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Sobre haicais (I)

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Lívio Oliveira
[email protected]

O meu interesse pelos haicais, como especial maneira de produzir poesia, originária do Japão, cresce a cada dia que passa. Há alguns anos fiz uma entrevista – através de e-mail – com o crítico, escritor e professor da Unicamp, Paulo Franchetti, colocando como um dos temas centrais a arte poética dos haicais. O conhecimento de Paulo é profundo e ele me trouxe alguns ensinamentos. Confiram esses trechos da entrevista:

Que lugar o haicai ocupa na sua órbita de interesses literários? 
Paulo Franchetti: Tenho me ocupado do haicai há 30 anos, alguns períodos com mais aplicação, outros com menos. Gosto de ler haicais e gosto de escrever haicais. E gosto também de participar de grupos, de listas de discussão de haicais, de eventos relacionados ao haicai. Depois de terminar o mestrado em Campinas, dediquei-me seriamente ao estudo da língua japonesa e a leituras sobre o Japão e sobre a sua cultura, especialmente o budismo. Não pensava em traduzir haicais, mas em entender aquele tipo de texto no seu ambiente de origem. Comecei a carreira acadêmica no interior de Mato Grosso, em Rondonópolis. Lecionava lá e morava em Cuiabá. Isso foi em 1985. Não havia bibliotecas. Eu estava longe dos arquivos e das fontes imediatas de uma pesquisa que tinha começado, com vistas ao doutoramento. O que me restava eram os livros budistas, os manuais de estudos japoneses, algumas traduções francesas de textos clássicos chineses, as traduções de Joaquim Guerra desses mesmos clássicos e os 6 volumes do Blyth: os quatro do Haiku e os dois de A history of haiku. E uma profusão de livros sobre o “zen”. Passei aquele ano mergulhado nessas leituras, que continuei quando, em 1986, fui contratado para dar aulas na Unicamp. E estava tão envolvido com elas que não quis fazer doutoramento. Quis, antes, publicar um volume com tradução dos haicais que mais me impressionaram ao longo desses estudos. Só depois fui pensar no que fazer para obter a titulação acadêmica. E então voltei ao Camilo Pessanha. Ao mesmo tempo, ficou bem claro nessa época que eu não faria do haicai no Brasil o meu objeto de doutoramento. Não me sentia bem com essa idéia, pois nem os meus conhecimentos do japonês eram razoáveis para tanto, nem eu queria misturar o haicai com a questão acadêmica – ou melhor, com o tratamento acadêmico que uma tese exige. O que me faz pensar que o haicai tem um lugar muito especial nos meus interesses literários. Um lugar que não sei definir bem. 

É possível aliar o perfil minimalista e oriental do haicai às evoluções da língua portuguesa?
PF: O haicai me parece uma fonte de estímulo, um lugar deslocado, a partir do qual podemos pensar com mais novidade a nossa própria tradição poética.

A fórmula que Guilherme de Almeida aplicou à feitura de seus haicais possui as soluções necessárias e/ou adequadas àquela espécie poética? Que regras são essenciais à elaboração do haicai? Que regras podem ser quebradas sem agressão ao espírito do poema minimalista?
PF:Creio que um bom texto de haicai é aquele que consegue, com o mínimo, obter apenas o suficiente. O haicai que se aprende por meio da leitura dos mestres japoneses é um poema que tem na modéstia e no despojamento os seus valores centrais. O bom haicai não se satisfaz na exibição de virtuosidade técnica ou capacidade de associação brilhante. Pelo contrário, é um texto que se limita voluntariamente a apenas situar uma dada percepção sensória, objetiva, num campo maior de referências (objetivas ou subjetivas) onde ela ganhe sentido e componha um quadro único; um texto que traz para o leitor a presentificação de um instante como algo inacabado, aberto, um esboço ou um diagrama do choque entre a sensação fugaz e irrepetível e seu longo ou profundo ecoar nas diversas cordas da sensibilidade e da memória. Por conta disso, haicai não é uma questão de fôrma, mas de forma interna do discurso.

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