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Um erro que se repete a cada ano

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Carla França – repórter

Os últimos resultados dos índices que avaliam a educação no Rio Grande do Norte não têm sido muito animadores. E não é preciso ser especialista no assunto para entender os motivos, basta olhar as taxas de repetência do Estado nos últimos anos. Em 2009, a taxa de repetência do Ensino Fundamental, na rede estadual, foi de 19,84%. Percentual maior do que a taxa do Brasil, que foi de 18,7%, segundo Relatório de Monitoramento da Educação para Todos, lançado este ano pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Daniele Beatriz Nascimento, 18 anos,  tem consciência de que a falta de interesse pelos estudos provocou sérios prejuízos à sua vidaNa rede municipal de ensino, a taxa de repetência do ano passado foi um pouco menor, 17,35%, mas ainda muito maior do que a de países como Argentina, que teve 6,6% dos seus alunos reprovados. E o mesmo se observa no Ensino Médio, da rede estadual, que apresentou taxa de repetência de 14,49%. O município não tem esse dado, pois não   ofereceu atendimento ao EM.

“Esses índices são altíssimos e não tem como ser diferente já que a aprovação ou a reprovação são consequências da aprendizagem dos alunos. Se eles aprendem, passam, se não, reprova. E o nosso grande problema é que as escolas não conseguem ser competentes em relação a essa aprendizagem”, avalia a doutora em educação Cláudia Santa Rosa.

Cláudia diz que  o ‘segredo’ para uma educação de qualidade está nos anos iniciais. Se a base for bem feita, o desempenho no Ensino Médio vai ser satisfatório.

Isso pode ser comprovado nos resultados apresentados pelas instituições privadas e federais, quem em 2009 tiveram, respectivamente, taxa de repetência de 4,55% e 4,13%, para o Ensino Fundamental e 3,16% (privada) e 5,90% (federal) no Ensino Médio.

Para Cláudia, essas comparações entre escolas  privadas e federais não podem ser feitas apenas com base nos dados de avaliação e de repetência, pois as condições reais são diferentes  para cada uma das instituições.

“Não podemos desmerecer os bons resultados do IFRN, por exemplo. Mas também não podemos esquecer que a estrutura e os professores oferecidos são diferentes das escolas da rede estadual, Sem contar que para estudar no IFRN é preciso passar por um processo seletivo. Ou seja, só os melhores têm acesso a esse ensino, já as outras escolas públicas devem receber todo e qualquer aluno que busque por uma vaga”, explica Cláudia Santa Rosa.

E nessa história- cujo final parece não ser dos mais felizes – o maior prejudicado é o aluno: além de refazer um ano inteiro, ele muitas vezes perde o estímulo para continuar os estudos. Isso eleva outro índice, do qual também não dá para se orgulhar: o abandono escolar.

Os dados da Secretaria Estadual de Educação mostram que, em 2008, no Ensino Fundamental a taxa de abandono na rede estadual foi de 10,27% e 7,26% no município. No Ensino Médio, essa taxa é ainda maior, 26,36% nas escolas estaduais e 22,64% nas municipais.

Segundo Cláudia Santa Rosa, a única saída que pode melhorar a qualidade da educação e, consequentemente, esses índices, é colocar a educação como prioridade. “O poder público está diante de uma máquina imensa – que é a educação- e precisa agir porque ou temos uma gestão eficiente ou continuamos patinando, como vem acontecendo. E o resultado é a morte silenciosa e diária desses jovens na sala de aula. Já que eles estão tendo seus direitos subtraídos porque lhes oferecem uma escola de quinta categoria, com algumas exceções”, diz a educadora.

Reprovação, rotina das escolas públicas do RN

O som estridente da campainha anuncia o fim da aula e o início do recreio. Nessa hora, dezenas de jovens tomam conta do pátio para aproveitar o intervalo. A missão da equipe da TRIBUNA DO NORTE era encontrar alguém que tivesse sido reprovado.

“Infelizmente, não vai ser difícil encontrar alunos no perfil que você procura. Quer conversar com quantos?”, questionou a diretora da Escola Estadual Alberto Torres, Grinalva de Oliveira.

Minutos depois a diretora vem com três meninas, que foram reprovadas no ano passado, mas que devido ao sistema que está sendo implantado pelo Ministério da Educação, elas avançaram para série seguinte, mas estão pagando a dependência em Matemática.

I.F, 15 anos, R.P e J.S , 14 anos, cursam o 9º ano do Ensino Fundamental. Elas contam que não conseguiam acompanhar  o que era passado pelos professores e por isso não se davam bem nas provas.

“Não entendia o que o professor de Matemática explicava, até porque já não sabia o conteúdo das séries anteriores, já que na outra escola que estudei  o ensino era muito fraco”, diz  J.S.

Um dos problemas provocados pela falta de qualidade no ensino, a reprovação, é que o aluno reprovado acaba  desestimulado e o estudo colocado em segundo plano. “O importante não é aprender, é passar de ano”, conta Juliana, que não tem nenhuma pretensão de fazer vestibular.

Já I.F e R.P ainda não foram ‘contaminadas’ pela falta de estímulo. As meninas sonham cursar Medicina. “A gente sabe que quem estuda em escola pública sai perdendo porque na particular a preparação é melhor. Mas acho que se a gente se esforçar, talvez passe”, diz, esperançosa, RP.

Aos 18 anos, Daniele Beatriz Nascimento tem consciência do prejuízo  que a falta de interesse dela, aliada a qualidade do ensino, trouxe  para sua vida. Reprovada quatro vezes, hoje ela se esforça para correr atrás do tempo perdido. “Não estava nem aí para os estudos. Primeiro porque a escola não incentivava e eu já não tinha interesse. Eu só queria passar de ano para não apanhar porque meu pai batia na gente como forma de castigo. Mas nem assim eu me interessava”, diz Daniele, que além de ter sido reprovada também foi expulsa da escola por mau comportamento.

Os professores, vistos na maioria das vezes como grandes culpados, também são vítimas do modelo de educação. Eles têm que ser verdadeiros estrategistas para fazer com que uma turma,de 45 alunos, com níveis diferentes, consiga assimilar o conteúdo.

“Teve uma vez que eu cheguei a dividir a turma em dois grupos: os mais avançados e os mais atrasados, mas sem dizer a eles o motivo da divisão. Para uns eu aplicava exercícios mais difíceis e para outros, mais fáceis. Além disso, já cheguei a passar meses ministrando apenas um conteúdo para fazer com que todos acompanhassem”, conta Grinalva de Oliveira, que hoje é diretora da Escola Estadual Alberto Torres, mas lecionava a disciplina de Matemática.

Ainda segundo a coordenadora pedagógica, Conceição Maria Guedes, o professor também exerce os mais diversos papéis. “Nós temos que ser psicólogos, amigos, conselheiros, mães e pais dessas crianças, que precisam não só de conteúdo, mas de apoio e carinho”, explica.

Professor aprende a não reprovar

Formulada a partir de políticas e da realidade europeia, a progressão continuada previa uma avaliação dos estudantes ao fim dos ciclos. Em países como a Inglaterra, com bons resultados, os clicos têm duração de apenas dois anos – e não quatro, como no Brasil. Nesse período, os alunos dividem a sala de aula com no máximo 30 colegas – algo que não acontece por aqui. Com um grupo reduzido, o professor pode dar atenção a cada aluno.

No Brasil, a adoção do modelo gera polêmica. “Do modo como está sendo aplicada a promoção automática, o aluno vem acumulando deficiências porque não é assistido como deveria. Essa política precisa ser acompanhada de um cuidado maior com a evolução do trabalho de cada aluno”, sugere a educadora Cláudia Santa Rosa.

Mas isso não vem acontecendo só no RN, mas em diversos estados.  As meninas da Escola Alberto Torres são exemplos, porque,  ao invés de assistir aula e fazer as provas de Matemática, disciplina que foram reprovadas, elas fazem apenas trabalhos. “O professor passa o trabalho e a gente  pode consultar o livro para responder as questões”, disse J.S, 14 anos.

A professora de Márcia Barreto Lima reconhece que esse método não está funcionando. “Os alunos deveriam estudar as disciplinas que ficaram em dependência no  contra turno, mas se mal tem professor para preencher um horário, não é possível colocar mais profissionais em outros”.

O resultado são crianças avançando de série sem saber ler. Como é o caso da filha do vigilante Heronildes Baltazar da Silva. Aos nove anos, a menina   faz o 5º ano e ainda não sabe ler. “Eu não me sinto bem vendo minha filha ir para a escolar e não aprender o conteúdo. Mas sei que não é culpa dela, pois é uma menina esforçada. Esse é um problema que já vem de séries anteriores. A escola vai aprovando a criança sem saber de nada ”, reclama o vigilante.

Assim como a menina, dezenas de outros alunos estão na mesma situação. “Tem aluno que chega ao 8º ano, por exemplo, sem saber  das quatro operações. E nós não podemos fazer nada, já que a política foi implantada pelo Ministério da Educação, diz Márcia Barreto Lima.

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