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Sobre líricos e loucos

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Ivan Maciel de Andrade
Advogado

Há livros que, por sua feitura, pela peculiar forma como foram elaborados, por seus objetivos, talvez não mereçam ser incluídos no universo literário. Muito mais por essas características do que por deficiências ou carências que os desqualifiquem. Mas nem mesmo assim são destituídos de interesse ou importância, não podendo jamais ser desprezados ou menosprezados. Há algo neles que se impõe à curiosidade e cumplicidade dos leitores, que se sentem tão fortemente atraídos por seu conteúdo que mal se apercebem da forma displicente ou descuidada – a descontração coloquial às vezes se confunde com o desleixo – com que foram escritos. Essa ausência de preocupação literária talvez os torne ainda mais sedutores/irresistíveis, pois muitas vezes se trata de um despojamento intencional.    

É este, me parece, o caso do livro “De líricos e de loucos” (Sebo Vermelho), de Augusto Severo Neto, poeta, poliglota, empresário, grande “causeur”, viajante com longas permanências no exterior, amigo de excepcionais qualidades, morto, para nossa tristeza, há tanto tempo que mais parece uma eternidade. O livro de Augusto Severo foi ressuscitado merecidamente pelo editor Abimael Silva, a quem muito deve, é justo reconhecer, a literatura do nosso Estado, pelo que sua editora tem publicado tanto de novos quanto de consagrados autores norte-rio-grandenses, à base mais, muito mais, de idealismo do que de espírito comercial (o que justificaria sua inclusão entre os personagens do livro!). “De líricos e de loucos” contém perfis de escritores, artistas, intelectuais que se tornaram conhecidos e respeitados não só pelo talento e projeção profissional como por marcantes atitudes e comportamentos líricos. Mas há também perfis de figuras populares, pitorescas, folclóricas, que mesclavam o lirismo e a loucura em doses chaplineanamente indissociáveis. São perfis escritos numa linguagem saborosa e divertida, com uma afetuosa adesão do autor aos aspectos líricos de todos os que foram retratados.

Como diz Abimael, com sua persuasiva retórica de editor, trata-se de “uma leitura tão prazerosa que cura qualquer tentativa de mau humor, angústia, cara feia, depressão ou coisa parecida”. Sai-se do livro, temos de admitir, conhecendo e valorizando melhor a condição humana. Esse elogio pode parecer exagerado ou descabido, aos mais exigentes, mas é suscetível, senão fácil, de ser confirmado pelo leitor que não se detenha em detalhes ou nos aspectos apenas humorísticos das narrativas. É que o livro está tão recheado de vida que transcende, surpreendentemente, suas próprias limitações e consegue alcançar estágios de captação e registro de sentimentos e opções existenciais que parecem ir muito além das pretensões e ambições do autor. Por trás do tom bricalhão com que são contadas algumas das histórias há dramas insuspeitáveis e comédias melancólicas que saltam das páginas do livro como se estivessem sendo focalizadas por uma câmera inteligente e sensível a serviço de um documentário sobre interessantes tipos humanos que povoam uma cidade ainda provinciana. Para um bom observador, essa galeria de tipos assume uma expressiva grandeza federicofelliniana. Essa é a melhor descoberta que se pode fazer através da leitura atenta desse livro de Augusto Severo Neto.

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