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Sua excelência, a educação

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ANTÔNIO GOIS
Da Folha/Rio
Dinheiro e posse de bens de consumo podem ser sinais exteriores de prosperidade, mas o que realmente distingue com clareza a classe social à qual o brasileiro pertence é a escolaridade.

O levantamento Datafolha mostra que no topo da pirâmide, por exemplo, a maioria possui nível superior. Descendo um degrau, no que seria uma classe média alta, esta proporção cai significativamente, e o nível de instrução da maioria passa a ser o ensino médio completo.

Assim vai até chegarmos à base da pirâmide, em que o mais comum é ser analfabeto ou nem sequer ter completado o primário, equivalente hoje ao quinto ano do ensino fundamental.

Estudar é, portanto, o melhor passaporte para a mobilidade social. E, apesar de muitos brasileiros ainda terem uma escolaridade precária, a boa notícia foi que a distância entre pobres e ricos no que diz respeito ao acesso à escola diminuiu.

Há dez anos, o Datafolha registrava que havia mais brasileiros que não tinham completado o ensino fundamental do que aqueles que possuíam ao menos o nível médio completo.

Hoje, a situação se inverteu, e esse movimento teve papel fundamental na redução da desigualdade e no crescimento da classe média no país, como comprovam alguns estudos.

O mais recente deles, dos pesquisadores Naércio Menezes Filho e Alison Pablo de Oliveira, ambos da USP (Universidade de São Paulo) e do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa), mostra que 40% da queda da desigualdade no mercado de trabalho na década passada é explicada pela melhoria da escolaridade dos mais pobres.

O economista Marcelo Neri, da FGV (Fundação Getúlio Vargas), que chegou a conclusão semelhante em estudo divulgado em maio, lembra que a educação no Brasil nem sempre jogou a favor da redução da desigualdade.

Nos anos 1970, durante o chamado “milagre econômico”, o avanço pífio da escolaridade fez com que os poucos brasileiros mais instruídos se beneficiassem muito mais do bom momento econômico do que os aqueles que estudaram menos tempo.

Na década passada, mesmo sem taxas tão altas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), foram os mais pobres que registraram maior aumento na renda, permitindo que muitos mudassem de classe econômica, em boa parte devido à melhoria de sua escolaridade.

“A educação teve papel fundamental para explicar essa fantástica queda da desigualdade. E, nesse campo, muito do que foi colhido na década passada começou a ser plantado nos anos 1990”, afirma o economista.

Neri se diz otimista com a continuidade desse processo. “Muitos, inclusive eu, acreditavam que o crescimento dessas classes era sustentado mais na oferta de crédito e de programas sociais. Mas hoje entendo que as pessoas estão ascendendo também porque estudaram mais e tiveram menos filhos.”

MENOS RISCOS

Priscila Cruz, diretora-executiva do movimento Todos Pela Educação, lembra que quanto menor a escolaridade, menor a proteção contra crises econômicas.

“Se a economia desaquece, muitos dos brasileiros que migraram para a classe C beneficiados só pelo crescimento podem voltar para as classes D ou E. Com mais instrução, a pessoa tem mais força para reagir às adversidades e capacidade de migrar de um setor para outro.” 

Para ela, no entanto, à medida que as diferenças em termos de acesso diminuem, aumenta a importância da qualidade do ensino.

“Cada vez mais, o que diferenciará as classes não será tanto o nível de ensino ao qual cada um chegou, mas a qualidade da educação recebida”, afirma.

Cruz avalia ainda que será um erro se boa parte dessa nova classe média fugir da escola pública em busca de mais qualidade nos colégios particulares.

Seu argumento é que essa migração teria efeito prejudicial para a educação na rede pública e não seria garantia de melhor ensino, já que muitas escolas privadas, especialmente as que oferecem cursos mais baratos, têm também qualidade muito ruim.

Estudar e subir na vida ganham mais importância do que casar e ter filhos
Mesmo separados por um hiato grande de renda familiar e de escolaridade, os brasileiros compartilham o desejo de subir na vida. A realização profissional é considerada um valor muito mais importante do que casamento por integrantes de todas as classes sociais. Segundo o Datafolha, também prevalece a percepção de que a educação é o principal instrumento para a felicidade.

Para o cientista político Amaury de Souza, da MCM Consultores, com a universalização do acesso ao ensino fundamental, os trabalhadores precisam “ir além” para conseguir destaque no mercado de trabalho. “Hoje não é mais possível ascender sem investimento em educação”, diz.

Já a importância atribuída à realização profissional, na opinião de Souza, está ligada “ao desejo de conquistar uma renda alta e estável”. Escaldados pelo histórico de altos e baixos da economia do país, os brasileiros também passaram a valorizar a “estabilidade no trabalho”.

“Para ter uma família estruturada, poder dar aos filhos o que acho que eles vão precisar, preciso ser uma profissional completa”, diz a médica Denise Torejane, 28. Ela está acabando a especialização em cirurgia plástica e trabalha ao menos 12 horas por dia.

Casado e à espera da primeira filha, o professor universitário Leonardo Pio, 28, também diz que realização profissional é o que mais importa na sua vida hoje. “Talvez eu passe a pensar de forma diferente com a chegada da minha filha, mas acho que realização profissional é importante tanto pelo retorno financeiro como pela conquista pessoal.”

Em Natal, Antônio Lailson Filho, 45, é filho de pedreiro. Há pouco mais de dez anos ganhava menos de R$ 1.000,00. Viu a vida mudar nos últimos quatros anos, quando começou o programa Minha Casa, Minha Vida, e ele apostou no ramo da construção civil. O rendimento cresceu em quase 15 vezes.

“Hoje a economia está fluindo melhor, mas não se consegue nada sem profissionalização. O estudo é a base para alcançar uma posição melhor; para ter destaque, seja em que profissão for”.

Embora brasileiros de diferentes estratos sociais pareçam concordar sobre que aspectos são mais importantes para a felicidade, o grau de consenso é menor nas classes mais baixas. Metade dos excluídos citou o estudo como aspecto muito importante para a felicidade – na classe alta, o índice foi de 80%.

Segundo especialistas, isso pode indicar um grau maior de desilusão entre as camadas de renda menor. O desinteresse pela política parece confirmar essa leitura. A falta de preferência por algum partido atinge 70% entre os excluídos, contra 54% na classe alta.

CLASSE MÉDIA ALTA

O comerciante Antônio Lailson Filho, 45, tem apenas o ensino médio. Já trabalhou como pedreiro e no comércio. Hoje, mora em casa própria no bairro de Igapó, zona norte de Natal; tem carro importado, casa de praia, em Graçandu; e plano de saúde para a família e investe em boas escolas para as filhas Lorena, 14 anos, e Lorrane, 2 anos e meio, por acreditar que o estudo é a chave para galgar uma posição melhor.

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