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Sem provas para incriminar acusados

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Isaac Lira – repórter

In dubio pro reo. A expressão de quatro palavras em latim é o caminho da liberdade para os dois acusados de abusos sexuais na Creche Lar Feliz. Em português claro e simples, a expressão significa que quando houver dúvida acerca da culpa de um acusado em processo penal, a Justiça tem a obrigação de absolvê-los. Com base nesse dispositivo, o promotor penal da Infância e Juventude, Marconi Antas, deu parecer pela absolvição do marido e do genro da proprietária da creche,  Terezinha Getúlio do Nascimento.

Creche Lar Feliz, localizada na Cidade Satélite, foi fechada logo depois da prisão do marido e do genro da proprietária Terezinha GetúlioO parecer do Ministério Público não significa a absolvição imediata dos réus. O juiz Sérgio Maia, da 2ª Vara da Infância e Juventude, poderá ter um entendimento diferente do oficializado pelo promotor Marconi Antas. Contudo, esse parecer demonstra que, na visão do órgão responsável pela denúncia, não há provas suficientes para incriminar os dois acusados. A possível redenção dos dois homens – um deles continua preso – vem 77 dias depois de uma entrevista coletiva onde dois juízes (Sérgio Maia e José Dantas), dois promotores (Armelli Brennand e Marconi Antas) e uma delegada (Adrian Shirley) anunciaram a operação acerca de graves denúncias de abuso sexual, envolvendo pelo menos quatro crianças.

Os indícios, aparentemente tão fortes à época da entrevista coletiva, acabaram eclipsados por contradições encontradas no relato das vítimas durante o processo judicial, na avaliação do MP. A principal vítima, um menino de 10 anos, teve partes de seu discurso desmentidas pelas outras vítimas, que, por sua vez, negaram os abusos antes confirmados. Além disso, os laudos encaminhados pelo Instituto Técnico e Científico da Polícia do RN para verificar possíveis marcas dos abusos deram negativos. Com exceção de um: a principal vítima se recusou a fazer o exame.

A contradição dos relatos das vítimas, quando a principal delas foi desmentida, teve papel fundamental, na avaliação do promotor Marconi Antas. “Ficou claro que a criança estava fantasiando em relação a alguns fatos. E se estava em relação a alguns, pode estar fazendo o mesmo em relação a todos os outros”, diz. Os laudos por sua vez não teriam como comprovar abusos que não deixem marcas. O relato das vítimas é fundamental, mas nesse caso a apuração acabou por colocar em dúvida a veracidade das denúncias.

Do outro lado, os responsáveis pela Creche Lar Feliz esperam pela rápida sentença do juiz. De desesperados, como estavam no início de julho, agora estão com esperança. Na manhã de ontem, a “irmã Terezinha”, responsável pela creche, mostrou à reportagem os cômodos preparados para receber crianças novamente, o que, mesmo em caso de absolvição, ainda não se sabe quando acontecerá. “Tenho fé em Deus que tudo será resolvido. E todas as pessoas que falaram mal da nossa casa, agora terão que falar bem”, afirma.  O juiz Sérgio Maia deve proferir a sentença na próxima semana. Procurado pela reportagem, ele preferiu se pronunciar depois do julgamento. O juiz José Dantas, a delegada Adriana Shirley e a promotora Armelli Brennand não foram encontrados.

Profissionais aguardam o julgamento

Para o vice-presidente institucional da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Norte, Madson Ottoni, não é possível detectar a priori problemas na divulgação do caso antes da confirmação dos crimes. “Somente o próprio magistrado pode responder isso. De qualquer forma, é precipitado tentar concluir qualquer coisa antes do julgamento do caso. Até porque o parecer do Ministério Público pode não ser seguido pelo juiz”, diz Madson.

 As denúncias de abuso sexual tornaram-se públicas a partir de entrevista coletiva para toda a imprensa no dia 8 de julho desse ano, com a presença de dois juízes, inclusive o magistrado Sérgio Dias agora responsável pelo julgamento, dois promotores, incluído o promotor Marconi Antas, responsável pela instrução do processo penal, e a delegada Adriana Shirley, que realizou o inquérito. A investigação foi divulgada por toda a imprensa, identificando o local onde os supostos abusos teriam acontecido: a creche Lar Feliz. O presidente da OAB, Paulo Eduardo Teixeira, opinou que não há problema em divulgar operações ou denúncias. “Isso por si só não configura nenhuma incongruência. Seria proibido o julgamento de valor antecipado”, diz, acrescentando que fala em teoria. “Acompanhei o caso pela imprensa”, diz Paulo Eduardo.

Bate-papo

Marcone Antas » Promotor

O promotor da Infância e Juventude, Marcone Antas, detalhou a decisão de pedir a absolvição dos dois acusados de abuso sexual na Creche Lar Feliz. Marcone disse que, na fase judicial, a vítima principal teve o discurso desconstruído por outras vítimas que, por sua vez, voltaram atrás na confirmação dos supostos abusos cometidos na creche. Mesmo assim, o promotor não vê falhas no inquérito. “Em relação às provas existentes na época do crime, eram muito fortes, havendo depoimento de uma vítima com detalhes dos abusos sexuais”, diz.

Por que a prisão e a denúncia contra os dois acusados foram divulgadas? Quais provas existiam à época?

Este Promotor em relação à divulgação pública sempre se reservou a se manifestar após o término do processo em nome da ampla defesa dos acusados. Disse expressamente nas entrevistas que apenas me manifestaria após o término do processo, em nome da ampla defesa. Em relação à divulgação pública de prisão, entendo que fere o direito dos acusados, todavia a divulgação de prisões tem sido uma praxe no Brasil. Sou pessoalmente contra, todavia os jornais têm cadernos policiais e sempre divulgam os crimes. Talvez pela repercussão do caso e pela grande quantidade de supostas vítimas, o fato veio naturalmente à tona, conforme prática relatada. Em relação às provas existentes na época do crime, eram muito fortes, havendo depoimento de uma vítima com detalhes dos abusos sexuais, bem como havendo duas outras crianças que haviam confirmado os abusos.

Por que a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público antes da realização de exames pelo Itep?

Nos crimes sexuais, os Tribunais Superiores entendem que se deve dar credibilidade à palavra da vítima, pois tais crimes acontecem às escondidas. Além de que as vítimas foram entrevistadas por psicóloga da Vara da Infância, a qual é tecnicamente treinada para tais audiências. Havendo na época indícios de autoria e materialidade, pelo corpo de delito indireto (vítimas e testemunhas), bem como pelos depoimentos das três vítimas que confirmaram as acusações na frente da psicóloga forense. Havia elementos suficientes para o recebimento da denúncia e para a prisão dos réus. Inclusive, este promotor pediu a liberdade provisória de um dos réus, de ofício, desde o início do processo.

Quais os indícios que foram considerados suficientes para a prisão e o indiciamento dos acusados? Existem outras provas?

Depoimento de vítima principal, detalhando inúmeros atos de violência sexual contra sua pessoa, depoimento de pretensa mãe adotiva e vídeo filmando a referida vítima acusando os réus. Depoimento de mais duas vítimas, confirmando. Entrevista com psicóloga forense. Nos crimes sexuais, a palavra da vítima é fundamental. Depoimento de duas testemunhas de que a vítima teria aprendido sobre sexo no Lar Feliz.

O MP decidiu pelo pedido de absolvição dos acusados. Houve falhas no inquérito ou precipitação no oferecimento da denúncia à Justiça?

Não entendo que ouve falhas no inquérito, pois esse chegou à Promotoria muito bem instruído, com depoimentos das vítimas, com depoimento sem dano da psicóloga forense, com vídeos, havendo indícios de autoria e materialidade suficiente, conforme o código de processo penal para o oferecimento da denúncia. Os delitos sexuais ocorrem às escondidas. O Ministério Público pediu a absolvição, diante do princípio da dúvida em favor do réu, o qual está escrito no código de processo penal. As provas produzidas em juízo não confirmaram totalmente as provas produzidas na fase de inquérito policial. Exemplo: vítimas que acusaram, voltaram atrás. A vítima principal contou versão que foi desconstruída por outras supostas vítimas. Enfim, há no processo elementos de condenação e elementos de absolvição. Na dúvida, pela lei federal, o Ministério Público tem a obrigação de pedir a absolvição. Logicamente que a dúvida somente surgiu após a audiência de instrução judicial. Pois as versões da vítima principal não se confirmaram totalmente. Mesmo havendo indícios do crime, os indícios são suficientes para oferecimento da denúncia, mas não são suficientes para condenação, que exige prova próxima da verdade.

Quem vai reparar os prejuízos moral e material dos acusados, caso o pedido do MP seja aceito e o inquérito encerrado?

Casos como esse precisam ser denunciados. Não há dano moral, pois há depoimentos de vítimas acusando os réus. O Estado não tem culpa dessas acusações. Caso as vítimas tenham mentido, devem estas responder, mas coitados, são crianças sem família, fatalmente não terão dinheiro para indenizarem. Além de que o Ministério Público não pediu absolvição em virtude da inocência, mas pela contradição de provas, ora prova de culpa, ora prova de inocência, enfim, in dubio pro reo.

Que tipo de assistência médica e psicológica a Justiça e o Ministério Público estão solicitando ou determinando para as crianças do caso?

Esta Promotoria se compromete a enviar ofício para os órgãos responsáveis com o objetivo de solicitar acompanhamento psicológico para todas as crianças envolvidas.

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