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Uma visão de vida

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Cláudio Emerenciano [ Professor da UFRN]

Os mistérios, desafios e enigmas da vida estão dentro e em redor de nós. Impõe-se a cada um desvendá-los e superá-los. Busca quase tão infindável quanto a de Ulisses, na Odisséia, tentando retornar ao seu reino de Ítaca. Tão paciente, perseverante e indômita quanto a resistência de sua esposa, Penélope, que ludibriou seus pretendentes com um ardil: tecia um tapete de dia e o desfiava de noite. Inabalavelmente convicta de que o marido, um dia, retornaria. Assim se passaram dez anos… A contemplação de cada amanhecer a renovava em esperanças. A percepção de um sentido no entardecer a impregnava de paz e serenidade. A beleza sem fim, indescritível, insuperável, universal, possui um conteúdo eterno: o amor e a simplicidade. André Malraux, em seu clássico “A condição humana”, identifica na capacidade de sofrer, perdoar, esquecer, partilhar, amar, renunciar e sonhar uma espécie de catapulta invisível, imaterial, que lança a humanidade no infinito. É a via de convergência do homem com Deus. Segundo o padre Teilhard de Chardin, é a identificação do “lugar do homem no universo”. Antevisão precursora do católico inglês Gilbert Keith Chesterton, em seus monumentais “Ortodoxia” e “O homem eterno”: odes à fé, ao amor, à inteligência e aos sentimentos.

Há uma fonte de todas as esperanças e de todos os laços. É a paz interior, do espírito, da consciência, que incorpora o homem à harmonia universal. Esse é um território transcendental, espiritual, puro, exuberante, renovador, através do qual o ser humano concebe e explora sonhos, ideais, ilusões, fantasias, desejos, vontades e aspirações. Tudo isso é um canto à vida em todas as suas dimensões. Os homens simples, dos campos e das cidades, em todas as regiões do mundo, estreitam permanentemente seus vínculos com a vida, com a terra e a natureza. Possuem, dizia André Gide, o dom intransferível de apreender, captar e entender vozes do silêncio, que ecoam da madrugada ao crepúsculo (em “Sinfonia Pastoral”). Esse é o “homem naturalmente bom” na visão de Rousseau. É o homem salvo, liberto e redimido por Jesus em “Paraíso Perdido” de John Milton, para quem a liberdade, fundada no exercício do livre arbítrio, exorciza o medo, o desespero, a angústia e o desalento. Nada tem sentido se o homem não misturar sua alma e seu espírito. Amalgamar os sentimentos e a razão. Ser livre para discernir, pensar e querer. Sonhar e avançar. Criar laços, uns com os outros, para sublimar a vida. Mudar e humanizar o mundo…

São Francisco de Assis, o pobrezinho (polverello), compartilhava sua fé e seu amor com todas as criaturas. Orava durante toda a noite e, às primeiras claridades do dia, agradecia a Deus pelo espetáculo incomparável da Criação. O Cântico das Criaturas (ou Cântico do Irmão Sol) é uma ode a Deus, à Criação e aos homens. Sua “Exortação ao Louvor do Senhor” é uma espécie de canto do universo, oração e poema da inserção de tudo e todos em Deus. Thomas Merton, teólogo e pensador, imergiu no sentido da vida e dos homens no Tibet, chamado de “o teto do mundo”. Suas reflexões glorificam a dimensão humana, resgatada pelo Cristo na Cruz. São Tomé, vacilante na fé, atônito e fragilizado, reencontrou-a diante de Jesus (João 20, 27): “E logo disse a Tomé: Põe aqui o dedo e vê as minhas mãos; chega também a mão e põe-na no meu lado; não sejas incrédulo, mas crente. Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus meu. Disse-lhe Jesus: Porque me viste, creste? Bem-aventurados os que não viram e creram”.

Há uma cultura da liberdade, que fortalece no homem a resistência ao desânimo, à insegurança, ao temor e às suas contradições. Evidencia-se em cada um, na seqüência interminável de passos adiante, contínuos, ampliando sua capacidade de exercer sua liberdade sem tibieza nem vacilações. Eis os fundamentos da civilização da paz. Coexistem com a democracia. São inseparáveis e interdependentes. As instituições decorrem desses elos. Nos dias de hoje, aqui e ali, tentam garrotear as pessoas pela disseminação da intolerância. Há um descompromisso com os valores da verdadeira democracia, alicerçada no pluralismo de idéias e num humanismo que consagre o direito de cada homem procurar e desfrutar a felicidade. Há uma tentativa planetária de subtrair às novas gerações a consciência dessa liberdade. No mínimo deturpá-la; subvertê-la ao sabor de radicalismos, histerias e perversidade, que militam em favor de novas formas de autoritarismo. Seria como se o mundo revivesse o terror de “Os deuses têm sede” de Anatole France e “Um conto de duas cidades” de Charles Dickens, que imergiram nas atrocidades e pânico da Revolução Francesa. Ou na selvageria em “Dr. Jivago” de Boris Pasternak e “O arquipélago Gulag” de Alexander Solzhenitsyn, russos aureolados com o Nobel da literatura. Os maus submetem os bons ao convertê-los à cultura da violência e do medo. Mas, em todos os tempos, o bem prevalece. Sempre…

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