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Tratamento reduz riscos em bebês

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O vírus transmissor da aids é  traiçoeiro e não escolhe vítimas. Somente no ano passado, conforme relatório da UNAIDS, cerca de 390 mil crianças nasceram com HIV ao redor do mundo. O pico de infecções em recém-nascidos ocorreu em 2002, quando a Organização das Nações Unidas registrou o nascimento de 560 mil infectados. No Rio Grande do Norte, entre 2000 e 2010, foram notificadas 283 casos de gestantes soropositivas. A maioria delas com idades entre 20 e 29 anos, habitando na região metropolitana, que responde por 60% do total de casos.
Com prevenção e cuidados médicos específicos, bebês de mulheres soropositivas podem nascer sem o vírus da aids, mas para isso é preciso que a grávida seja acompanhada do início ao fim da gestação
Conforme Boletim Epidemiológico da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sesap), a incidência de infecções por HIV entre crianças menores de cinco anos cresceu no período acima citado. O número de infectados menores de cinco anos, até o ano passado, era de 49. Quando se expande a faixa etária e se analisa a incidência da infecção em crianças com 13 anos ou menos de idade, o total acumulado entre 2000 e 2010, sobe para 68 casos. Nesta faixa etária, a transmissão vertical predomina com 83% dos casos. A diferença, 17%, é de transmissão ignorada.

De acordo com a infectologista Lúcia Calich, que desenvolve um trabalho na Maternidade Escola Januário Cicco, o quantitativo de parturientes infeccionadas pelo HIV vem aumentando a cada ano no estado. “A gente tem uma estatística que em 2009, foram realizados 18 partos de gestantes que convivem com o HIV na Maternidade Escola. Em 2010, foram 24 partos e em 2011, até o final de outubro, já foram 30 partos. Fora as gestantes que a gente acompanha no ambulatório. Já estamos com aproximadamente 42 pacientes este ano. Estamos acompanhando 12 no ambulatório que estão para ter neném e 30 já tiveram”, destaca.
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Apesar do risco, com prevenção e cuidados médicos específicos, os bebês de mulheres soropositivas podem nascer sem o HIV. É preciso, porém, que a gravidez seja acompanhada do início ao fim por um obstetra e um infectologista, que irá monitorar as alterações relacionadas à carga viral da gestante. Do ponto de vista obstétrico, o pré-natal de uma grávida portadora do vírus HIV é igual ao de uma paciente soronegativa. “É uma gravidez como qualquer outra. O detalhe é que a gestante soropositiva irá tomar uma medicação para prevenção e os profissionais tem que tomar alguns cuidados em relação a estas medicações, como os efeitos colaterais”, afirma Lúcia Calich.

Ela ressalta, ainda, que é necessário realizar alguns exames a mais na mãe por ela estar tomando determinados remédios. Em relação ao bebê, ele será acompanhado não só para verificar se ele tem o vírus HIV, mas para identificar se acontece alguma coisa devido ao fato da mãe ter tomado a medicação. “Desde que iniciamos o trabalho com as gestantes soropositivas, em 2003, a gente não tem nenhum caso de bebê com problema por causa da medicação”.

Apesar dos avanços no tratamento, a melhor forma de se prevenir contra o vírus é utilizando preservativos em todas as relações. Para os bebês, os maiores riscos de infecção concentram-se na hora do parto, quando ocorre a troca de sangue do recém-nascido com a mãe. Por isso que, o tipo de parto mais recomendado é a cesariana. “O objetivo de administrar a medicação durante a gravidez é que paciente soropositiva esteja, na hora do parto, com uma baixa quantidade de vírus circulando, a mínima possível. A única maneira de conseguirmos baixar a quantidade de vírus que circula na paciente, é com a medicação”, defende a médica.

Chance de contaminação vai a 40% sem pré-natal

No exame do pré-natal é oferecido o teste de HIV para a gestante com o objetivo de proteger a criança que está para nascer. Se nada for feito e for descoberto que determinada mulher é HIV positiva, a chance desta criança vir a se contaminar durante a gravidez, parto e pós-parto pela amamentação, varia de 25% a 40%.

Se forem aplicadas as medidas profiláticas que são o uso da medicação durante o pré-natal da décima quarta semana até o momento do parto, o AZT injetável no momento do parto, o AZT xarope para o recém-nascido por 42 dias e evitar a amamentação com o fornecimento do leite artificial, praticamente zera a possibilidade da transmissão vertical.

Este é um dos objetivos primordiais para a realização do  exame no pré-natal. A infectologista Tereza Dantas defende que os testes para identificação do HIV deveriam se estender aos parceiros das mulheres grávidas. “Quando a gente oferece o exame de HIV durante o pré-natal para a gestante, seria muito interessante fazer para o marido da gestante também. Muitas vezes, quando se pede um exame de HIV para uma pessoa mesmo que o resultado seja negativo, é importante pedir para o parceiro ou parceira porque existem casais soro-discordantes, que são aqueles que um tem o vírus e o outro não tem”, explica.

Além disso, ela ressalta a possibilidade de um dos dois serem portadores da doença sem saber. “Se eu sei que meu namorado ou marido tem o vírus e até agora eu não peguei, eu tenho como usar preservativo e fazer sexo seguro para não pegar e evitar que eu venha a me contaminar. Se eu ainda não peguei não quer dizer que estou imune. Não existe vacina contra o HIV”. O indivíduo pode ainda não ter sido contaminado mas, a cada exposição, aumentam as chances de contaminação. “Então é melhor que eu venha me prevenir do que, mais na frente, realmente descobrir que eu também me contaminei a partir de um momento que eu já sabia e poderia ter evitado”, ressalta Tereza Dantas.

Relacionamentos heterossexuais e estáveis

Há 16 anos ela é soropositiva. Fiel, dedicada ao marido e ao filho, foi infectada dentro da própria casa, pelo homem com o qual conviveu durante a maior parte da vida. Jane Damasceno, 48 anos, foi surpreendida com um exame de sangue de rotina que apontou a infecção pelo vírus HIV. “Eu nunca desconfiei dele. Sempre fui fiel e jamais o trai”, afirma.  Hoje, Jane afirma que apesar dos avanços na medicina e no tratamento contra o HIV, viver com o vírus ainda é um problema. “Muitas pessoas dizem que não há dificuldade nenhuma em conviver com o HIV. Mas não é bem assim. Nós precisamos de medicamentos todos os dias, além de termos que seguir regras. A vida não é a mesma de uma pessoa soronegativa”. Para ela a vida social e os relacionamentos ainda são uma barreira.

Jane Damasceno atua hoje como representante estadual do Movimento Cidadãs Posithivas, que representa as mulheres infectadas pelo vírus HIV. Questionada sobre como ela analisa a infecção pelo vírus na atualidade, ela resume seu pensamento em uma palavra: banalização. “A aids está banalizada e os recursos foram minimizados para o tratamento. Enquanto isto, os casos estão aumentando em todas as esferas. Há, ainda, uma grande falta de medicamentos no Giselda Trigueiro”, relata.

De acordo com o Coordenador Municipal do Programa DST/Aids, Wilson Dantas, o abastecimento dos medicamentos utilizados no combate às infecções oportunistas, será regularizado em breve. “O Município já comprou 12 dos 22 medicamentos que são de sua responsabilidade.” Além do desabastecimento, os pacientes atendidos no Giselda reclamam da falta de espaço para os atendimentos. O hospital ainda atende pacientes residentes em Natal, mesmo com a inauguração do Serviço de Atendimento Especializado (SAE).

Wilson Dantas disse que o Município estuda a possibilidade de abertura de outro SAE no ano que vem. “Natal passou mais de 15 anos sem um SAE. Nós temos dificuldade na questão dos recursos humanos para ampliar o trabalho”, destaca. O SAE municipal funciona no Centro Clínico Zeca Passos, na Ribeira. Nele, os pacientes soropositivos são atendidos e recebem medicamentos.

Como resposta à falta de infraestrutura adequada para atendimento e medicamentos para as infecções oportunistas, Jane Damasceno tomou uma decisão que poderá lhe custar a própria vida. Ele abandonou o tratamento  há cerca de seis meses. “Até que os gestores resolvam esta situação, eu vou ficar sem tomar os remédios.”

Bate-papo

Dra. Lúcia Calich, infectologista da Maternidade Escola Januário Cicco

“A concepção de viver com o HIV mudou muito”

Como é o processo de acolhimento das gestantes soropositivas?

A gente tem dois tipos de pacientes: a que já é sabidamente soropositiva e vem encaminhada, a maioria das vezes pelo Giselda Trigueiro. E tem a paciente que é diagnosticada no pré-natal. O acolhimento é feito de uma forma integrada. A gente acolhe, conversa, aconselha quando as pacientes ainda estão meio “perdidas” em relação ao diagnóstico, tira todas as dúvidas e faz todo o pré-natal dessas pacientes. Elas podem vir de qualquer maternidade ou unidade da rede básica de Saúde também, seja do interior ou da capital.

Como é dizer para uma paciente grávida que ela é portadora do vírus HIV?

Nessa situação, existem vários casos. Você pode atender uma paciente que já sabe que é soropositiva há muitos anos e é mais tranqüilo, pois várias pessoas já conversaram com ela sobre o assunto em outros atendimentos. Mas quando a paciente é diagnosticada na gravidez, é bem mais complicado. Porque mesmo que ela tenha sido aconselhada, que ela tenha vindo de outro serviço, a gente volta a aconselhar. O diagnóstico para os profissionais de saúde se torna relativamente simples, pois nós atendemos uma demanda muito alta de pacientes. A gente tem um número de partos de mulheres vivendo e convivendo com HIV que vem aumentando absurdamente. Então, a hora da gravidez não é um bom momento para a paciente ficar sabendo que está convivendo com o vírus. Explicarmos que a convivência com o HIV hoje é bem diferente do que era no passado, que tem tratamento e que elas irão conviver com o vírus e não necessariamente irão adoecer e, ainda, que a chance do bebê nascer sem o HIV se ela cumprir todas as etapas da transmissão vertical, caem praticamente para zero.

Algum bebê foi infectado recentemente durante o parto?

A gente não tem paciente, bem acompanhada, que o bebê tenha sido infectado via transmissão vertical. A gente mostra para a paciente esses bons resultados e tenta atenuar aquela notícia na medida do possível. Mas assim, a gente mesmo acredita que hoje, esse diagnóstico não seja mais um bicho de sete-cabeças. Porque a concepção de viver com o HIV mudou muito.

Existem diferenças entre o pré-natal convencional e o pré-natal de uma grávida soropositiva?

Não existe diferença nenhuma. Na verdade, a gente coloca essas pacientes na classe de alto-risco pela dinâmica da maternidade. As pacientes não são de alto-risco por estarem contaminadas pelo vírus HIV. É uma gravidez como qualquer outra.

Os maiores riscos de contaminação estão na hora do parto?

Na hora do parto e nos momentos finais da gravidez. Eles correspondem a 65% ou mais de transmissão vertical do HIV. O objetivo de administrar a medicação durante a gravidez é que paciente soropositiva esteja, na hora do parto, com uma baixa quantidade de vírus circulando.

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