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Viagem ao mundo colorido do Alecrim

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Yuno Silva – Repórter

“Se procurar no Google e não encontrar, vá ao Alecrim!” A frase dita pela cantora Nara Costa no documentário “Cais do Sertão” pode até soar absurda, mas traduz com bom humor a profusão de opções que o centenário bairro natalense tem a oferecer ao mais indeciso dos consumidores. Com perfil comercial, trânsito caótico, um vai e vem interminável de pessoas e muitas histórias para contar, o Alecrim é o ‘personagem’ central eleito pelo documentarista Paulo Laguardia. Envolvido há mais de dois anos com o projeto, entre pesquisa e captação de imagens, Laguardia gravou as últimas cenas do documentário sobre o bairro na manhã de terça-feira, no estacionamento da Fundação Capitania das Artes — bem dizer às margens do rio Potengi.
Laguardia entrevista a cantora Nara Costa, no último dia de gravações do Cais
A fase de edição está avançada e a meta é concluir ainda este mês de março. “Ainda não tenho uma data certa de lançamento, mas pretendo fazer uma sessão pública, de preferência na praça Gentil Ferreira,”, planeja. Todos os alecrinenses ou não estão convidados.

Em 52 minutos, “Cais do Sertão”, título alusivo ao apelido recebido pelo Alecrim no início do século 20 por ser um importante entreposto de produtos que chegavam do interior do RN pelo Potengi, pretende remontar a formação do bairro até os dias atuais a partir de depoimentos de moradores antigos e registros históricos.

“Minha proposta é contar essa história sem chatices, sem aquele foco burocrático que vemos em muitos documentários. O filme mostra problemas e aponta possíveis soluções a partir da ótica dos próprios moradores do bairro”, adiantou. Laguardia contou que os moradores sugerem a possibilidade de verticalizar o camelódromo: “Registrei opiniões distintas sobre os vários temas abordados, mas fiquei impressionado com a visão unânime quanto à crítica aos políticos.”

O documentarista informou que preferiu não citar nomes, “não é esse o objetivo do documentário”, mas retomou assuntos como os dois projetos de urbanização que chegaram a ser aprovados pelo Ministérios das Cidades ainda nesta década para reurbanizar a área, mas que acabaram engavetados. “O Alecrim não admite remendo e há um receio de mexer com o bairro por razões políticas.

O interesse de Paulo Laguardia pelo bairro não é de agora: ele morou no Alecrim (por pouco tempo), trabalhou mais de uma década por lá e a passagem do centenário era a deixa que faltava ao documentarista. “Além do comércio popular que existe até hoje e da grande população residente, o Alecrim tinha um vida cultural pujante. Não à toa, era o principal palco para comícios, tinha seis cinemas, dois teatros e duas ou três casas de shows. Sem falar do Carnaval”, enumera Laguardia.

Sobre o Carnaval uma curiosidade: o Alecrim, que tem escolas de samba estabelecidas e era sede de vários blocos de elite, foi o primeiro local a receber os desfiles durante o período de Momo, inclusive o bairro tinha um Rei Momo particular, anualmente encarnado por Severino Galvão, pai de Babal, Galvão Filho, Eri e João Galvão. “A riqueza cultural foi o que mais me chamou atenção”, confessa o diretor e roteirista.

NOS TEMPOS DO “RIFÓLES”

Durante suas pesquisas, Paulo Laguardia topou com duas possibilidades para explicar a origem do nome Alecrim: a primeira versão remete ao tipo de vegetação abundante no local (que não era a especiaria, e sim um “garrancho”; e a segunda, que não deixa de ter relação com a primeira, dá conta do “costume de uma senhora que, sempre que passa um enterro, colocava um ramo de alecrim sobre o caixão.”

No século 17 a região era conhecida como Rifóles, referência ao pirata francês Jacques Riffault, que frequentava o ‘cais do sertão’ em busca de pau brasil. Oficialmente o bairro foi fundado em outubro de 1911, mas registros apontam atividades urbanas anteriores. Com dois padroeiros, São Pedro (o oficial) e São Sebastião, o Alecrim também se caracteriza por sua religiosidade, onde várias religiões convivem lado a lado – católicos, evangélicos, espíritas e suas vertentes.

O salto no desenvolvimento urbano do bairro aconteceu junto com a instalação da Base e da Vila Naval, e um dos motivos da capital potiguar não ter sido transferida para Macaíba, quando aquela cidade era o principal entreposto comercial do RN no século 19, deve muito a vocação do bairro para o comércio.

AS MEMÓRIAS DE CADA UM

A dinâmica do documentário é entrecortada por notas históricas, citações, poemas e músicas que falam sobre o Alecrim. A cantora Nara Costa declama poesia de François Silvestre sobre o bairro, o pesquisador e folclorista Gutenberg Costa fala sobre a visão preconceituosa para com o Alecrim (que até hoje existe, mas está mais branda), o cantor e compositor Babal lembra da infância e dos muitos lugares que inspiraram e inspiram sua música, Normando Bezerra exalta a trajetória do Alecrim Futebol Clube, e mais depoimentos de historiadores, arquitetos e empresários como Magno e Eduardo Vila (do Grupo Vila) e de Derneval Sá, da Casa Sarmento.

“Também fiz questão de lembrar de personagens folclóricos como Maria Sai da Lata, Lambretinha, Dr. Shock e Velocidade, todos citados com ar saudosista pelos moradores entrevistados”, ressaltou Paulo Laguardia. A culinária, a religiosidade e a famosa feira da Avenida Um também ilustram o documentário. “Antes dos norte-americanos chegarem por aqui, na época da Segunda Guerra Mundial, as ruas já eram conhecidas por números.” Segundo o diretor, o traçado ia até a numeração 23 (hoje Av. Mor Gouveia) e foi idealizado quando Omar O’Grady era prefeito de Natal. “Ele contratou o urbanista Giácomo Palumbo para fazer o primeiro Plano Diretor da cidade”, informou.

CAFÉ NICE

“Cais do Sertão” também contou com depoimentos dos historiadores Luciano Capistrano e Job Neto; da arquiteta urbanista Eleonora Macedo; do professor universitário João da Mata, cujo pai era feirante no Alecrim; e o músico Reinaldo Azevedo, guitarrista da Banda Anos 60, que falou sobre a vida cultural e contou como era movimentado o Café Nice, “um grande ponto musical onde os boêmios se encontravam todo fim de semana.”

“Se tivesse captado os recursos necessários, iria promover uma noite com os frequentadores da época para relembrar os tempos do Café Nice”, lamentou. Para viabilizar o projeto, Laguardia precisou reduzir o orçamento e reclama da falta de apoio dos comerciantes da área. “Eu não conheço nenhum outro documentário no Brasil que trate exclusivamente de um bairro, e espero que esse trabalho incentive outras pessoas fazerem documentários sobre a Ribeira, Ponta Negra”, disse Laguardia, cuja principal intenção é preservar a memória do bairro.

O documentário “Cais do Sertão” contou com patrocínio do Grupo Vila, através da Lei municipal Djama Maranhão de incentivo à Cultura, e apoio da Fundação Capitania das Artes, que cedeu equipamento para edição das imagens. Responsável pelas pesquisas, roteiro e direção, Paulo Laguardia foi assessorado por equipe formada por Marcelo Barreto (fotografia), Rogério Vital (cinegrafista), Bruno Sarmento (edição), Adriana Amorim (produção) e Danielle Brito (direção de produção).

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