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Só o mar pode salvar o Potengi

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Roberto Lucena
Repórter

O rio Potengi ainda está vivo graças à força do mar. Como um paciente em fase terminal necessita de medicamentos para prolongar sua vida, as águas que cruzam oito municípios do Rio Grande do Norte e desembocam no oceano Atlântico, precisam da ação da maré para expulsar parte da poluição jogada em seu leito e renovar o oxigênio. Ao longo dos anos, o homem pouco fez para ajudar o rio. A poluição é visível e os biólogos atestam: não fosse o mar, o Potengi estaria morto.

A poluição é comum, mas nada é feito para resolver o problema

Apenas em 2007, após um dos maiores desastres ambientais do Estado, quando toneladas de peixes e crustáceos morreram em consequência da poluição provocada pela empresa de carcinicultura Veríssimo & Filhos LTDA., autoridades voltaram os olhos com mais atenção para o rio. No ano seguinte, foi criado o programa Água Azul no Instituto de Desenvolvimento Sustentável e Meio Ambiente do Estado (Idema). Outras instituições como a Universidade  Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Instituto de Gestão das Águas do RN (Igarn) participam do programa.

A cada três meses, técnicos colhem amostras de água em oito pontos do Potengi. Posteriormente, é feito um relatório que traz, entre outros indicadores, o Índice de Qualidade das Águas (IQA). Este ano, porém, nenhum relatório foi apresentado. Os últimos números são da sétima coleta feita em agosto e setembro do ano passado. “Este ano foi feito coleta, mas não tem relatório. Os dados são compilados na UFRN e está um pouco atrasado. Está para sair o oitavo relatório com o balanço dos dois primeiros anos do Programa Água Azul”, informa Sérgio Macedo, coordenador do setor de Meio Ambiente do Idema.
#SAIBAMAIS#
Mesmo antes da implantação do Programa Água Azul, o Ministério Público, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama/RN) e o próprio Idema fiscalizavam o Potengi. Este último, responsável pela liberação de licenças ambientais para construções às margens do rio, é criticado pelos outros órgãos e organizações não governamentais ligadas à questões ambientais. “O próprio Estado é responsável direto pela poluição do rio. O Idema licencia e libera atividades nocivas como a carcinicultura. Não era para existir esse tipo de atividade naquele local”, alerta Rosemari Dantas, bióloga e presidente da ONG Navima.

O Ministério Público, segundo a promotora Gilka da Mata, trabalha para a proteção do rio desde 2004. Empresas, Idema e Companhia de Águas e Esgotos do Estado (Caern) respondem ações impetradas pela Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente. “São processos que pedem adequação ambiental e adotem medidas de controle e fiscalização, por exemplo”, afirma a promotora.

A Caern é apontada como um das maiores responsáveis pela poluição do rio. “Não há controle no saneamento de Natal, São Gonçalo do Amarante e Macaíba. Uma boa parte do efluente é lançada no Potengi sem que haja nenhum tratamento antes”, diz Rosemari. A Companhia se defende dizendo que foi a responsável pela execução da  “mais importante obra para a despoluição do rio Potengi, a Estação de Tratamento de Esgotos Dom Nivaldo Monte, também conhecida como ETE do Baldo”. Segundo a assessoria da Caern, a ETE está em operação desde o início de junho e, quando estiver operando com 100% de sua capacidade, vai tratar os esgotos de 21 bairros da capital. “O investimento do Governo do Estado para realizar a obra foi de R$ 84 milhões. A Estação é a mais moderna do Nordeste e uma das poucas unidades no Brasil que garante tratamento terciário dos efluentes coletados”, informa.

Crianças desconhecem o risco

Entre as ações impetradas pelo Ministério Público em defesa do rio Potengi, o Governo do Estado, através da Caern, Idema e secretaria de Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Semarh) é o réu mais recorrente. Em 2007, em uma das ações, a promotora Gilka da Mata exigia a conclusão da  Estação de Tratamento de Esgotos (ETE) do Baldo.
Maioria das ações impetradas pela Promotoria de Defesa do Meio Ambiente responsabiliza Caern, Idema ou Secretaria de Recursos Hídricos pela poluição no Potengi. Falta de fiscalização é o maior problema
A obra foi inaugurada em 2010 mas só entrou em operação em junho deste ano. Atualmente, trabalha com 60% de sua capacidade e recebe o esgoto procedente dos bairros São José (antiga Guarita), Barro Vermelho, Lagoa Seca, parte do Alecrim e Lagoa Nova. Barro Vermelho, Lagoa Seca, Alecrim e Mãe Luiza fazem parte da lista dos próximos bairros atendidos pela estação. Em Mãe Luiza, a Caern trabalha, desde junho, na ligação intradomiciliar com a rede coletora. Segundo a assessoria da Companhia, esse trabalho será concluído até dezembro. A ETE do Baldo deverá funcionar em sua totalidade ainda no primeiro semestre de 2012. Ao todo, serão atendidos pela estação, 230 mil natalenses.

Está nos planos da Caern, a construção de uma outra estação de tratamento. A ETE Jundiaí/Guarapes representa um investimento de R$ 120 milhões e deverá atender 44% da população de Natal. O projeto atual substitui o emissário submarino, que seria erguido próximo à Barreira do Inferno.

Para Rosemari Dantas, da Ong Navima, aliado aos projetos de tratamento de esgotos deveria existir um trabalho de conscientização da população, especialmente no que diz respeito ao descarte do lixo. “Esgoto, saneamento e lixo devem ser visto com prioridade pelas autoridades na tentativa de salvar ou não deixar o rio morrer”, afirma.

A promotora Gilka da Mata é enfática: “As maiores fontes de poluição dos rios, de uma maneira geral, são decorrentes de esgotos sanitários e industriais, que são lançados in natura,  portanto, a forma mais eficiente de se despoluir os rios costuma ser a realização de tratamento de esgotos antes de se lançar no rio”. Mas o trabalho de tratamento de esgoto não é a solução para o problema. A falta de estrutura dos órgãos fiscalizadores preocupa a promotora. “É preciso fiscalizar e controlar a atividade de carcinicultura. Mas o Idema não dispõe de estrutura para isso. Em 2009, o órgão chegou a notificar os empreendedores que estavam operando sem licença ambiental para paralisarem suas atividades, mas depois nada foi feito. Prevenir é a melhor forma de se conter a poluição, porque remediar, ou seja, recuperar o dano é uma tarefa difícil, cara e em alguns casos impossível”, diz.

Atualmente, para todo o Estado, o Idema conta com 16 servidores no setor de fiscalização ambiental. O programa Água Azul demanda um orçamento de R$ 1,7 milhão por ano.

13,5 toneladas de lixo em um dia

O Governo do Estado não tem um programa para despoluir o rio Potengi. As medidas tomadas até agora, como a instalação da ETE do Baldo e exigência de estações de tratamento nas indústrias instaladas próximas ao estuário, são apenas preventivas, ou seja, evitam que o rio fique mais poluído. Para limpar as águas, atualmente, dois garis da Urbana trabalham em um barco. Por dia, eles recolhem toda espécie de material “esquecido” pelos natalenses. A cada três meses, um mutirão reforça a limpeza do local.

Segundo Heverton Rocha, gerente de Meio Ambiente da Urbana, o último mutirão, realizado em agosto passado, reuniu estudantes e professores da Universidade Potiguar (UnP) e moradores da região ribeirinha. “Num intervalo de três horas, recolhemos cinco toneladas de lixo”, diz. Grande parte do que é recolhido, ironicamente, passa por um processo que beneficia o meio ambiente: a reciclagem. “Recolhemos garrafas pets, sacolas e outros objetos feitos de plástico que acabam sendo reciclados”, informa Rocha.

O barco usado pela Urbana é disponibilizado, através de uma parceria, pela Fundação para o Desenvolvimento Sustentável da Terra Potiguar (Fundep), ligada à UnP. “A Urbana entra com a mão de obra. O barco sai da ponte de Igapó e vai até à Redinha recolhendo o lixo que fica boiando”, diz Heverton.

Na última quinta-feira, a TRIBUNA DO NORTE fez o percurso. A quantidade de sacos, garrafas, pedaços de madeira e embalagens descartáveis impressiona. A reportagem flagrou até mesmo um velocípede. A realidade não assusta os moradores e pescadores da região. “Para mim essa água não é suja. Brinco aqui todo dia e não fico doente”, diz Wallacy Dantas, 13 anos. O menino fazia parte de um grupo de crianças que se divertiam pulando de cima dos barcos ancorados às margens do Potengi, no Paço da Pátria.

Em 2009, em um único dia, o Ibama/RN, em parceria com a Marinha do Brasil, recolheu 13,5 toneladas de lixo do rio. A ação despoluente acontece dentro da “Operação Potengi”. “O rio é de responsabilidade do Estado. O Ibama tem ação suplementar apenas. Quando necessário, vamos ao rio. Ano passado, recebemos uma denúncia de mortandade de peixe e investigamos juntamente com a Ong Navima”, informa o coordenador de gabinete do Ibama/RN e oceanógrafo Luiz Eduardo Carvalho Bonilha.

De acordo com Bonilha, é a Política Nacional de Recursos Hídricos que define a competência de cada órgão. “Por ser um rio estadual, o Potengi deve ser monitorado por uma autarquia estadual”, diz. O coordenador do setor de Meio Ambiente do Idema, Sérgio Macedo, afirma que o principal mecanismo de monitoramento do rio é a liberação da licença ambiental e a posterior fiscalização. “O que fazemos é o licenciamento. Nele, exigimos os projetos de tratamento de efluentes. Analisamos e aprovamos para depois o projeto a ser construído seja implantado”.

Bate-papo

» Gilka da Mata Dias Prom. do Meio Ambiente

Desde quando o Ministério Público atua na proteção do rio Potengi?

Desde o ano de 2004. A poluição na época era muito acentuada e as melhorias têm sido verificadas de forma gradual.

Que tipos de ações já foram realizadas?

Além do trabalho realizado junto a todas as empresas do Distrito Industrial de Natal (DIN), onde as indústrias tiveram que instalar sistema de tratamento de efluentes industriais, em razão de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) celebrado com o Ministério Público, a 45ª Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente já ajuizou várias ações para a proteção do Rio Potengi.

Há alguma ação que merece destaque?

Todas são relevantes, mas a ação ajuizada contra o Estado do Rio Grande do Norte e contra o Idema, que ainda está em trâmite na 5ª Vara da Fazenda Pública, tem sido muito importante porque tem revelado a grande fragilidade e o grande amadorismo no cumprimento por parte do Governo do Estado do RN dos princípios e das diretrizes da Política Ambiental e da Política de Recursos Hídricos do Estado do Rio Grande do Norte. Nessa ação, o juiz Luiz Alberto Dantas Filho determinou a realização de um diagnóstico completo de todos os efluentes que são lançados no estuário do Rio Potengi/Jundiaí, incluindo avaliação de seu volume e cargas, utilizando análises laboratoriais.

Quais as conquistas mais relevantes que a promotoria de Meio Ambiente contabilizou ao longo dos anos?

Podemos comemorar a mudança da forma de se instalar o esgotamento sanitário na cidade de Natal. Antes do ajuizamento das ações, percebíamos que a Caern ampliava suas redes sem sequer se preocupar em realizar o tratamento e a disposição adequada dos esgotos no Rio, causando poluição grave e continuada no local. Um segundo aspecto positivo diz respeito às determinações judiciais relativas às adequações das Estações de Tratamento de Esgotos (ETEs). É claro que todas essas mudanças não podem e não têm sido realizadas de forma instantânea. Esse aprimoramento demanda prazos, porque envolve projetos, obras e existe um passivo muito grande a ser sanado.

Atualmente, qual problema demanda mais atenção?

A desestrutura dos órgãos de fiscalização, principalmente do Idema e da Semarh.

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