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Zemeckis usa arte de preencher o vazio

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Por Luiz Carlos Merten

Se há uma coisa de que não se pode acusar o diretor Robert Zemeckis é de falta de audácia. No começo de sua carreira, ele ousou sucessivas vezes, adotando inovações técnicas – em Uma Cilada para Roger Rabbit e Forrest Gump, nesse, prosseguindo com uma pesquisa sobre a imagem que Woody Allen iniciara com Zelig. Zemeckis ganhou o Oscar por Forrest Gump, mas, ao contador de histórias, pode-se preferir De Volta para o Futuro, que completa 30 anos em 2015 – e iniciou a série cultuada que o público conhece de cor. A mais nova audácia do cineasta é refazer, como ficção, o vencedor do Oscar de melhor documentário de 2008, O Equilibrista, de James Marsh. Se o documentário já era tão bom – ganhou também o Bafta e o Globo de Ouro -, por que ficcionalizar?

Em 7 de agosto de 1974, um francês, Philippe Petit, fez o que parecia impossível. Estendeu um fio de aço entre as Torres Gêmeas do World Trade Center e caminhou, equilibrando-se sobre ele, a centenas de metros de altura. Man on a Wire. O filme de Marsh celebra o engenho humano, tenta iluminar por que uma pessoa é capaz de se arriscar dessa maneira. O filme de Zemeckis reconta a história para duas diferentes celebrações. Não é mais o esforço solitário do ‘pequeno’ (Petit) Philippe, mas o coletivo do grupo sem o qual sua façanha não teria sido possível Mais ainda, o filme celebra um espaço que virou sagrado no inconsciente coletivo – as Torres Gêmeas.

Há 41 anos, quando Petit assumiu o desafio, as torres ainda estavam sendo finalizadas. Eram consideradas, pelos próprios nova-iorquinos, intrusas (estrangeiras?) na paisagem. Uma personagem diz a frase linda – “Philippe deu-lhes (às torres) uma alma”. Joseph Gordon-Levitt é quem faz o papel. Garoto, na França, ele desenvolve a paixão pelas travessias. É expulso de casa, vira artista de rua. Um dia, numa revista, descobre que as torres estão sendo construídas em Nova York. E decide estender seu fio entre elas. Para isso, precisa vencer desafios técnicos, e é ajudado pelo grupo. Os desafios são também de outra ordem, porque a travessia é ilegal. E será preciso vencer a repressão da polícia.

Quando Philippe Petit avançou sobre o vazio das duas torres, ninguém, muito menos ele, podia pensar que, 27 anos depois, em 11 de setembro de 2001, um ataque terrorista da Al-Qaeda varreria o World Trade Center do mapa, criando um vazio simbólico maior ainda. É esse vazio simbólico que Zemeckis preenche com seu belo filme. A Travessia, num certo sentido, é um filme completo. Tem ação, humor, aventura, romance, suspense. Tem efeitos. É como se Zemeckis quisesse revisitar todos os gêneros (menos o western…) e fazer do cinema um instrumento para reconstituir a memória. Nada se diz sobre o 11 de Setembro. Tudo fica subentendido. As pessoas passam – o grupo, não sem certa tristeza, desintegra-se. As torres são as grandes personagens. É um milagre do cinema dar-lhes vida num filme tão emocionante. E, se isso é um discurso edificante, que seja.

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