com todos no meio da praça”, contou a escritora.

Nascida em Santa Cruz – “pois nos anos 1970 não havia maternidade em Japi” – Dantas partiu cedo para o Sudeste com a família: passou por Minas Gerais, morou por duas décadas na cidade de Cubatão, onde seu pai trabalhou no pólo petroquímico. “Depois que de cursar Comunicação Social em Santos, vim morar em São Paulo”, explica a jornalista com mestrado em Comunicação e Letras.

Pesquisa

A pesquisa sobre a figura do papangu começou em 2007, motivada pelas “memórias infantis”. Nesse período conheceu José Xavier Cortez, quando trabalhava para a Câmara Brasileira do Livro. “Fiquei apaixonada por sua trajetória, e ainda mais empolgada quando descobri sua origem potiguar, aí embarquei no projeto de escrever sua monografia e só em 2010 retomei as pesquisas sobre o papangu”, lembra Goimar.

Garimpando informações no pouco acervo sobre o assunto, a jornalista encontrou na própria família sua principal fonte: “Sou neta e sobrinha de papangu, então conversei muito com minha família. Também tive acesso a alguns textos e pesquisas, e juntei tudo com minhas memórias afetivas”, informou Dantas por telefone. Entre a principal fonte acadêmica, a jornalista cita os artigos científicos “O híbrido papangu, do sagrado ao profano, uma possível herança do bumba-meu-boi”, de Eliana Maria de Queiroz Ramos e “Papangu como híbrido: trajetória entre a procissão e o bumba-meu-boi”, também de Eliana escrito em parceria com Betânia Maciel.

Buscando as origens

“Quem tem medo de Papangu?” traz informações sobre o surgimento, o desaparecimento e o posterior resgate da tradição surgida em Pernambuco no século 19. Nos primórdios, os papangus ajudavam a organizar as procissões católicas de Cinzas e, com seu chicote estalando no ar, disciplinar a garotada que, eventualmente, estivesse atrapalhando o andamento das cerimônias religiosas. “Em 1831, os papangus foram banidos desses eventos, pois eram vistos com um quê de morte e tirania. O tempo passou e diversas cidades voltaram a dar espaço aos papangus, que reapareceram como brincantes carnavalescos, completamente dissociados das procissões”, explica a autora.

Hoje, com máscaras e vestimentas cada vez mais bonitas e elaboradas, eles existem em profusão no município pernambucano de Bezerros, onde são as principais estrelas do Carnaval daquele município do interior pernambucano.

Por outro lado, em cidades como Japi (RN), onde ainda vive boa parte da família materna da autora, os papangus prosseguem utilizando indumentárias e acessórios rústicos. Lá, a alegria da garotada que corre pelas ruas e praças atazanando os papangus ainda é instigada pelo improviso, pelas palhaçadas e mímicas engendradas por esses carnavalescos, que, ali, se comportam como misto de palhaço e bicho-papão, atraindo a curiosidade das crianças.

“Embora a atuação resistente de alguns papangus seja símbolo da força das festas e tradições da cultura popular nordestina, é possível enxergar nestes mascarados certa sintonia com as principais características da Commédia Dell’arte, surgida na Itália em meados do século XIX”, diz Goimar Dantas.

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