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Talhe do mestre dos galhos e jardins

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Era tarde. Uma noite repleta de estrelas e magia. O som dos animais no meio do arvoredo, da floresta encarapitada de lendas e estórias. De uma longa e encantada selva. Disposta entre galhos, troncos, folhas, frutos. Chão apinhado de luz e ritmo. Do que a vida necessita. Do que todo e qualquer artista necessita. Uma floresta repleta de tantas trilhas, aventuras, de tantos recantos. Ver e sentir os morros e as florestas como uma contínua descoberta. Como uma tela onde sua paisagem passa pela pulsação de criativas mentes. Daquelas que vão além do que a cena supõe. Como um periscópio, farol que ilumina caminhos e a desenvoltura da paisagem. O batimento do que se sente quanto ao que se vive, é semelhante ao percurso de uma estrela por entre o cosmos. Esse percurso é puro estímulo, natureza que se revela como matéria prima de uma escultural obra, enorme, continuamente trabalhada, como uma perfeita tradução de quem se mostra multiplicador de rascunhos e formas. É preciso que a alma se mostre, que as mãos pulsem como uma floresta viva, indômita, vale onde o contorno de uma peça, desagua na riqueza de um traço. De um ponto, início do que a intensidade multiplica, reconta. Pedaços que vão formando corpos, cachoeiras, praças, corações, faces, pássaros, nuvens e a magnitude de um paraíso perdido entre folhas e troncos.

Os morros, circulando a cidade, são como riquezas permanentes.  Eles são como testemunhas de toda sorte de episódios e desfechos. Com seus círculos e elevações, transforma a cidade em um espaço de ressonâncias e significativos sinais. Longos são seus atalhos e trilhas. Suas vegetações e sombras. Perigosos são seus esconderijos e despenhadeiros. Através dos morros, que circulam a cidade e seus habitantes, o tempo se mostra semelhante a um girassol de tantas infinitas cores e encantos. O que assim se passa, favorece ao aparecimento da história que circula nossos corações e mastros. É pela fenda de um morro que se saberá por quanto tempo ainda, existirá a previsão de que a brisa por onde espalha seu descanso, permanecerá entre nós. Somos morros enquanto humanos e criadores de amizades e despedidas. Os morros tem coração. Os morros sofrem. Os morros respiram. Os morros tem filhos. Os morros sorriem e adormecem. E depois do dia, onde os morros se encantam, a cidade some. Então, como uma gruta, o tempo se fecha. Lacrado de tempestades e da escuridão da noite. Amigo do que se mostra candeeiro de plumagens e uivos. Como a sensação do que a noite faz, quando as coisas se aproximam de um instante, deflagrador de sentimento e explosão. Do desfecho do que a arte pede.

Entre a fresta da madeira que dialoga com a ponta de um chão tão denso, rico, exuberante. De tanto grão. De tanta areia inteiriça, que vai ao longo do pensamento, distribuindo molduras e paspatus. Acabamentos e cores. Vestígios e afirmações. Embarcações de folhagens , de belas cartilagens do que está lá dentro, no centro da terra. Sim, todos nós somos barros e preenchimentos. Caminhos das raízes e caules tristonhos e primaveris, Secas e enchentes. Assim, certamente um dia, o vocabulário que se usa, será fuligem, adubo que se possa usar. Entre a flor da beira da estrada e de um envelope lacrado contendo sementes e frutos maduros. Árvores de uma existência secular e tão habitada por romances e epidemias.

Aqui na cidade temos um artista que ressuscita árvores, madeiras, como se fossem anjos. Divindades que espalham harmonias, tantas, e tanto mais, que de imediato reconhecemos a beleza de cada uma, dessas inúmeras árvores/divindades, sendo reescritas, laminadas como seres vivos. Personagens de luz e de ânimo. Essas esculturas são tão vivas, que me parece, tem um tempo, onde desejaríamos dialogar com elas, tal sua veracidade e pulsação. O escultor que vos falo chama-se Jordão. Um samaritano que cuida, protege nossa selva, montanha de folhas e frutos. Imensidão dos morros e crateras. Com seu cajado de coifas e burilamentos, ele desfralda a ciência de dar vida as árvores, troncos, umbaranas, ipês, famílias de outras madeiras: o cimento barro matéria prima do que produz.  Sobrevivente de uma raça em extinção, por ser um adulto/ criança, Jordão entalha seus dias como um grande painel a céu aberto. Feira livre da sua criação. Surreal ateliê que sabe desenhar o cotidiano como um paraíso coberto de um barro salvador. Barro vindo do coração e mente de Jordão. Uma figura como um messias. Um porta voz dos lugares intactos e distantes. Como um profeta estandarte de uma nação que navega ao redor de um veio cristalino. Que salva nossos rios e construções. Que levanta entre praças e casas, seus barros, esculturas de uma arquitetura  preciosa e litorânea.

Essa árvore artista tão rara, se espalha por entre casas e praças. Por sobre o rochedo da cidade solar, tal sua veracidade, identidade tão precisa de um fomentador de enorme profundidade, rebuscado das origens do que se esparrama pelo chão dos edifícios e construções contemporâneas. Esse mentor da madeira, tem tanta mata e sombra que se recria por sobre o azulejo da memória perdida. Das construções derrubadas. E da corrente dos guardiões da selva do coração de Jordão. Essa miscigenação, essa cumplicidade do criador com a natureza transforma as peças de Jordão em um itinerário de uma translúcida geografia amorosa da cidade sem catalogação. Jordão teima em sorrir encantado. Como uma pegada que deu no morro que ninguém conhece. Como uma escalada sobre as nuvens da cidade dos morros.

O campo onde Jordão se enraiza e cristaliza sua criação, agora parece como uma esteira de lei. Terra batida de barro e garra, onde o artista respira. Evolui como um animal que se metamorfoseia, e tal como fênix, renasce como um arauto folheado de pradarias, e do sabor de uma expedição de figuras de uma selva viva e voraz. Então o barro se faz árvore e arde. Pois as mãos do escultor lapida o real morro de tantas folhadas estações. No fogo do forno originário, o artista percorre o instante onde sua obra nasce. Sobre si, o artista árvore respira e anda. Se locomove entre estrados e estradas. Como uma embarcação que navega entre a sombra da mata virgem dos becos, vielas, frontispícios da fortaleza desse chão. Raiz por onde Jordão cresce e anoitece. Que suas evoluções entre mãos, seja sempre a cor por onde os dias repousam: batismo de formação de riscos e rotas. Galhos da natureza nas mãos que ressuscitam, recriam a paisagem carente de luminosidade e fervor. Rama que cresce solta, livre. Respirando o cheiro das árvores em plena floração. Como o filho de uma folha que nasce como uma planta. De tantas, milhares de peças. Esculturas que se agigantam e compõe a cidade do artista da terra. Pé da serra do lume e do cume. Do barro, do que protege, entre o céu aberto e o tapume. Na raiz que sua alma confia: nada se perde. Tudo se cria.

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