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Um romance ambientado em Natal

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Carlos de Souza [[email protected]]

Peneirando minha pilha de livros enviados pelos autores, selecionei um que merece comentário aqui, até para alimentar nossa discussão sobre o fazer literário que venho sempre fazendo aqui neste espaço. Vidinha Besta, de Carmen Lobbo, Edição do Autor, 404 páginas, foi o que primeiro chamou minha atenção pela escolha do tema: um romance ambientado em Natal, tomando a história da cidade como pano de fundo. Ora, meus amigos, aqueles que me conhecem, sabem que eu escrevi um romance intitulado Cidade dos Reis, utilizando essa mesma temática. Não sei se alcancei o objetivo, porque em Natal as pessoas evitam criticar abertamente os livros dos outros, mas já ouvi comentários velados de alguns amigos que não acham o livro tão bom como gostariam de achar. Mas já ouvi elogios também.
O romance Entre o Rio e o Mar, de Moacyr de Góes
Vamos ao livro de Carmen Lobbo, pseudônimo de Cassia de Lourdes Baia (primeira dica: se eu tivesse um nome sonoro assim, não usaria pseudônimo). Ela abre seu romance com a seguinte frase: “Devido a ocupação americana em Parnamirim Field, de 1942 até depois do final da II Grande Guerra, a Cidade de Natal teve dias muito agitados”.

Os que me acompanham aqui neste espaço, devem lembrar que eu sigo a teoria de que a primeira frase de um romance é o que prende o leitor até as próximas páginas. Vou dar um exemplo. O romance Entre o Rio e o Mar, de Moacyr de Góes, que também usa a história de Natal como pano de fundo começa assim: “A mulher deitada. Entre o Rio e o mar. De arrecife fez os cabelos. Limonegros. Neles pousou a estrela: o Forte dos Reis Magos”. Percebam aí o recurso da poesia, o uso da metáfora para descrever a cidade amada. Quem pega esse livro para ler só larga no final.

Vidinha Besta no início parece mais um livro escolar de história e só vai tomar jeito de romance lá pelo oitavo parágrafo, quando somos apresentados ao menino Fernando e seu avô. Olha, eu nunca ousei aqui desiludir jovens autores ditando regras de como se deve ou não fazer um romance. O ofício de escritor no Brasil é um dos mais árduos que conheço. Para grande maioria, não dá dinheiro, não garante fama nem qualquer reconhecimento. Creio que apenas dá um enorme prazer a quem escreve.

Então, o único possível conselho que eu dou aqui é que continuem fazendo o que vocês gostam de fazer. Se um romance que escrevemos é bom ou não, o tempo dirá, os leitores dirão. Voltando à análise do livro de Carmen Lobbo, o que percebi imediatamente é que há uma escolha por um estilo que não dá muito espaço para exigir muito a imaginação do leitor. Ela dá muito espaço para o pitoresco do cotidiano e deixa de fora o drama, a tragédia que solidifica um romance. Ela diz na apresentação do livro que leu muito, desde criança e realmente essas leituras aparecem no decorrer do texto, mas de forma cumulativa. As influências são muito importantes na vida dos escritores, mas é preciso depurar bem para tentar encontrar uma voz própria.

Moacyr de Góes, por ser um autor mais experiente, mostra ter encontrado essa voz particular e reconhecível. Agora, meu caro leitor, vamos olhar a realidade de frente e ver que nem mesmo esse autor potiguar fabuloso é tão bem conhecido assim aqui mesmo em Natal, que dirá no resto do país. Um capítulo inteiro é dedicado a descrever a cidade e seu nascimento. No segundo capítulo é que somos apresentados ao personagem Lucas.

Como leitor contumaz e aprendiz de escritor eu sempre observei como os grandes autores sistematizam a apresentação dos personagens. É como se eles quisessem que o leitor se familiarize o bastante com os personagens para poder ir desenvolvendo o enredo. Essa foi minha primeira preocupação, quando tentei apresentar meu personagem Jonas Camarão no meu romance Cidade dos Reis.

Observei uma certa ansiedade por parte de Carmen Lobbo no desenvolvimento de seus personagens. Ela dá o nome, mas não se detém muito na familiarização. Então, somos atropelados por personagens que entram e saem de cena sem dar tempo de conhecermos melhor suas personalidades.

Cada escritor tem um método de escrita e não existe uma regra definida para isso. Alguns escrevem num fôlego só e não ligam para a montagem de um arcabouço. Outros montam verdadeiros esquemas, como se estivessem desenhando um projeto arquitetônico. Eu prefiro o segundo método.

Outra coisa, fundamental para quem escreve: a coragem de descartar o máximo possível do que foi escrito. Retirar toda a gordura existente no texto. Um verdadeiro ato de desapego. O mestre máximo dessa técnica é Graciliano Ramos. Coisa muito difícil de alcançar.

O romance de Carmen Lobbo sofre desse excesso de texto, mas sei que ela vai dar um jeito nisso em seus próximos livros. Cassia de Lourdes Baia, desejo todo o sucesso em sua carreira de escritora.   

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