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União e casamento: Há diferenças?

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Sara Vasconcelos
Wagner Lopes
Repórteres

Comemorações de um lado. Protestos de outro. Sentimentos de reconhecimento e também de indignação. Preconceito, respeito e muita discussão jurídica. Toda essa confusão antagônica resume bem a polêmica em torno da união homossexual, que  ganha novo capítulo: o primeiro casamento gay do Brasil. A conversão do contrato de união estável em casamento civil homossexual foi realizado na última segunda-feira, dia 27, em Jacareí, São Paulo, 42 dias após o Supremo Tribunal Federal reconhecer a união entre casais do mesmo sexo. A  decisão do STF, de 5 de maio, não regulamenta o casamento homoafetivo, ou seja, em cartório, só é permitido a escritura de reconhecimento de união estável, que estende os direitos de casais heteros aos de mesmo sexo.
Érica e Karla vivem em união estável e vão buscar o direito de casar
E foi seguindo esse príncipio, fundamentado no mesmo julgamento do STF, que a Justiça de São Paulo converteu a união entre o cabeleireiro Sérgio Kauffman Sousa e o comerciante Luiz André Moresi em casamento.

 E para quem não sabe a diferença, a tabeliã substituta do 2º Ofício de Notas de Natal Karina Olímpio explica que para celebrar o contrato de união estável, de acordo com a Constituição Federal, são necessárias quatro condições: que a união seja duradoura, pública, contínua e que tenha objetivo de constituir família. A  possibilidade de escolha do regime de bens e a mudança de nome é restrito ao casamento. No tocante a forma, a união estável não exige uma cerimônia, enquanto o casamento civil pede a participação de testemunhas e de um juiz de paz. O casamento, por questão legal, só pode ser entre pessoas de sexo oposto. “A legislação vigente não permite que a união homoafetiva seja convertida em casamento”, diz Karina Olimpio.

No Estado, a Corregedoria Geral de Justiça expediu, em 16 de junho, recomendação sobre a escrituração da união estável homoafetiva. Nesse sentido, a tabeliã frisa que “o tabelião sempre exerce uma função pública delegada pelo Estado e não possui a autonomia de praticar os atos a partir de seu entendimento, mas apenas aqueles que estão de acordo com a legalidade”. Apesar de não haver dados reais sobre a demanda, as situações mais comuns em cartório é de escritura publica de declaração de união estável homoafetiva. Para isso é necessário  apresentar documento de identidade, CPF, certidão de nascimento ou de casamento quando averbada a separação judicial ou divórcio, certidão de propriedade de bens móveis e imóveis. O custo é fixo no valor  de R$ 265,31.

Com o reconhecimento enquanto entidade familiar, o presidente  do Grupo Afirmação Homossexual Potiguar GAHP/RN José Dantas de Oliveira Filho, diz não ser mais necessário recorrer a justiça, o que põs fim ao serviço de assessoria jurídica prestado pela organização. “Antes se dependia da boa vontade e bom senso do juiz. Eram cidadãos que não tinham sua diginidade humana respeitada. Hoje todos tem que cumprir”, disse.

Apesar da vitória, afirma Dantas, a batalha continua. “Nossa maior luta hoje é pela criminalização da homofobia. O STF não é legislador, mas é executador ainda temos um congresso muito conservador e não consegue ser laico, que se baseia em dogmas religiosos e não tem cumprindo seu papel de legislar”, disse.

“Casamento, sim, mas sem vestido, véu e grinalda”

O casamento continua sendo o sonho da maioria das mulheres, e ainda mais entre as de mesmo sexo. É assim, entre as funcionárias públicas Erica Maia, 34 anos, e Karla Costa, de 40 anos, que há quatro anos vivem uma união estável e, após a decisão do STF, planeja buscar o cartório para legalizar o contrato e, em breve, até casar. “Pretendemos casar, sim, mas  sem essa coisa de vestido branco, véu e grinalda”, disse Erica, que é presidente do Fórum LGBT Potiguar. 

À época que conseguiram na Justiça o direito à união para inclusão como beneficiada no plano de saúde, o casal lembra que apenas um cartório em Natal consentia o registro. “Estamos aguardando que os cartórios se capacitem. Mesmo com a decisão, ainda há o receio que a cada pedido, ocorra um briga judicial”, disse.

A mudança na lei não altera o preconceito, que culminou na demissão, sem justa causa, da empresa em que trabalhava. Hábitos como andar de mãos dadas também foram abolidos pelo casal. “Nossa luta é pela criminalização da homofobia”, afirma Karla Costa.

Em Natal, o medo da violência gerada pela homofobia – que nos últimos 20 dias registrou cinco assassinatos envolvendo travestis – impediu que o ato público, planejado para ontem chegasse às ruas. “É o efeito Dilma. O veto ao Projeto de Lei 122/2006 deu a eles (homofóbico o direito de me agredir? É um retrocesso”, disse Jaqueline Brasil, presidente da Associação das Travestis reencontrando a vida (Atrevida).

Bate-papo

Cláudio Santos   » Desembargador e corregedor do TJ/RN

Antes da decisão do STF, os casais homossexuais tinham alguma forma de serem considerados família?

Forma legal, não. A decisão do Supremo Tribunal Federal é uma decisão tomada em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade e interpretou a constituição, estendendo a pessoas do mesmo sexo, que conviviam em união estável, os mesmos direitos da união estável entre homem e mulher.

Então, hoje os casais homossexuais em uma união estável possuem os mesmos direitos dos casais heterossexuais?

Mesmos direitos e deveres. A decisão do Supremo se baseou nos princípios constitucionais do direito à liberdade, da não discriminação de sexo, do direito à dignidade da pessoa humana e em um princípio implícito bastante interessante, que é o direito do cidadão à busca da felicidade. E me pareceu um suporte constitucional bastante interessante, esse princípio constitucional não escrito, mas que segundo o Supremo está implícito na Constituição, que é o direito à busca da felicidade.

Um juiz em Goiânia disse ter se baseado exatamente na Constituição para rejeitar a decisão do STF e negar a união homoafetiva. Como o senhor vê esse posicionamento?

Acho que, naturalmente, o juiz não pode envolver as suas crenças religiosas no ato de julgar, até porque a própria Constituição da República diz que o Estado é laico e, como tal, não poderia um juiz, que é instrumento do Estado, jogar em uma decisão dessa um entendimento personalístico, fundado em uma preferência por determinada opção religiosa.

Os casais homossexuais em união possuem vários direitos?

Quando em união estável, que equivale ao direito do casamento.

E a Corregedoria já orientou os cartórios a como agir?

A providência da Corregedoria em normatizar a forma como os cartórios do Estado devem agir na escrituração da união estável homoafetiva (datada de 16 de junho) é uma das primeiras do Brasil, salvo engano a primeira.

E para isso o que é necessário?

Basta comparecer perante o oficial, o escrivão, levando as documentações pessoais e de imóveis, móveis, enfim, todos os documentos que representem situações econômicas, financeiras e sociais que os interessados desejam disciplinar perante a lei, perante o Estado, perante o poder público.

Por si só, a decisão do STF já é suficiente para ser aplicada?

Já é suficiente e esse provimento já é suficiente também para que todos disciplinem a questão. Porque, por exemplo, se duas pessoas do mesmo sexo vivem em uma união estável hoje e isso não está disciplinado, se amanhã um dos dois morre, de quem são os bens? Do parceiro, dos filhos, do pai, da mãe, como é que fica?

E tem havido alguma resistência por parte dos cartórios?

Não, e o cartório não pode se recusar, sob pena de sofrer penalidades por parte da própria Corregedoria. Acredito que não vá haver nenhum problema no Rio Grande do Norte. Talvez uma falta ou outra de esclarecimento, que tanto os juízes, quanto a própria Corregedoria está pronta para aclarar.

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