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Sobre haicais (II)

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Lívio Oliveira
[email protected]

Oportuna a renovação do debate acerca da forma e da atitude poética do haicai e das reflexões por ela provocadas, o que me permitem ensejo para recuperar uma história pessoal/literária minha e trazer a conhecimento um diálogo que tive (por e-mail) – acerca dessa espécie poética, com o saudoso e famoso haicaísta/ haijin  brasileiro/ amazonense Aníbal Beça, por ocasião da elaboração do meu livro “Pena Mínima”, que saiu pela editora do Sebo Vermelho em 2007.

Ao indagar a Aníbal acerca da necessidade/exigência de rigor, ou não, no cumprimento de algumas regras específicas (inclusive sobre métrica) dos haicais, assim me respondeu o mestre:

“Lívio, não sigo não. Comecei fazendo haicais à maneira de Guilherme de Almeida, mas desde 84 abandonei o modelo. Hoje faço sem essa preocupação das 17 sílabas, embora permaneça bem perto desse número. Para mais e para menos. O que ocorre é que sou músico, tenho o ouvido absoluto, e mesmo que não queira, muitas vezes acabo fazendo dentro da métrica. Creio, também, que a minha experiência com os companheiros da lista Haikai-l tenha me influenciado. Mas um dos mestres por lá, o Prof. Paulo Franchetti, prega a abstenção da métrica. Portanto, vc. está acobertado pela tese de um dos mais expressivos conhecedores da arte do haicai no Brasil.

Passarinho preso/mesmo com alpiste/não canta melhor. Abraço amazônico – Anibal Beça”

Naquela oportunidade, Nei Leandro de Castro, que terminou fazendo o prefácio de meu livro, estabelecia-me questionamentos sobre o meu cumprimento de métrica, regra do kigô e outras sutilezas acerca da maneira de se produzir a espécie poética minimalista oriunda do Japão. Fiz, então, questão de encaminhar a Nei o e-mail que havia recebido de Aníbal. Poucos dias depois, Nei me encaminhava o prefácio para o meu livro, o que me aumentou a segurança para continuar trabalhando sobre os haicais. Eis um trecho do texto de Nei, publicado em “Pena Mínima”:

“O haikai, aparentemente, é uma composição poética simples. Compõe-se de três versos, o primeiro com cinco sílabas, o segundo com sete e o terceiro com cinco. Mas quando se adentra nos mistérios do poema japonês, começam a surgir pelo caminho os labirintos que podem conduzir ou não ao verdadeiro haikai. O kigô, por exemplo, faz parte da composição e pode representar a primavera, o verão, o outono e o inverno, cada estação com suas características observadas do ponto de vista do poeta. É preciso ainda observar as diferenças entre o som japonês, a métrica japonesa e a transposição dos haikais para a estrutura de nossa língua. Sempre julguei que a metrificação do haikai era tão rigorosa quanto, por exemplo, a do soneto. Aprendi recentemente que acentuação dos versos do haikai pode ser quebrada, desde que a quebra não resulte em excesso de sílabas. Mais um mistério dessa poesia oriental.

No Brasil, Leila Miccolis, Aníbal Beça, Alexei Bueno, Paulo Franchetti, para citar apenas quatro exemplos, cultivam o kaikai com rigor na métrica. Millôr Fernandes, autor de um famoso livro do gênero, faz o que ele sempre soube fazer: um humorismo de alto nível. Lívio Oliveira, ao colocar seu engenho e arte a serviço do haikai, também se sai bem: usa as sílabas certas, transgride a métrica porque lhe é permitido transgredir, talvez não tenha seguido rigorosamente as normas do kigô, mas escreveu poemas, com imaginação e sensibilidade, construídos com versos que mostram leveza de estilo e força verbal.”

Pois é. Acho que Nei entendeu e aceitou bem a questão. E percebo que um dos meus haicais traduz razoavelmente a minha apaixonada relação com essa maneira especial de fazer poesia: “Contra a maré: braço./Eu, rumando ao precipício,/resistindo, traço.”

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