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Um presídio modelo exportação

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Roberta Trindade – repórter

Mofar atrás das grades, aplicar a  Lei do Talião (olho por olho, dente por dente) ou a pena de morte para quem é condenado por um crime? As discussões são inúmeras quando entra em pauta o assunto: presos brasileiros.

Apesar de vivermos em um mundo  onde quase sempre cada um pensa apenas em si, tem gente apostando na   ressocialização de apenados, e o mais surpreendente é que está dando muito  certo.

Presos inseridos na metodologia da Associação de Proteção e Assistência aos Condenados  (APAC), no Estado de Minas Gerais estão em completa ressocialização.  Estatísticas mostram que 91,7% dos presos inseridos no programa são ressocializados. Dados do Departamento Penitenciário  Nacional revelam um dado assustador. No sistema comum, menos de 10% dos apenados conseguem ressocializar-se. 

O método apaquiano, como é conhecido, foi criado em 1972 pelo advogado brasileiro Mário Ottoboni e difundido em diversos países.  Além do Brasil, onde hoje existem 100 APACs distribuídas pelo território nacional, o método é aplicado na Alemanha, Bulgária, Cingapura, Chile, Costa Rica, Equador, El Salvador, Eslováquia, Estados Unidos, Inglaterra, País de Gales, Honduras, Letônia, República do Malauí, México, Moldávia, Namíbia, Nova Zelândia e Noruega  

No próximo mês, no Rio Grande do Norte será inaugurada a primeira APAC do Nordeste que vai funcionar em Macau, região salineira. A reforma do prédio está acelerada.

A educação, assistência médica e  religiosa, a proximidade da família e o trabalho têm feito os apenados acreditarem que é possível mudar de vida. Aproveitar as oportunidades pode ser uma forma de mudar  o presente e programar o futuro.

Após desembargadores e juízes do RN verificarem o sucesso do sistema em Minas Gerais, com uma visão social apurada, o presidente do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, Rafael Godeiro, ofereceu condições para fomentar a criação da associação no Estado.

Para a implementação da metodologia em Macau, os primeiros passos foram dados ainda no ano passado. A ideia começou a dar tão certo que o governo do RN publicou a Lei 9.273, de 24 de dezembro de 2009,   criando a APAC no Estado mediante alguns requisitos, entre eles: sem fins econômicos, adotar a metodologia da associação, ser fiscalizada por juízes e ser filiada à Fraternidade Brasileira de Assistência ao Condenado – órgão consultivo da Organização das Nações Unidas (ONU).

Em Macau, a comunidade  mostrou interesse em colaborar com o projeto. A construção de uma unidade é, pelo menos, 30% mais barata que as penitenciárias comuns – a mão de obra é dos próprios apenados.

Um prédio para funcionamento da APAC custa cerca de R$ 1 milhão, enquanto para a construção de presídios comuns, o valor é bem superior, ultrapassando os R$ 10 milhões. Além do baixo custo, outra vantagem é a estrutura física, que não necessita de muitos equipamentos para funcionar ou de efetivo policial.

Na APAC não trabalham agentes penitenciários, nem ao menos policiais militares. A direção da unidade é formada pela comunidade que elege um preso para presidir a Comissão de Solidariedade e Sinceridade (CSS). O presidente indica  cinco presos que, juntos, resolvem 90% dos conflitos dentro da instituição.

Os custos no sistema comum chegam a mais de R$ 2 mil por mês para cada preso, enquanto que na APAC o gasto com um apenado é de R$ 500.

O preso   é identificado como recuperando ou reeducando e  são  preparados para voltar ao convívio da sociedade. Neste método, obrigatoriamente, têm trabalho e educação para todos, aproximação com a família, com  sociedade e, principalmente, estimulada a valorização da autoestima.

Em caso de fuga todos são penalizados com a perda do direito ao lazer por um mês. O apenado que fugir ou mesmo tentar, voltará a cumprir pena no sistema penitenciário comum.  E este castigo ninguém quer. Na APAC, os recuperandos se ajudam, incentivando uns aos outros a não fugir e a aceitar com resignação o cumprimento da pena.

Em contrapartida, no sistema penitenciário são comuns tentativas e fugas. No Rio Grande do Norte, por exemplo, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz, em Nísia Floresta,   são tantas tentativas e fugas que é difícil contabilizar.

O modelo é liberal, mas nem tanto

De acordo com o presidente do Tribunal de Justiça,   desembargador Rafael Godeiro, a Apac é um sistema muito eficiente de recuperação social dos apenados. O programa é vitorioso em Minas Gerais. “Inicialmente no RN 40 apenados serão encaminhados para Apac de Macau”.  Godeiro afirma que as instalações em Macau representam um avanço para o Tribunal de Justiça do Estado.
Já o desembargador Saraiva Sobrinho, presidente do programa Novos Rumos (onde está inserida a Apac), acredita que a criação da associação em Macau representa a própria redenção da execução penal do Brasil e porque não dizer do mundo. “Queremos devolver ao  convívio da sociedade novos homens ou homens novos”. Saraiva observa que as pessoas não devem se enganar: “A metodologia apaqueana fundamenta-se, sim, no emprego de disciplinas rígidas e, às vezes, até intransigentes. Não é moleza não”.
O desembargador ressalta: “Eu creio firmemente na capacidade de recuperação do homem. Se o espirito humano é capaz de um infinito aperfeiçoamento, é ele, por igual, acessível a uma recuperação sem limites”.  

O juiz da central de execuções  penais e medidas alternativas e coordenador do programa Novos Rumos, Gustavo Marinho Nogueira Fernandes, é um entusiasta. O  magistrado critica  o confinamento. Toda prisão produz tédio e para evitar que o condenado chegue neste estágio, artesanatos, aula de canto, música e o trabalho preenchem os dias dos reeducandos. “A luta maior é fazer com que eles suportem o tempo da pena”. 

Gustavo Marinho diz que um ponto forte da Apac é a orientação espiritual. Não há chapa (castigo). “Se os presos fizerem algo contrário às normas da instituição são enviados para a capela onde pensam na vida, rezam e fazem reflexão”.

O magistrado afirma que a comunidade de Macau abraçou a causa e está completamente envolvida com o método. O Lions Clube, a maçonaria e a classe empresarial também apoiam o projeto. “Estaremos trabalhando em toda aquela região. Pendências, Guamaré, Alto do Rodrigues e João Câmara”.

Gustavo lembra que os  reeducandos do  regime fechado têm trabalho certo. Ou, estão exercendo funções em oficinas internas ou em obras públicas externas. “Na penitenciária de Itaúna (MG) não há muros. Isso é surreal”.

Há vertentes que apontam a metodologia apaqueana como bem mais rígida que o sistema penitenciário comum.
Há horário para tudo. Fazer a barba, trabalhar, estudar, comer, dormir, falar com a família por telefone. Os reeducandos têm o direito, uma vez por semana, de conversar por meio de um telefone com parentes. “Ninguém passa a mão na cabeça de ninguém. Tem que trabalhar mesmo”.

A Apac é uma associação civil que depende de doações. Quem quiser colaborar (é descontado no imposto de renda) pode fazer o depósito no Banco do Brasil. Agência 0477-4, conta número 26721-x  

”Estou preso pela minha consciência”

Com a fala mansa e com respostas precisas, de longe, o rapaz que conversa ao telefone não parece ser um homem condenado há seis anos de reclusão em regime fechado. Eberson Lobato de Brito da Silva, que tem apenas 24 anos, concedeu entrevista exclusiva à TRIBUNA DO NORTE. Ele está há cinco meses na Apac de Minas Gerais e é um dos quatro presos do Rio Grande do Norte  encaminhados para aquele Estado para conhecer o programa e ajudar na sua execução aqui no RN.

A vida de Eberson poderia ter sido bem diferente. Assim como tantos outros jovens brasileiros, ele  não aceitou os conselhos dos pais. E aos 19 anos  ingressou no mundo do crime. Era traficante, comercializava  maconha e crack. Preso por tráfico de drogas em Macau foi condenado pela justiça .

Detido inicialmente na delegacia de Macau foi convidado para seguir para Minas Gerais. Diante do caos que vivia dentro da unidade policial e sem perspectivas de vida, de pronto aceito a proposta.

Com a mente aberta para novos conhecimentos, Eberson agora trabalha todas as noites. É responsável pela galeria noturna – tranca as grades e as portas da unidade. E pasmem,  as chaves da instituição ficam nas mãos do recuperando, durante toda a madrugada. Isso significa que a hora que quiser, ele pode fugir e colaborar para que outros fujam também. “Estou preso pela minha consciência”, diz.

O homem que deve cumprir ainda  quatro anos e oito meses de pena, afirma que na unidade não há policiais, a alimentação quem faz é o próprio recuperando. É fornecido remédio para quem fica doente, há dentista e psicólogo, o local é limpo e o melhor: “É a gente que cuida da gente”, enfatiza.
Eberson conta que confia em Deus e que tem muita fé. “Estou muito bem aqui e me recuperando. Quero mudar e estão me dando oportunidade para isso. Sou pai de um menino de cinco anos e não desejo isso para ele. Vou ser exemplo de superação”.
E a mudança chega rapidamente, “Nunca gostei muito de leitura, mas aqui já li um livro e vou ler outros. Temos uma biblioteca”.
Do passado, quer distância. O reeducando acredita que se estivesse na delegacia de Macau (que chegou a ser interdita este ano pelo excesso de presos), provavelmente estaria inserido no mundo do crime (mesmo atrás das grades) sem oportunidade de ressocialização. “Mesmo que quisesse, lá ninguém tem oportunidade. É o tempo todo na tranca, 24 por 48 horas”.

A superlotação, a alimentação horrível, a disputa de vaga para esticar o corpo (dormir), são alguns dos fatores apontados pelo recuperando. Eberson diz que também foi espancado por policiais. Estes são problemas visíveis aos olhos no sistema penitenciário do Rio Grande do Norte e que o jovem quer passar uma borracha e apagar as lembranças ruins. 
Ele que não acreditava em ressocialização, assim que cumprir a pena quer ser mototáxista. “Tenho uma motinha; vou trabalhar, sustentar minha família e educar meu filho para ser um homem digno”. 

Além de Eberson, outros três presos do RN estão em Minas Gerais: Francisco Antônio Max Neto, 25, condenado a quatro anos e quatro meses por tráfico de drogas; Francisco Cláudio Cardos da Silva, 35, condenado a 13 anos por homicídio, e Francisco Maxwell Dantas da Silva, 34, condenado a 37 anos de reclusão. Maxwell tem vários processos contra ele e teve as penas unificadas. Entre os crimes: roubo e tráfico de drogas. 

Valorização  humana é a base do método

Mário Ottoboni é advogado e jornalista e criou o método com o objetivo de amenizar os problemas enfrentados, naquela época, no presídio de São José dos Campos, no Estado de São Paulo. A unidade prisional passava por uma situação extremamente complicada. “Com o apoio de alguns amigos estudei uma forma para sair do sistema comum. Não poderia repetir nada que estivesse sendo colocado em prática no sistema comum, e deu certo”.

Com uma ideia na cabeça e muita boa vontade, segundo Ottoboni, um ano depois,  o advogado viu o projeto ganhando vida. “Um juiz da Vara de Execuções Penais que pensava assim como eu, em punir e recuperar, nos ajudou. Foi surpreendente o resultado e de repente começou a se espalhar pelo Brasil e pelo mundo”.

Ottoboni conta que nas Apacs não há rebelião, mortes, fugas em massa. O preso passa a ser um grande colaborador. “Nós entregamos a chave do presídio para ele e sempre o resultado é positivo. A base do método é a valorização humana”
O criador das Apacs enfatiza que por meio do método apaquiano é dado ao preso funções para que ele cuide da segurança, inclusive para não entrar drogas na unidade prisional.

Questionado se ele acreditava que a ideia iria fluir tão bem e seguir tão longe, Ottoboni diz que, sinceramente, não imaginava que seria difundida no mundo todo. “Eu queria resolver o problema da minha cidade, mas após algum tempo, pessoas do mundo todo começaram a visitar a Apac de São José dos Campos”.

Ottoboni afirma que  a ideia na cabeça e muita fé no coração fizeram a diferença. “O método foi divulgado até na Europa e na Ásia. Eu acredito em recuperação e muita gente também”.

O advogado e jornalista conta que em um congresso realizado em Minas Gerais sobre as Apacs, ouviu a seguinte frase: “O fato mais importante que está acontecendo no mundo, em matéria prisional, é o movimento das Apacs no Brasil”. A declaração foi de Ron Nickkel, diretor executivo da Prison Fellowship Internacional (PFI) – órgão consultivo da Organização das Nações Unidas para assuntos penitenciários.

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