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Tradução Vanguarda (2)

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Dácio Galvão [ [email protected] ]

Na perspectiva de realizar uma tradução criativa tentando dar corpus e musculatura ao texto do poeta norte-americano muito admirado por Paulo Leminski, Cascudo a faria e em seguida atestaria a impossibilidade da permanência da grandeza poética. Esta, entenderia ficar restrita ao texto original. O axioma a equação lingüística de que qualquer operação tradutora é recriação de fonemas, de fonética, de sintaxe, de morfologia, de metáforas, parataxes, hipotaxes… Portanto poesia traduzida não é original. É exercício de transcriação. Poesia não se traduz: se “intraduz” diria o concretista Augusto de Campos. Campos minados da micro e da macro estética. A importância da publicação viria a ser destacada pelo escritor mineiro Ivo Barroso organizador de “Poesia e Prosa” de Charles Baudelaire e tradutor entre vários de André Breton, T. S. Eliot, Arthur Rimbaud e do poema “Cristo na Cruz” de Jorge Luis Borges. Escreve Barroso em “A voz Oceânica de Walt Whitamn”: “O interesse pela obra de Whitman ente nós pode ser assinalado desde 1945, quando Luis da Câmara Cascudo publicou n’A República, de Natal, três artigos que incluíam as traduções dos poemas ‘I hear America Singer’, ‘The base off all Metaphysics’ e ‘For you, o Democracy’. Já nessa época, o nosso grande folclorista reconhecia em Whitman ‘um dos mais difíceis originais para tradução. Um Whitman traduzido é uma diminuição infalível. O grande , imenso poeta, só o será em inglês, na plenitude de sua originalidade poderosa, manejando os recursos do seu gênio, acumulador de nuvens e espalhador de ritmos maravilhosos.

Percebemos, na leitura dos poemas traduzidos, a recorrências ao “Cristo Divino”, ao “devotamento do Homem ao seu Companheiro” e ao cantante continente “América”, e apontamentos de leituras da filosofia clássica. A América fraterna, a democracia, os barqueiros, carpinteiros, Hegel, Kant, Platão, Shelling cabiam nas muitas vozes de Walt Whitman repercutidas em versos que utopicamente supunham as “Cidades inseparáveis”, as cidades idílicas dos devotamentos do “fiel marido pela esposa / dos filhos pelos pais / Da cidade pela cidade / da terra pela terra”.

As traduções referidas podem ser vistas como exercícios poéticos, com o fim de reelaborar em outro idioma as poesias do inaugurador de versos-livres  antecipador de estéticas novas e contemporâneas que, entre a prosa e a poesia, cantou libertariamente a “esposa”, a “democracia, a “América” e seus subempregados (marceneiros, mecânicos, lenhador, sapateiro) de forma associada à quebra de tabus comportamentais como o homossexualismo (“À noite a reunião de jovens companheiros, fortes, afetuosamente.”) e de temas que em outras poetagens abordam o bisexualismo, o feminismo e o preconceito de cor. O ensaísta Ivo, ressalta sobre esse tema e afirma que o sociólogo pernambucano autor do “Casa-Grande & Senzala” não se exime nem se inibe de abordar a questão-chave do homossexualismo no verso de Whitman, como nesse trecho em que cita Gilberto Freyre: “o que teve foi principalmente a coragem de grandes amizades com outros homens (algumas – admita-se) de remoto ou imediato fundo homossexual. Ao lado de entusiasmos por “mulheres perfeitas”. Continua com Freyre: “O que põe em destaque seu bi-sexualismo de atitude; e o narcisismo de exaltar a beleza do corpo humano – a do homem tanto quanto a da mulher – e não apenas a graça e o encanto do corpo da mulher visto com olhos de homem. E arremata numa interpretação cabal: “Um homossexual inveterado dificilmente teria escrito poema tão compreensivo do sexo oposto e, ao mesmo tempo, tão masculino em sua atitude como “A woman waits for me”. Por último sintetiza a visão da feminilidade do vate: “Apenas a mulher por ele idealizada, não era a lânguida, a frágil, a excessivamente delicada das civilizações caracterizadas por um tal domínio econômico do Homem sobre a Mulher em que esta é antes um sub-sexo do que um sexo oposto.”

As traduções cascudianas publicadas em 1945 estão situadas dentro de um dado contexto especial. Além do significado de uma busca de atualização e da retomada do contato com um texto influenciador da escritura da poesia e da prosa modernas, a voz whitmaniana se junta a um coro de vozes estrangeiras que ressoava num brouhaha nas ruas da Natal nos anos 1940, quando a cidade se viu literalmente invadida pelas tropas americanas em combate na 2ª Guerra Mundial. Traduzir Walt Whitman, nesse cenário, seria uma rota. Navegação de cabotagem. De compreensão de adicionamento de componentes estéticos àquelas vozes. Bálsamo poético numa guerra.

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