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Sem pasto, o gado ‘cai’ e morre em meio à caatinga

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Margareth Grilo – repórter especial

Sem pasto, e quase sem água nos açudes, barreiros e poços, o rebanho bovino do semiárido está sucumbindo. Em meio à caatinga, os animais estão caindo e, sem forças para se reerguer, morrem. Nas regiões Central, Seridó e Oeste vaqueiros e criadores têm um só lamento: “Dá pena ver os bichos caídos e não poder fazer nada”. Para muitos, falta a condição financeira para bancar o custo da ração concentrada. Terminam disputando o gado com urubus, que rondam fazendas e cercados.
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O agravamento da estiagem, no meses de abril e maio, deve produzir um resultado devastador no meio rural. A estimativa da Federação da Agricultura do Rio Grande do Norte (Faern) e da Secretaria Estadual de Agricultura do Rio Grande do Norte é de que 50% do rebanho seja dizimado. Dados da Secretaria Estadual de Agricultura apontam para uma queda no Produto Interno Bruto entre R$ 2,5 a R$ 3,5 bilhões. Hoje,  70% da população rural do Estado já foi atingida pela seca.

#SAIBAMAIS#Em todo Estado, a população rural que sofre com a falta de chuvas já chega a 500 mil pessoas, o que representa cerca de 120 mil famílias. O baque na pecuária pode já começar a ser contabilizado pelos municípios. Segundo cálculos das prefeituras, cerca de 500 animais já morreram em fazendas e sítios nos municípios de Lajes (330); São Tomé (100) e São José do Seridó (100). Em sete dias, ‘pelos caminhos da seca’, a equipe da TRIBUNA DO NORTE  localizou em quatro municípios – Santana do Matos, São Tomé, São José do Seridó e Lajes, quase oitenta carcaças estorricadas pelo sol do sertão, em margens de estradas e em fazendas.

Em dois dos onze municípios, do Agreste ao Oeste, o percurso nos levou a dois ‘cemitérios’ de animais – um na zona rural de São Tomé, na Fazenda Pedra do Navio, e outro em São José do Seridó, no distrito Caatinga Grande. Nos dois, o cenário é desolador. A sequidão toma conta de tudo. O cinza predomina por essas paragens. Na fazenda Pedra do Navio, a TN contou 37 carcaças espalhadas, em vários trechos de um terreno árido, dominado por cactus, vegetação típica do sertão nordestino.

Embaixo de algarobas, onde resta alguma sombra, o ‘gado de cercado’ tenta escapar. Mas a magreza se destaca. Eles catam entre pedras e plantas espinhosas um pouco de pasto. Mas nem todos encontram. “O destino de muitos tem sido a morte. Se não vier ajuda urgente o rebanho será dizimado”, alerta o vice-prefeito de São Tomé Miguel Salustiano.

Na Caatinga Grande, as carcaças espalhadas em meio à secura dão a exata dimensão do impacto da estiagem na  pecuária. No dia que a TN esteve no povoado, contou no ‘cemitério de animais’ 32 carcaças. Segundo o agricultor Francisco das Chagas dos Santos, presidente da Associação do Assentamento Seridó, o número pode até ser maior, porque muitos animais são enterrados nos sítios.

“Todo dia”, contou Chagas, “um animal cai. Uns duram trinta dias, outros não chegam nem a 15 dias”. A cena, que nesse momento, é comum pelas paragens do sertão abate o homem do campo. Chagas levou a equipe a uma área do assentamento Seridó. Lá um garrote ‘caído’ não deve sobreviver por muitos dias. “É provável que também morra. Se, pelo menos, tivesse alguém para levantá-lo e depois colocar num jirau [armação de madeira que sustenta o boi fraco], ainda se salvaria”.

Chagas não se conforma com a alta mortandade. “Tenho medo de ir abaixo todo o esforço e o que construímos em 20 anos”, diz referindo-se ao assentamento. Na área, distante 19 km da sede do município, uma das principais atividades é a agropecuária, mas a água está acabando, e o pasto não existe. Sessenta e três colonos e dezenove filhos de colonos vivem no assentamento.

Sertanejo busca alternativas

“O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. Quando se adentra o semi-árido nordestino é que se tem a exata noção do que Euclides da Cunha descrevia em “Os Sertões”. Vivendo em um meio adverso, o sertanejo nunca esmorece. Sempre procura maneiras de evitar o pior. Hoje, no sertão potiguar, diante da ausência de pasto, quem tem rebanho está, novamente, de volta às veredas em busca das espécies da caatinga que servem para alimentar o gado.

Procuram em especial,  o famoso xiquexique, mas conhecido por aquelas bandas pelo nome de sodoro; mas também cortam o cardeiro e o faxeiro. Nas últimas semanas, o corte aumentou e gerou, segundo criadores dos municípios percorridos pela TN,  uma orientação por parte do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente) para evitar a queima do xiquexique no pé e para que fosse feita, depois do corte da planta, no maçarico ou no forno.

“O Ibama visitou alguns sítios”, disse Francisco Canindé da Silva, tesoureiro do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lajes,  “e orientou que o corte fosse assim, mas diante de tanta escassez quem vai poder queimar no gás, com o botijão custando sessenta reais?”. Em outros municípios – Jucurutu, Currais Novos e Caicó a equipe ouviu relatos semelhantes.

A TN procurou a Assessoria de Imprensa do Ibama para saber exatamente quais eram as orientações. O órgão negou que tenha feito visitas, mas disse que orienta os criadores e produtores rurais a não queimar o xiquexique no tronco. O agricultor João Maria Nunes, 50 anos, da Fazenda Triunfo, em Lajes, reconhece a importância da orientação, mas vê nela alguns exageros.

“Aqui [arredores da fazenda Triunfo], tinha muita macambira, que era uma comida boa para o gado, mas queimaram tudo na moita e ela desapareceu”, contou.  Mas ele discorda em parte. “Se fosse só essa proibição”, disse o agricultor, “estava bom, mas querer que a gente faça a queima no gás ou no forno é exagero. Ninguém tem essa condição”.

No campo há quem ainda tenha esperança de “chuva para fazer rama”. Outros, em meio às adversidades, estão procurando se prevenir, para atravessar os próximos sete meses, que segundo previsão dos institutos de meteorologia, serão de estiagem. Na zona rural de Tangará, seu José Nelo Pontes, além de plantar palma, mantém fechado uma silagem, com 85 toneladas de capim. Só pretende abrir em agosto, quando ‘aperta a situação’.

Reses são vendidas abaixo do preço

No sertão, não são poucos os criadores descapitalizados, sem condições de bancar a ração do rebanho. Essa condição está empurrando muitos para um caminho sem volta: a venda dos animais, na maioria dos casos pela metade do preço e com prazos estendidos, de até um ano, para receber o pagamento. Em São Tomé, a prefeitura montou uma central de comercialização onde os criadores negociam os animais.

Um boi que valeria, se estivesse gordo, entre R$1.000,00 e 1.500,00 está sendo vendido por um terço do valor. A situação não é diferente no Oeste. “Um dos criadores da região, vendeu  70 animais por R$ 6 mil para não vê-los morrer”, contou Vital Paulino do Amaral, técnico do escritório da Emater em Jucurutu. Na fazenda Curral Velho, zona rual de Jucurutu, o gado ‘gordo’ está sendo vendido pela metade do preço e até menos para manter o rebanho leiteiro.

Em uma semana, o proprietário Ednaldo Pereira vendeu para o abate doze cabeças – algumas de vacas leiteiras que rendiam até 25 litros, das 180 que possui.  “Hoje, os marchantes estão lotados, não tem mais quem compre. É uma situação difícil”, diz Ednaldo Pereira Filho, que ajuda o pai na fazenda. Na vizinhança, as histórias se repetem.  Na fazenda Estreito, o criador Ubirajara Lopes de Araújo, 66, já vendeu seis reses e acredita que será obrigado a se desfazer de outras. “Tem hora que a gente quer desvanecer, porque a despesa  é grande”, comentou.

Na zona rural, o endividamento do sertanejo e a alta de preços tem colocado a pecuária em uma via crucis. Para se ter ideia, no Rio Grande do Norte, os insumos aumentaram quase 50%, nos últimos seis meses. Entre janeiro e maio, o farelo de trigo  aumentou de R$ 18,00 para 30,00; a torta de R$ 38,00 para R$ 53,00. Em alguns municípios a torta já está sendo vendida a R$ 60,00.

Voltando ainda mais no tempo, entre julho de 1995 e março de 2012, o aumento no preço dos concentrados (farelos e grão de milho) foi superior a 540%. Nos armazéns, os comerciantes justificam o aumento desse ano. “Em janeiro, o preço nos moinhos era a metade do preço que eles cobram hoje”, diz Weber de Araújo Mendes, comerciante em Currais Novos. Até mesmo a palma virou mercadoria cara. Uma carrada de palma que era R$ 120,00, há 60 dias, hoje está sendo vendida a R$ 240,00. Com açudes secos, sobram poucas vazantes, no sertão potiguar. E as que existem são para subsistência.

ENTREVISTA

Zito Saldanha, agropecuarista da Serra João do Vale, na divisa RN-PB

“Criar gado, hoje, não é vantagem”

O que dificulta a convivência com a estiagem?

É um momento muito difícil por causa da pouca ajuda que os governos dão. O Governo do Rio Grande do Norte poderia, subsidiar a pecuária, pelo menos, tirar o imposto da ração para baratear mais. Hoje, o preço da ração é tão alto que no final do ano o gado não dá mais para pagar o que você gastou.

O senhor já perdeu gado?

Este ano, perdi mais de 400 reses, vendendo a preço vil. Em pouco tempo vou ser ex-agropecuarista. Um ex-produtor já sou. O que vejo é que a cada dia o pecuarista passa a viver fase difícil  porque nada dele se valorizou. Criar hoje para o homem do campo não é vantagem, mas como ela fica se o que sabe fazer é criar vaca e tirar leite?

As secas passadas produziram os mesmos prejuízos?

Vivi as secas de 58, 73, 83 e 93, que foram as maiores, com até 21 meses sem chuva, mas na época tinha o produtor tinha meios para  escapar o rebanho. Para você ter ideia na seca de 1993 eu escapei 550 reses tirando 600 litros de leite, por dia. Esse ano, parei de tirar leite há 45 dias. Naquela época tinham os bancos oficiais, que investiam na causa agrícola. Até os anos 84, quando você tinha a cultura do algodão [o bicudo chegou em 84 e dizimou o algodão que era uma monocultura], e mesmo depois até os anos 2000 e 2005 a pecuária ainda vivia bem. O produtor vivia da pecuária. Depois começaram as dificuldades, veio a seca de 2003 e também a falta de incentivo. Hoje, o produtor rural que dá emprego não tem apoio algum.

O senhor teve perdas de seu patrimônio?

Na verdade, o poder aquisitivo do homem do campo está acabando. Hoje, meu crédito no mercado acabou. Não tenho como obter uma linha de crédito. Vivo do que tenho. Tudo que tinha dei de garantia ao banco. Minhas fazendas estão executadas, por dívidas que fiz para investir na produção. O crédito que tenho é de pessoas que me conhecem. Hoje, só vive bem quem tem fazenda por lazer.

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