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Um giro por Covent Garden

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Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador da República

Uma moda em Londres – assim como na maioria das capitais européias – é caminhar. E para atender tanto aos londrinos como aos turistas, tem caminhada para todos os gostos: “Royal London”, “ghost London”, Londres à beira do Tâmisa e por aí vai. São inúmeras brochuras e livros surfando nessa onda de quilinhos a menos e vida mais saudável. Agora mesmo, para planejar minha próxima escapada, tenho dois livrinhos em minhas mãos: “London Walks – London Stories” (de David Tucker et al., Virgin Books, 2009), com um viés claramente literário; e “London Pub Walks” (de Bob Steel, Camra Books, 2009) que, embora menos saudável, tem uma proposta deveras interessante para mais tarde.

Que tal também embarcar nessa moda, caro leitor? Não se preocupe que não iremos muito longe. Ficaremos apenas por Covent Garden, bairro onde, quando cheguei a Londres, morei, no Flat B do número 22 da Great Queen Street, por mais de um ano. E fique tranquilo que não nos perderemos (não completamente, pelo menos). Além do meu conhecimento do pedaço, estaremos na companhia (com algumas escapulidas, confesso) de Peter Ackroyd (1949-), o autor de “London, The Biography” (2001) e muitos outros livros contextualizados na capital do Reino Unido, que nos presenteia com o seu “walking tour” por esse microcosmo da “central London”. Para quem não sabe, Peter Ackroyd faz parte de um grupo de escritores contemporâneos que, nascidos ou não em Londres, fazem dela tema de muitos dos seus escritos. Nesse grupo estão ainda, por exemplo, os talentosíssimos Michael Moorcock, Ian Sinclair e Martin Amis. Aliás, quanto a Londres na literatura e sobre esses e muitos outros autores, sugiro dar uma olhada em “London Writing” (de Merlin Coverley, Pocket Essentials, 2005), de leitura simples e agradabilíssima.

Covent Garden é uma das regiões mais animadas de Londres. Dominada pelo prédio do mercado, ela tem sido um centro de comércio desde quando sua praça, planejada pelo arquiteto Inigo Jones, foi construída pelos idos de 1630 (embora se tenha registro de comércio na área desde o século 6º d.C.). Hoje ela tem de tudo, desde loja especializada em café e chá até uma megastore da Apple, passando, claro, por grifes de roupas, comidinhas diversas, flores e suvenires de todos os tipos. Basta por os pés fora da linda estação de metrô de mesmo nome, construída há mais de um século e este ano tombada pelo patrimônio histórico, que já se percebe o frenesi de turistas e artistas. Vai ver foi por isso que Hitchcock, filho de comerciante de Covent Garden, filmou o seu “Frenzy” (1972) – a estória de um serial killer – nessas paragens.

Mas, para além do comercio, como registra Ackroyd, Covent Garden também tem sido um dos mais importantes centros culturais de Londres. Quase vizinhos, pelas bandas da Wellington Street, Bow Street e Drury Lane, estão o famoso Theatre Royal, o Lyceum Theatre (onde atualmente é encenado o Rei Leão, produção da Disney com musica de Elton John, baseado no Hamlet de Shakespeare) e a Royal Opera House, onde, não faz muito tempo, “estreei” com a “Turandot” (1926) de Puccini.

Por isso não é à toa que tantos ícones da literatura em língua inglesa foram moradores ou habitués de suas ruas e ruelas. Jane Austen e Charles Lamb, por exemplo, quando de temporadas em Londres, fizeram de Henrietta Street e Russel Street, respectivamente, suas paragens. Onde hoje é o Charles Dickens Coffee House (em Wellington Street) funcionaram por muitos anos as oficinas da revista semanal do criador de “Bleak House” (1852-1853), a “All The Year Around”. Onde outrora foi o Will’s Coffee House (em Bow Street) muitas vezes estiveram Samuel Pepys, Alexander Pope, Jonathan Swift, John Dryden e Samuel Johnson. E por falar em Dr. Johnson, foi na já mencionada Russel Street, no número 8, onde outrora havia uma livraria e hoje é o Boswell’s Coffee House, que James Boswell deu de cara, pela primeira vez, com ele (precisamente às 19 horas do dia 16 de maio de 1763, segundo a plaquinha ao lado). Covent Garden, pode-se assim dizer, deu ensejo à grande amizade e à escrita de “The Life of Samuel Johnson” (1791), que é considerada uma das maiores biografias de todos os tempos. E por falar em livraria, em Covent Garden, precisamente em Long Acre, está um dos mais curiosos comércios de livros de Londres, a Stanfords, especializada em viagens. São guias, memórias de viagens, mapas e mais mapas, acessórios e tudo mais que um viajante necessita ou quer ter a tiracolo.

Até para os aficionados em Direito, Covent Garden tem o que apresentar. Em Bow Street, em um prédio hoje desocupado, outrora funcionou um distrito policial onde o disputado Giacomo Casanova certa feita foi posto para “descansar” de suas conquistas, assim como uma “Magistrates’s Court”, que teve Oscar Wilde como “cliente”, julgado e condenado por aventuras de outra espécie. 

Ah! Por fim, há os restaurantes (como o Rules, que se diz o mais antigo de Londres) e os muitos pubs da região: The White Lion e The Nag’s Head (frente a frente, gole a gole, disputando a clientela), The Porterhouse (situado no mesmo lugar onde nasceu o pintor Turner), o pitoresco e apertadíssimo Lamb & Flag, o vitoriano Salisbury e muito mais. Quanto a eles, não vou precisar as ruas. Até porque já cansei de correr de um lado para o outro para confirmar as informações desta crônica. Agora, que nos percamos – temporariamente, claro – e que gastemos mais algumas calorias. Mas – a cada achado e a cada parada, de noitinha e até o sino tocar – compensemos generosamente.

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