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Um bom negócio: reconhecer erros

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Gaudêncio Torquato[email protected]

Um bom negócio: reconhecer erros

“Foi um mau negócio”. A sincera confissão feita no Senado Federal pela presidente da Petrobras, Graça Foster, sobre a aquisição da refinaria americana Pasadena foi um ato de coragem, mas não suficiente para desfazer o enredo que deixa em lençóis sujos a empresa símbolo do Brasil. Há de se completar o processo deflagrado pela comandante Foster, tarefa que compete aos órgãos de controle e investigação, entre os quais PF, Tribunal de Contas da União, Corregedoria Geral e Advocacia da União, sob o olhar atento do Ministério Público. A questão que remanesce é: depois de oito anos do ato consumado, com cabais demonstrações de prejuízos aos cofres do Tesouro e perdas para o bolso de milhares de investidores que adquiriram ações da empresa, quem será punido por transgressão ao ordenamento legal? Não importa se a Comissão Parlamentar de Inquérito, em discussão no Congresso e em análise pela Corte Suprema, terá escopo restrito ou ampliado. Importa, sim, chegar às respostas objetivas que impliquem responsabilização de agentes, desmontagem de conluios entre a res publica e os negócios privados e a devida apenação de envolvidos.

“Na antevéspera do pleito eleitoral, um grande bem que os candidatos fariam seria o compromisso com uma profunda reforma no campo da administração”

Ao reforçar a abordagem da presidente Dilma (que, em 2006, presidia o Conselho da Petrobras) de que a compra da refinaria se deu por ato falho, ou seja, pela não apresentação de duas clausulas – Put Option e Marlim – por parte do então diretor internacional Nestor Cerveró, Maria das Graças Foster foi fiel ao script recomendado pelo Palácio do Planalto, mas se obriga, para preservar a imagem técnica, a dar continuidade às investigações internas que mandou realizar. É imperiosa a resposta às indagações que correm pelos contingentes de formação de opinião e já chegam aos ouvidos periféricos. Como é sabido, o balão da opinião pública começa a encher com os ares insuflados de grupos do meio da pirâmide e ganha volume com as ondas que, em círculos concêntricos, descem até  às margens. A condição para desinflar reside no aparecimento de respostas diretas sobre as responsabilidades dos gestores públicos. Daí a pergunta que se faz ao ex-diretor: por que a proposta apresentada omitiu (tanto no power point que usou quanto na exposição oral) cláusulas que obrigavam a Petrobras a comprar a outra parte da unidade?  Responde ele: porque eram irrelevantes.

Imaginemos a situação. Setembro de 2006. Meia noite na Avenida Paulista em São Paulo. O coordenador do trânsito avança o sinal vermelho. Para se livrar de um carro que vinha, velozmente, por uma rua lateral, derruba um poste de iluminação que acaba deixando sem luz o expressivo cartão postal da maior metrópole do país. Dois anos depois, tomando conhecimento da ação intempestiva do servidor, o secretário dos transportes o transfere e posto. Não teria sido esse o enredo? Cerveró, ao deixar de lado cláusulas básicas para viabilizar a aquisição da refinaria, não estaria ultrapassando o sinal vermelho? Ou ele não viu nenhum sinal vermelho? Alegar que a chamada cláusula “put option” é comum em contratos daquele tipo parece bater de frente na disposição da então presidente do Conselho Administrativo da Petrobras de vetar a transação caso soubesse daquele dispositivo que regulava a saída do parceiro. A conta não fecha.  Será que uma avenida vazia, em plena madrugada, (a Petrobras sem muitos controles), teria aberto a brecha para um “desvio de atenção”? Teria sido por excesso de confiança (achar que tudo era sabido) que decidiu fazer o que fez e como fez? O ex-diretor garante não saber com certeza se o Conselho recebeu todas as documentações sobre a compra. Como gestor público, sabe quais os procedimentos que motivam dolo, incúria, inépcia, desleixo. Teria havido isso na Petrobrás? As investigações irão mostrar.

O caso remete a uma reflexão sobre as teias de interesses que se multiplicam na administração pública. Os desvios, veredas escuras e teias de corrupção que agem nos intestinos das estruturas públicas, nas três instâncias federativas, produzem o monumental PIB do desperdício. Sob outro olhar, são utilizados também para encher os cofres de tios Patinhas e agregados, que se espalham por territórios partidários, a serem usados nos múltiplos projetos de poder, alguns a perder de vista de tão longevos. O desconsolo é constatar que o discurso do “choque de gestão”, “renovação de métodos”, “meritocracia”, de tão banalizados, não chegam a sensibilizar a numerosa categoria dos gestores públicos. Não se criaram no país meios para a implementação  de uma gestão moderna, racional, sob critérios de metas, resultados, eficiência e eficácia. A cada ciclo governativo, as máquinas administrativas, ao contrário da tendência de racionalização e enxugamento, são inchadas e encharcadas pela representação feudal de partidos e grupos. O lema do Lord Acton ressurge esplendoroso em nossas plagas: “o poder tende a corromper; e o poder absoluto corrompe absolutamente”.

Ora, na antevéspera de um pleito eleitoral que tende a ser um dos mais contundentes de nossa história, em função da forte expressão que emerge dos mais diferentes grupos da sociedade, um grande bem que os candidatos fariam seria o compromisso com uma profunda reforma no campo da administração. Que deveria abrigar os territórios técnicos, imexíveis pelos comandos políticos; a adoção de critérios de mérito e qualidade no aproveitamento de quadros; a transparência absoluta de contas e processos de licitação; a demissão sumária de dirigentes de empresas e autarquias flagrados em ilícitos, com o respectivo processo de apuração; a abertura de canais com os consumidores e facilitação de acesso às investigações da mídia, entre outros aspectos. Não é mais possível conviver com a mania de “jogar a sujeira por baixo do tapete”. O ciclo da gestão eficaz pode ser aberto com a adoção do costume de reconhecer o erro. E acabar com a mistificação.  

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