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Veraneio, devaneios

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Nei Leandro de Castro
Escritor

Guiado por um famoso teólogo e uma competente enóloga, conheci o litoral de Jacumã.  A orla de alguns quilômetros se destaca pelas mansões cassiânicas, fabulosas, de fazer inveja a emirados árabes. Ao passar por uma casa imensa, deslumbrante, com tons beges e amarelos, perguntei quem era o dono daquela maravilha. Ao ser informado, não me contive e fiz uma exclamação que continha um trocadilho: “Francamente!”

De repente, sem endereçar qualquer inveja à dona da mansão, eu me dei conta de  que  poderia ter várias casas daquelas, em qualquer litoral do Brasil. Era só ter casado com aquela francesa que conheci no Rio de Janeiro há muitos anos. A madame era viúva, muito rica, e me queria como legítimo esposo. Eu tinha 19 anos, ela estava com 45. Por timidez e burrice, rejeitei a proposta, preferi continuar pobre, apaixonado por uma Margarida recifense, de olhos verdes.

À beira-mar de Jacumã, como sonhar não paga imposto, comecei a pensar como poderia ter acesso àquela casa. Enquanto caminhava pela beira da praia, entrei em devaneios de veraneio. Se eu fosse solteiro (e a dona da casa também), eu sobrevoaria a casa de helicóptero e jogaria, numa bela manhã, uma tonelada de pétalas de rosa e lírios do campo sobre os jardins da mansão. Depois desceria do helicóptero, me apresentaria com um livro de poemas com o título de “Franca poesia”. Muito inspirado, eu teria escrito poemas de amor, lúbricos e puros, capazes de comover até uma fiscal do Imposto de Renda. Para o almoço, eu me ofereceria para preparar um pato à maneira do restaurante “La Tour d’Argent”. Beberíamos taças do vinho Brunello di Montalcino, ao som de músicas italianas, e aguardaríamos, olhos nos olhos, que a noite descesse suavemente sobre as águas do mar à nossa frente. E aí, entre novas taças de vinho, eu lhe recitaria os sonetos de amor que Petrarca escreveu para Laura, no século 14. Se nada disso fizesse efeito, eu entraria para a Ordem dos Carmelitas Descalços.

Para fugir das tentações, deixei de olhar para a casa de tons beges e amarelos que me seduziu. Voltei-me para as lembranças de outra praia, Graçandu, onde convivi muitos verões com um dos maiores amigos que tive: Danilo Bessa. Hoje, Graçandu  tem registro nas colunas sociais, é palco de grandes réveillons, recebe comitivas de socialites. Mas antes era quase anônima. Já foi conhecida como  Praia Vermelha, porque lá era um reduto de comunistas, sob o comando de Danilo, que fazia discursos subversivos à beira-mar e costumava velejar no seu  barco chamado “Ouro de Moscou”, dando vivas a Luís Carlos Prestes.  Simples por fora, a casa de Danilo era revestida de amizade, bom humor, ternura humana. Ali se conversava bem, bebia-se bem, de preferência uísque, de que Danilo foi o mais fiel escudeiro em cinqüenta anos de doses diárias. Quando se achava inspirada, Lenira, a bem-amada, ia para a cozinha e fazia um porco à Augusto dos Anjos, de se comer rezando ou recitando versos do poeta paraibano. Pena que Lenira, com talento para ser chef de cuisine de qualquer restaurante francês, só se sentia inspirada uma vez por ano. No máximo, duas vezes. 

Penso em Graçandu, penso em Danilo Bessa, e a tristeza começa a tomar conta de mim. Volto correndo para os devaneios da casa de tons beges e amarelos de Jacumã.

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