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Uma Maria Callas sem paixão

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Lívio Oliveira [[email protected]]

A soprano norte-americana, com ascendência grega, Maria Callas (Nova Iorque, 2 de dezembro de 1923 — Paris, 16 de setembro de 1977), maior cantora lírica da história, foi em vida uma mulher enérgica, dominante, apaixonada e uma profissional polêmica e arrebatadora, sendo ainda hoje – mais de 30 anos após sua morte – uma personagem que enfeitiça e seduz. Na vida e na arte, esse é um nome que nos remete imediatamente à exuberância das atitudes, à força natural da presença e da voz. Tudo o que fez, marcando definitivamente a história do bel canto, da ópera e da música em geral, trouxe impresso o selo da magia pessoal e da ousadia, firmando-se no talento e na genialidade e num inacreditável apego à construção de uma obra indestrutível, eterna.

Essa personagem vulcânica foi escolhida como o centro temático de uma peça dirigida pela importante atriz e diretora brasileira Marília Pera e encenada em Natal na noite do último domingo. No Teatro Riachuelo tomava lugar a peça “Callas”, cujo texto de autoria de Fernando Duarte contou, no papel principal, com a atriz Silvia Pfeifer, contracenando com o ator Cássio Reis, este no papel do jornalista John Adams.

De início, o cenário e o roteiro se faziam interessantes. Num recinto em Paris, às vésperas da morte da soprano, a presença do jornalista e amigo John Adams – que lhe impunha uma bateria interminável de perguntas ao tempo em que lhe servia chá e a ajudava a experimentar e despir em sequência vestidos/figurinos que Callas usara em diversas de suas apresentações de maior sucesso. Imagens reais da cantora e frases da imprensa da época eram projetadas no ambiente. Tudo belo e delicado.

Ocorre que, com algum tempo da apresentação, verifiquei que o texto poderia ter sido menos didático e linear e talvez contemplasse algo além do que a narrativa sequenciada de uma vida, mesmo que através da imaginária voz de Callas. Transformou-se num conjunto de dados biográficos sem emoção, sem paixão e sem surpresa, ou seja, sem o que mais caracterizava a diva. La Pfeifer parecia responder a um “quiz” (espécie de jogo de perguntas e respostas muito conhecido) sistemático, cronológico e quase enfadonho. Não conseguiu, apesar do desempenho correto e digno, vestir-se de Callas. Por mais que a atriz tenha se desdobrado (até de forma surpreendente) e sido profissional na maneira de encarar o texto, não conseguiu trazer verossimilhança no que concerne a encarnar a personagem fascinante que a diva incorporava em vida.

Para o público menos conhecedor, talvez tenha sido muito interessante saber que Callas foi muito gorda no início da carreira, que foi maltratada e explorada pela mãe, que foi abandonada por Aristóteles Onassis (o magnata grego escolheu casar com a viúva de John Kennedy, Jacqueline), que morou no mesmo prédio em que Catherine Deneuve brigava com a filha, que perdeu um filho recém-nascido; mas tudo isso terminou virando um conjunto de lugares-comuns tendo-se em vista a forma como a peça foi desenvolvida.

Ademais, não dá pra entender que numa peça acerca da maior das cantoras líricas, quase nada ou muito pouco tenha sido servido ao público de suas interpretações, mesmo que fosse nas cenas projetadas nos biombos do simulado apartamento (ou bastidores). Ficamos, acredito, todos aguardando degustações mais generosas de árias de “Norma”, “Carmen”, “Aída”, “La Traviata”, dentre outras. Mas, talvez e de fato, o chá que os dois atores/personagens bebiam em palco fosse ralinho demais. Sinceramente, uma Maria Callas sem paixão e sem graça jamais convenceria. Portanto, não podia mesmo me convencer.

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