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Natal
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Sob solo de um ser que sabe e que sonha

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Veludo Poty
Carlos Gurgel
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A cidade sempre foi um lugar onde as pessoas transitam por ela, e essas pessoas, se esquecem que a cidade é onde elas moram, como um lugar de florada consanguínea. Dessa forma, suas veias, iluminadas e ferrenhas, abrigam toda sorte de passante e do edificante ficante. Pela madrugada, os caminhantes noturnos, vão a procura de uma marquise, facultando a horizontalidade dos seus corpos e a verticalidade da sua sobrevivência. Sempre foi assim, quando acontece das cidades acolherem novas criaturas. Esse movimento, deflagra uma nova composição psico-social. São inúmeros os rostos, faces, corações, pés, fígados, pulmões de novas pessoas, indivíduos que invadem e vem. Mostrando a possibilidade de permanecerem em um novo chão. Como deflagradores de um novo centro irradiador, que acolhe seus sonhos e seus desejos. Essas coisas nem sempre ficam bem estendidas, porque as pessoas que aqui nascem e moram, acompanham e observam esses novos seres. Impulsionados que foram, pela coragem e desprendimento que tiveram em deixar para trás seus quartos e quintais. Claro, que essa cumplicidade, certamente acontece. Como fruto de uma simbiose, de uma convivência. Nômade esse nosso tempo. Pontiagudo e célere. Desafiador e esperanto.
O guitarrista Joca Costa é referência, um desbravador de tantas harmonias e tantos toques
Esse mutante processo, faz com que o planeta, já não tão de hoje, acompanhe esse mix, mistura de raças e falas. De transformações e conexões. Isso indubitavelmente desencadeia mudanças. Novos olhares. Como uma antena que vai e que vem. Acompanhando os passos e os corações, tanto dos daqui, quanto dos de fora. É sem dúvida, uma corrente, uma expansão, uma mistura, uma necessidade de se reconhecer nessa (im)permanência. De novos hóspedes.

Lembro de uma construção antiga, caindo aos espaços. Era, como se ali estivesse, o caminhar contínuo das pessoas, pela cidade, sem se importarem com seus novelos, seus espelhos, com a sua paisagem. Com tudo que fosse relacionado ao relicário da sua geografia sentimental, emotiva. Porque as suas ruas pavimentadas parecem enormes pistas de disputas pela residência contínua dos sonhos. Como testamento, testemunho, de que o valor de saber pisar o chão, implica na condição de também, saber resguardar seus sítios, edifícios, construções, parques, pontes, praças, jardins.

Natal, sempre foi cosmopolita. Sempre. E sempre absorveu rápido esse processo. Como se fosse uma mãe, disposta a dar a mão e o coração para quem aqui chega, e aqui permanece, fica. É interessante notar que essa nova realidade causa uma revolução. As vezes imperceptível, quase acabrunhada. Mas percebível nos sotaques, costumes, refeições e olhares. Sei de inúmeros visitantes que aqui vieram nos conhecer,  e que nunca mais voltaram as suas cidades de origem. Em profusão, especialmente os paulistas, como se Natal, fosse um sítio tranquilo, de repouso, para os paulistanos intrépidos e bons de conversa e amizade.

Fora do eixo sudeste, Natal também sempre foi destino dos nordestinos. Com suas disciplinas, ferramentas, profissões e corações. Assim, essa mistura escaldante cada vez mais se elastece. Compreendida por todos, como uma reflexão sobre seus princípios e verdades. Harmonia que deve sobreviver a todo e qualquer deslize, estranhamento descalço.

Estamos, vivemos em um enorme quintal, preenchido de aromas, rabiscos, sotaques, caras e coroas, faces, maltrapilhos, ginastas, limpadores de artérias, dançarinas e uma infinidade de outras nuances, do suor que escorre e pede socorro. Já dizia Mac Lhuan, que nesse nosso planeta, estamos em um rápido giro, fazemos um rápido esticamento, conexão , mergulho, sem semelhança. Sofremos porque não conseguimos acompanhar a velocidade dos acontecimentos, planetários e íntimos. Máximos e mínimos.

Uma das figuras que por aqui chegou e ficou, foi o guitarrista paraibano Joca Costa. E que maravilhoso foi, é, e sempre será isso!! Joca aqui chegando, pelos anos 70, se integrou ao “Impacto 5”, grupo que animava as festas domingueiras, em um clube natalense. De um exímio profissionalismo, Joca foi sendo reconhecido. Logo, passou a ser convidado para as mais variadas apresentações, levando a plateia a um entusiasmo frenético, de incondicional fã. Por vezes testemunhei as virtuosas apresentações desse gigante guitarrista. Sempre lançava solos ao público feito estátua, como um soldado no meio do front, que escolhe o alvo certo, para mirar e seguir em frente. Foi assim, no grupo “Impacto 5”, como também nas apresentações dos festivais de música realizados aqui, nos anos 70, 80. Assim, também, como homenageado inúmeras vezes. E não foram poucas: como um professor completamente diferenciado, pelo seu conhecimento musical, exigente e conciliador. Um conhecedor lançado ao alto, graduado como exímio pesquisador de notas, arranjos, silêncios sonoros e uma encruzilhada de riffs e de jams.

Acompanhar Joca nas suas apresentações sempre foi um raro presente. Ontem, hoje, ou do que virá. Porque ele resgata no coração de cada um, um frenesi, uma febre de uma frase hipnótica e feliz. De uma modéstia e calma, sem igual, esse músico é referência, ponto de pesquisa, estudo, um desbravador de tantas harmonias e tantos toques. Como um silencioso mestre. Daqueles que passam a vida procurando a nota que falta. Ou, em segundos, se reencontra com o tempo da magia e de tudo que reluz, cintilante aquarela que dança, frente aos nossos mais expressivos sentimentos.

Lidar com música, sina sonora, sempre será um garimpo, uma rica e inquietante colheita. Lidar, encarar a música, é como se perceber em uma floresta povoada de deuses e histórias. De tantos e inúmeros ecos, que nos conduzem ao encontro do além. Lidar com musica, é sempre estar preparado para desarrumar o óbvio, e reescrever notas raras, escondidas e sonhadas.

Assim, o percurso do luxuriante e delirante músico Joca Costa, como maestro de uma nova descoberta. Daquelas que nos fazem passageiros de uma viagem absolutamente criativa e única. Daquela viagem que sabemos, nunca voltaremos a ser os mesmos. Tal seu condutor: criatura que hipnotiza a paisagem , por onde os nossos pés e mentes, um dia passarão, ao se deliciarem com seus tapetes e luas. Que meu amigo Joca Costa continue ressuscitando nossas vidas. Tal qual, ressuscita nossas almas. Possuidor do sorriso na face, capaz de enfrentar qualquer imprevisto e tempo vazio. Filho da força do som, rastro que cura e salva, porque humilde e apaixonado discípulo da música, que o eleva e nos faz tão bem.

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