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Ventos da mudança sopram no RN

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Renata Moura – Repórter de Economia

“Wind of Change’’ ou vento da mudança. O título de um dos grandes sucessos musicais da década de 90 ajuda a descrever a nova configuração que a economia do Rio Grande do Norte pode começar a ganhar em dois anos, na esteira da indústria eólica. O estado é visto com o maior potencial do país para gerar esse tipo de energia e tem ventos soprando a favor de pelo menos 17 municípios em estágio de desenvolvimento regular ou moderado, a exemplo de João Câmara, Touros e Galinhos. Esses ventos prometem levar, até essas cidades, um surto de crescimento sem precedentes, com algo em torno de R$ 20 bilhões em investimentos e milhares de empregos em áreas como construção civil, operação e manutenção de equipamentos. Movimentos nesse sentido devem ter início amanhã, com o primeiro leilão de reserva para negociação exclusiva de energia obtida a partir do vento, ou eólica, no país, mas deverão ganhar força ao longo da próxima década, dependendo da demanda dos compradores pela produção.
Parque eólico montado no município de Rio do Fogo é um dos dois atualmente em operação no estado
De acordo com o secretário estadual de Energia e Assuntos Internacionais, Jean-Paul Prates e com investidores interessados em implantar os chamados parques eólicos no Rio Grande do Norte, o cenário de desenvolvimento se tornará factível se houver condições e leilões suficientes para garantir mercado à energia. Uma prova de que interesse existe, da parte deles pelo menos, está sendo dada neste primeiro leilão.

A disputa, marcada para amanhã, a partir das 10h (no horário de Brasília), na sede da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica, em São Paulo, poderá ser travada por 339 projetos, somando 10.005 MW de potência em oito estados. Só no Rio Grande do Norte, líder em oferta de megawatts, 105 projetos foram habilitados, com uma soma de 3.629 MW. No Ceará, segundo estado com mais oferta de energia, 108 empreendimentos, com 2.515 MW tiveram o sinal verde da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) para competir.

Alguns pontos pesam, no entanto, para que as possíveis divisas desses projetos fiquem longe das estimativas atuais, pelo menos por enquanto. O primeiro ponto é que nem todos os que foram habilitados estarão de fato neste primeiro leilão. É que alguns investidores não fizeram o aporte de garantias, posterior á fase de habilitação e necessário para que se mantenham na disputa. A lista de projetos que cumpriram essa etapa é apontada como “estratégica” pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e, por esse motivo, não foi enviada à reportagem. Estimativas extra-oficiais apontam, no entanto, que depois dessa fase tenham saído do processo 40% dos megawatts ofertados, em projetos nos oito estados.

A quantidade de energia que os compradores – incluindo concessionárias de distribuição, consumidores livres, especiais e autoprodutores – demandarão também não permite que este leilão específico consiga impulsionar tantos empreendimentos. A Associação Brasileira de Energia Eólica  (ABEEólica), que representa 51 empresas do setor, estima que serão comprados de 2 a 2,5 Gigawatts (GW), o equivalente a 2 mil ou a 2,5 mil megawatts.

Custo

Outros fatores que no caso específico do Rio Grande do Norte podem adiar um desenvolvimento mais vigoroso da indústria eólica são a falta de infraestrutura para escoar a energia e o custo de transmissão, mais elevado que nos concorrentes. O estado tem contra si a Tarifa de Transmissão de Energia Elétrica (TUST), calculada pela Aneel e um dos principais componentes do custo da energia. A Tarifa estimada para o RN varia de R$ 8,10 a R$ 9,10, enquanto em estados como o Rio Grande do Sul custa entre R$ 2 e R$ 4. Segundo a Secretaria de Energia do RN, essa mesma tarifa custa entre R$ 5 e R$ 6 no Ceará.

A TUST é como um pedágio que os investidores pagam à Aneel e causa um impacto de praticamente o dobro de seu valor na tarifa final. Isso quer dizer que na faixa de R$ 8 eleva em R$ 16 o preço final da energia gerada. “Eles alegam que nosso sistema de transmissão é mais precário. Mas o papel do governo federal é entender as diferenças entre as regiões e procurar formas de não acentuar ainda mais essas diferenças. O valor definido para o estado acaba deixando nossos projetos menos competitivos. Na hora do leilão, os investidores com projetos no Rio Grande do Norte vão ter menos flexibilidade para baixar o preço”, ressalta o secretário Jean-Paul Prates e vai além: “O estado provou para o mundo que é o mais atrativo para projetos e é o maior em  megawatts ofertados. Agora, essa variável definida por regulação federal pode levar o estado a não confirmar, neste leilão, todo o potencial que poderia ter”.

Estado pode vender até 600 megawatts

Diante das adversidades, estima-se que o Rio Grande do Norte consiga de 250MW a 600MW vitoriosos no leilão, o que já dobraria a capacidade instalada de eólica do estado e poderia gerar até R$ 3 bilhões em investimentos, afirma Jean-Paul Prates.

Por garantir contrato de compra para a produção, o leilão será determinante para que os projetos  o RN saiam do papel ou não. É por isso que o governo do estado e entidades empresariais têm lutado para que o governo federal estabeleça um calendário de leilões. “O Rio Grande do Norte tem condição de ser um pólo da indústria de energia eólica. Além de ter as condições favoráveis, de vento, é também o eixo entre Ceará, Pernambuco e Paraíba, o que tornaria perto de todos esses estados possíveis fornecedores de que se instalassem aqui. Tentamos vender essa ideia para os fabricantes de turbinas, de torres, só que para que essas empresas venham se instalar precisam que o governo federal defina a regra do jogo. Ninguém vai investir numa fábrica sem que haja um calendário definido. Os investidores precisam saber se vão ter para quem vender”, observa o presidente do Comitê Temático de Energias Renováveis e Meio Ambiente da Federação das Indústrias do RN, Sérgio Azevedo.

O governo não oficializou, mas já sinalizou, porém, que a compra de eólica via leilão deverá se dar daqui para frente pelo menos uma vez por ano, afirma o presidente da ABEEólica, Lauro Fiúza. “A certeza disso dá segurança às indústrias que estão se estabelecendo no Brasil e estabilidade aos investidores que estão fazendo medições e buscando terrenos para montar seus parques”, analisa ele.

O RN também luta para que o governo federal coloque em concessão uma linha de transmissão, essencial para o escoamento da energia produzida.

Interior terá empregos fortalecidos

No auge de um parque eólico, quando a obra está em pleno vapor, gera-se em torno de 500 a 600 empregos diretos. Cerca de 90% dessa mão-de-obra ajuda a construir os caminhos de acesso e as fundações. São pedreiros, serventes, mestres de obras, encarregados e engenheiros, por exemplo. A equipe restante é responsável por fazer a montagem dos aerogeradores, aqueles geradores elétricos enormes, integrados ao eixo de um cata-vento. “Todos os parques estão em regiões afastadas da capital. Geralmente levamos os encarregados e engenheiros, mas 80% da mão-de-obra é local’’, diz Sérgio Azevedo, da Dois A Engenharia, que já participou da implantação de 120MW em três parques no Rio Grande do Norte e na Paraíba e agora trabalha na construção do quarto empreendimento, de 150MW, em Guamaré (RN). Azevedo também é presidente do Comitê Temático de Energias Renováveis e Meio Ambiente da Federação das Indústrias do estado, a Fiern.

De acordo com o empresário, a construção civil representa cerca de 15% do investimento total do empreendedor em um parque eólico, mas, no quesito geração de emprego, tem participação quase cinco vezes maior: é responsável por 70% do total gerado na obra.

O estudo Wind at Work: Wind energy and job creation in the EU, da Associação Européia de Energia Eólica, não engloba o emprego na fase de construção, mas mostra que as oportunidades geradas pela indústria eólica são mais abrangentes do que se imagina. Só as fábricas de turbinas, líderes em contratações, absorvem 37% da mão-de-obra. A fabricação de componentes fica com mais 22%, a área de desenvolvedores de parques com 16% e a instalação, operação e manutenção, fase pós construção civil, emprega outros 11%. Na Europa, onde estão concentrados alguns dos países líderes na produção de eólica, estima-se que 15.1 empregos sejam criados por cada MW instalado e que 33 novas pessoas sejam empregadas por dia, sete dias por semana.

O estudo mostra que o setor está enfrentando, no entanto, uma séria escassez de candidatos a preencher as vagas existentes e as que irão surgir nos próximos anos. “Isso é verdade particularmente para as posições que exigem mais anos de estudo e experiência, como são os casos de engenheiros e técnicos em operação e manutenção, para citar alguns”, aponta o relatório.

Municípios

Considerando a absorção de mão-de-obra majoritariamente local, é possível dizer que a concretização de todos os parques projetados para o Rio Grande do Norte geraria um surto de novos empregos em cidades que lutam para se desenvolver, como é o caso de João Câmara, município que tem a maior parte dos megawatts ofertados no leilão.

Touros seria outro exemplo. Segundo Mark Argar, diretor geral da Pacific Hydro no Brasil e responsável por dois projetos habilitados no leilão, para o município, há planos de montar um programa de capacitação local, uma investida para preparar mão-de-obra que ajude a empresa a tirar do papel seus projetos.

O programa poderia ser viabilizado cerca de seis meses antes do início das obras, em parceria com entidades como Senai, que é ligada à indústria.

“Queremos a máxima participação da comunidade”, diz o executivo.

Empresas repensam participação

Só na hora do leilão marcado para amanhã os investidores deverão saber quanta energia será contratada. Mas o preço teto, já conhecido e fixado em R$ 189/MWh, ficou abaixo do que o setor esperava e levou alguns participantes com projetos habilitados a repensar ou até desistir das ofertas que fariam.

Em carta enviada aos dirigentes da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) esta semana, o secretário de Energia e Assuntos Internacionais do estado, Jean-Paul Prates, expõe preocupações nesse sentido. “Muitos empreendedores me relatam que o preço-teto não viabiliza um investimento médio da ordem de R$4,5MM por MW. E consideram que o salto entre o preço atualmente praticado para os projetos do PROINFA (hoje R$250-260/MW) para o preço inicial do dia 14 (R$189) foi por demais drástico. Este foi um dos motivos que levaram um dos principais grupos com projetos no RN a me comunicar desistência agora há pouco”, diz ele no texto e, sem revelar o nome do investidor, não para por aí.

“Este e muitos outros, apesar de terem manifestado claramente a sua intenção de investir (ao realizar medições, elaborar projetos, licenciá-los, credenciá-los, obter garantias e investidores, qualificá-los para o leilão etc) irão aguardar a realização deste primeiro leilão para ver como fica”, expõe ainda ele.

A Pacific Hydro, gigante australiana no setor de energias renováveis, habilitou 250 MW em projetos no Rio Grande do Norte, mas colocou  garantia para menos que isso: 147 MW desse total. “Com o teto de R$ 189 e como há um custo para colocar garantia, decidimos  continuar no processo com menos parques. Habilitamos oito e vamos ao leilão com seis”, diz o diretor geral da companhia no Brasil, Mark Argar, considerando o teto definido pelo governo como razoável, mas observando que um preço em torno de R$ 200 daria mais retorno e segurança para que a realização dos investimentos.

Os projetos da Pacific foram batizados Paraíso Farol e Paraíso Azul e estão projetados para o município de Touros.  “Realmente achamos que vamos ganhar contrato para pelo menos um deles”, aposta o executivo.

Na visão dele, 2010 vai ser um ano de crescimento para o Brasil, o que vai implicar mais consumo de energia. “Espero que isso faça o governo comprar um pouco mais do que o esperado”, continua.

Os projetos habilitados pelos investidores que não saírem vencedores no leilão não deverão ser engavetados de vez. A perspectiva do Estado, pelo menos, é que um calendário anual dê fôlego para que mantenham e até robusteçam seus projetos.

Momento é de estimular energia limpa

A Convenção do Clima de Copenhague, que está acontecendo na Dinamarca para discutir o aquecimento global e estabelecer regras para combatê-lo, é tido como o momento ideal para o Brasil mostrar que está disposto a apostar no setor eólico. “Este é um bom momento para o governo sinalizar que o Brasil não quer uma matriz suja, que vai continuar incentivando a energia mais limpa do mundo, a eólica”, diz Argar, da Pacific Hydro.

O presidente da ABEEólica, Lauro Fiúza, vai além: “A eólica é o investimento em infraestrutura de menor impacto ambiental. Tem menos impacto que a construção de uma estrada, de uma indústria e não produz CO2 (um dos maiores responsáveis pelo aquecimento do planeta)”, frisa. “Qualquer que seja o megawatt vitorioso no leilão se soma à capacidade de geração de energia do estado e reduz a dependência do RN do sistema nacional de linhas de transmissão de longa distância. Quanto mais energia local, mais segurança energética”, frisa Prates.

“Esse é um pré-sal real para o Nordeste. Tem muitos investidores totalmente prontos para investir, com tecnologia, indústria e prazo para entregar a anergia”, observa ainda Mark Argar. Os contratos de compra e venda de energiano leilão terão validade a partir de julho de 2012 e terão duração de 20 anos.

Setor eólico conta com incentivos

Desde o início de 2009, o setor que mais tem demandado financiamentos do Banco do Nordeste no Rio Grande do Norte tem sido o de infraestrutura, seguido de comércios e serviços. O maior volume de crédito contratado pelas empresas do setor se deve, em grande parte, ao fato de o banco ter começado a financiar projetos de energia eólica este ano, diz o superintendente, José Maria Vilar.

Segundo ele, a energia renovável é uma das prioridades da instituição, que tem ido em busca de potenciais investidores. Atualmente, há um projeto de usina eólica sendo financiado no estado e mais quatro estão em negociação. Além disso, estão sendo contatadas empresas que trabalham com peças e equipamentos para geração dessa fonte de energia. “Acredito que o RN tem tudo para se transformar no estado brasileiro da energia eólica”, frisa o superintendente.

O setor também tem sido contemplado com incentivos fiscais. Na sexta-feira passada o  Conselho Nacional de Política Fazendária aprovou a prorrogação, até 31 de janeiro de 2010, de um convênio que concede isenção de ICMS nas operações com equipamentos e componentes para o aproveitamento de energia solar e eólica. A decisão deverá ser publicada no Diário Oficial da União na terça-feira. O convênio será rediscutido em janeiro. *Com informações de Silvia Ribeiro Dantas

Bate-papo: Lauro Fiúza – presidente da ABEEólica

Quais são os pontos fracos e os fortes do RN no leilão?
O Rio Grande do Norte tem os melhores ventos do Brasil e pelo bom rendimento dos parques assumiu a liderança dos projetos. Como esse é um leilão de preço, quem tem o melhor vento e a melhor infraestrutura tem maior capacidade de oferecer preços mais convenientes para o sistema.

Mas a infraestrutura, por exemplo, não é desvantagem?  
A infraestrutura penaliza o RN e pode levar a  uma perda de competitividade dos projetos. Com a Tust calculada pela Aneel acaba se pagando mais pela transmissão e a energia também fica mais cara. Em estados como o RS, onde a malha de transmissão de energia já está feita, a tarifa  fica menor. O que se está buscando é uma política de incentivos para equalizar essas condições. O país deveria dar mais incentivos para onde há mais capacidade de produção. Uma forma dsso seria definir a Tust igual para todos.

Que ganhos terão os estados com Megawatts vencedores?
A energia eólica propicia primeiro a criação de empregos qualificados nas regiões onde os parques se instalam. São empregos na construção, depois na operação e na manutenção dos parques. Segundo, investimentos nessa área trazem para esses estados garantia de fornecimento de energia na rede e isso dá segurança a investimentos industriais e comerciais naquelas regiões. Se tivermos mais eólicas espalhadas no Brasil vamos ter produção de energia distribuída, não fica tudo concentrado numa usina só, que é a Itaipu, e o risco de acontecer um apagão é menor.

As regras definidas para o leilão agradaram o setor?
O fato de termos o leilão, o primeiro exclusivo para energia eólica, por si só agradou muito. É um ponto extremamente positivo. Agora, o estabelecimento do preço (R$ 189 MW/h) foi muito baixo.  O teto definido não mostra taxa de retorno atraente. Alguns investidores estão preocupados e temendo que seus projetos não concorram bem.

Quanto a ABEEólica estima que serão comprados?
Entre 2 e 2,5 Gigawatts (entre 2 mil e 2,5 mil MW). Com o cancelamento do leilão das térmicas (qprevisto para o dia 21 de dezembro) abre-se a perspectiva de que compre esse volume.

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