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Tradução vanguarda – parte 3

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Dácio Galvão [ [email protected] ]

Bálsamo para uns ou uma boa apimentada na consciência sensível do coletivo foi verter Walt Whitman para o português numa época belicosa. O município de Parnamirim e Natal, capital do Rio Grande do Norte, polarizavam a presença americana no ambiente da segunda grande guerra. As antenas cascudianas estavam sintonizadas sincronicamente com o que havia de positividade de uma cultura simbólica e cidadã afora os ingredientes metalinguísticos. Na mesma década, Câmara Cascudo traduziu e anotou também Montaigne e o Índio Brasileiro (capítulo “Des caniballes” do Essais, de Montaigne – São Paulo: Cadernos da Hora Presente, 1940). Segundo o ensaísta Ivo Barroso, o poema “The Base Off All Metaphysics” foi traduzido também por Manuel Ferreira Santos e incluído em O Livro de Ouro da Poesia dos Estados Unidos publicado pela Ediouro, sem data. 

As operações poéticas e tradutoras em torno da textualidade  whitmaniana espocaram em outros interessados. O ensaísta citado acrescenta informação demonstrando e frisando o quanto da importância da tradução cascudiana transbordou transversalmente: “Seguindo-lhe os passos, Gilberto Freyre, em uma conferência na Sociedade dos Amigos da América, em maio de 1947, referia-se à originalidade e ao pioneirismo daquele “anglo-americano que primeiro exaltou em poema a figura de uma negra” e, analisando a atuação poético-política do vate, dizia que, “não obstante sua confiança no homem comum, Whitman enxergou sempre a necessidade, nos postos de comando – de puro comando, nunca de domínio – do homem incomum.” Toda a digressão de Freyre é focada na conceituação de Democracia e nas interpretações políticas de Whitman, para quem o “barco democrático não devia ser feito só para os ventos bons”, mas para enfrentar igualmente as tempestades (Ship of the hope of the world – Ship of Promise / Welcome the storm – welcome the trial)”.

As traduções publicadas em 1945 estão situadas numa conjuntura conturbada. A base norte-americana se reflete no conjunto urbano. A esse respeito, o próprio Câmara Cascudo depõe sobre o movimento de “Parnamirim Field”, a base aérea sob administração norte-americana: “Parnamirim, índice do tempo, tinha todas as manifestações da vida norte-americana. O correspondente de guerra Ernie Pyle, que morreria desembarcando em Okinawa, dirigiu um programa, direto para Nova Iorque, para a Columbia Broadcasting System. Estrelas de todos os tamanhos cantaram, dançaram, beberam e assobiaram para os soldados, marinheiros, aviadores e as meninas glamorosas da WAAC (Womem American Auxiliary Corp), que aprenderam o samba em Parnamirim e o nado em Ponta Negra. (CASCUDO, 1999, p. 423). História da Cidade do Natal. 3. ed. Natal: IHG/RN; RN Econômico, 1999.

O seguinte depoimento é significativo como reescrita da imagem que o poeta tem do povo idealizado e celebrado por Whitman, em um nova situação. A leitura se dava á luz da teoria de Bronislaw Malinowski (Theory of Needs). Para contextualizar, Câmara Cascudo cita o poeta El Macrizi em tradução não referida e inicia a reflexão com a assertiva “A vida faz-se apagar nos seus aparentes favores. Compensações melancólicas”, com o objetivo de compreender o que visualizou durante a ocupação americana e contrapor a uma espécie de normalidade brasileira. Em tom memorialístico discorreu asseverando o que os olhos observaram: “ Durante a guerra (1942-45), trabalhando na Defesa Civil de Natal, freqüentei Parnamirim Field (…). Atores e atrizes de primeira grandeza vinham dar shows animadores. Os mais estridentemente famosos e as mais visceralmente temperamentais. Não houve “glória” cinematográfica que eu não encontrasse em Parnamirim. Uma característica era a mobilidade, inquieta, incessante, ansiosa, numa expectativa dolorosa de má notícia e desgraça.  Estavam sempre andando, falando, a fisionomia cheia de perguntas, os olhos sem pouso. (…). Nenhum me daria a imagem fugitiva da felicidade relativa, do bem-estar físico, a tranqüila posse de notoriedade. Para que tanta batalha? Much A do About Nothing. O riso era uma representação perfeita. Não percebiam, realmente, o que recebiam ou compravam. O cabo, chauffeur da polícia, que me levara, resumiu a impressão surpreendida: – Que gente agoniada.” (CASCUDO, 1997, p. 193. O tempo e eu: confidências e proposições. Natal: EDUFRN, 1997.

  Ainda no ano de 1945, Câmara Cascudo publicou as suas pioneiras traduções em “Pensamento da América”, suplemento literário pan-americano do jornal oficial do Estado Novo, A Manhã. “Pensamento da América”, foi publicado de 1941 a 1948, sendo dirigido pelo escritor diplomata Ribeiro Couto entre 1941 e 1943) e por Renato Almeida (musicólogo, Chefe do Serviço de Informação do Ministério das Relações Exteriores) entre 1943 e 1945. A direção de Renato Almeida deu uma grande visibilidade aos estudos do folclore, motivo pelo qual a colaboração cascudiana se fez relevante, segundo Ana Luíza Beraba (2008, p. 82-84) em América aracnídea: teias culturais.

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